Jornal do Comércio - Quais os caminhos para a retomada econômica do Brasil e do Rio Grande do Sul neste ano? E o que a indústria precisa para crescer?
José Agnelo Seger - A indústria, há bastante tempo, representava em torno de 20% do PIB. Hoje, deve andar em torno de 10%. Então, de certa forma, está havendo uma desindustrialização, e isso é muito ruim. No Brasil tem um negócio que realmente está bombando, e graças a Deus vai muito bem, que é o agronegócio. Felizmente, ele é o responsável pelo superávit, balança de pagamentos, e que bom. Por trás disso, tem inciativas do governo lá atrás, como a Embrapa, tem o pessoal que está no campo investindo em tecnologia e aumentando a produtividade, e eu vejo que a indústria perdeu um pouco isso. Nós temos cargas tributárias muito desiguais. Não quero dizer com isso que a agricultura tem que ser mais taxada, não é isso, mas se olhar a indústria tem a maior carga tributária de todos os agentes econômicos. Teria que ter políticas públicas permanentes em relação à indústria. Muitas vezes você vê espasmos, como o investimento na indústria naval, mas daqui a pouco esse negócio desanda, veja o que aconteceu em Rio Grande. O Custo Brasil é muito alto, e a gente tem que diminuir o tamanho do governo, porque não adianta aumentar arrecadação: tudo que o governo arrecada já está carimbado, então não sobra mais nada para investimento ou infraestrutura. A máquina pública é muito grande, e a reforma tributária é uma coisa urgente. Eu vejo o Rio Grande do Sul fazer privatizações, vejo o Governo Federal tentando fazer. O Estado tem que cuidar de segurança, educação, e propiciar um clima para as indústrias privadas gerarem emprego. As empresas de infraestrutura no Brasil não tem capacidade de investimento, mas aí tem que ter segurança jurídica, muita confiabilidade no que vai se acertar. Com isso tudo, com as parcerias público-privadas, com investimentos externos, volta emprego e as coisas começam a andar melhor, porque hoje realmente o número de desempregados é grande.
JC - Quais os desafios neste período de pandemia?
Seger - Nós iniciamos o ano de 2020 admitindo pessoas, tínhamos aumentado nosso quadro. Em março, quando veio a pandemia, diminuímos o quadro das pessoas que estavam em contrato de experiência, e casos pontuais também. No início, quando a fábrica fechou, começamos a fabricar máscaras por um tempo e distribuímos para instituições que precisavam, e reduzimos jornadas de trabalho, demos férias, interrupção de trabalho. Para o varejo, nós temos 144 lojas licenciadas iPlace, e com os shoppings fechados, parecia o fim. Nós já atuávamos no e-commerce, e tínhamos recém adquirido uma plataforma nova. Tínhamos um ano pra implantar essa plataforma, e tivemos que fazer mais rápido para ter mais possibilidade de vendas. Aumentando muito nossa retaguarda, investimos em sistemas, admitimos pessoas, e essa foi realmente a grande sacada. Temos venda por WhatsApp, mesmo com shoppings fechados. Se fazia a venda, passava em estacionamento, e o pessoal ia lá e pegava a encomenda. Agora, com esse abre-e-fecha da economia, de bandeiras etc., houve um distanciamento do público nas lojas físicas. Com isso normalizando, depois da ampla vacinação e tudo mais, lentamente esse mercado vai voltar, mas existe esse problema: a renda não aumentou na proporção dos aumentos de preço. A classe média perdeu o poder de compra, e as empresas também. A gente está construindo uma fábrica, e daquilo que se contratou em setembro e outubro do ano passado tem coisas que aumentaram mais de 100%.
JC - Quanto a empresa investiu ano passado e pretende investir neste ano?
Seger - Estamos construindo em Dois Irmãos uma expansão da nossa fábrica, uma área nova de 54 mil metros. Nessa nova planta e no reforço da planta existente estamos investindo 75 milhões, na construção e parte de máquinas.
JC - A falta de insumos decorrente da pandemia e enfrentada por diversos setores econômicos afetou a empresa?
Seger - No começo da pandemia a gente estava bem preocupado, mas depois as coisas foram clareando e melhorando, e aí aumentou muito o consumo. Nós temos fábrica de móveis, fábrica de colchões, e dentro da fábrica temos o setor de parte química, fazemos espuma de poliuretano, vendemos para indústrias automobilísticas, confecções, moveleiros. Temos setor de injetados, solados pra calcados, etc. No início isso estava devagar, mas aumentou principalmente o setor moveleiro, que as pessoas ficaram em casa, então preferiram investir dentro de casa. Aí teve um boom, e a falta foi generalizada, de tudo que é material. Chapas, painéis, falta esse mercado ainda não está normalizado hoje. A gente já vê uma tendência de melhora. O que houve muito foi o aumento de preços, quando a procura é muito maior que a oferta, o preço aumenta. O aço continua aumentando o preço. Demais produtos tiveram uma estabilização, mas o aço continua com uma demanda muito alta. A China comprando tudo, pelo menos em questão de minério, e isso faz com que o preço do aço continue alto, e existe falta de determinados produtos. Consumimos muito arame para molejos, mas esse item especificamente já está mais normalizado. A falta de produtos químicos para espuma de poliuretano e injetados também foi grande, mas felizmente a gente sempre trabalhou com níveis de estoque. Nós buscamos os produtos na Ásia, Europa, Estados Unidos, onde tinha, e a gente pôde atender a contento. Às vezes não conseguimos atender estoques especulativos, mas aquela média normal conseguimos atender.
JC - Como o aumento de preços dos insumos pode refletir nos resultados das empresas no Brasil e na recuperação da economia?
Seger - O aço aumentou até mais de 150%, TNT aumentou bastante também, as coisas aumentaram desproporcionalmente por conta da oferta e procura, mercado mundial e commodities, e o salário e o rendimento das pessoas não aumentou. Quando tinha o auxílio emergencial de R$ 600,00, em muitos lugares isso foi uma injeção na veia do consumo, mas isso parou. Eu vejo que o governo tem buscado outros caminhos, agora está antecipando o 13º salário dos aposentados, tomando uma série de inciativas para movimentar um pouco o mercado. Existe uma preocupação com a inflação que subiu, a Selic subindo 0,75% nas duas últimas reuniões, então acho que vai começar a conter um pouco esse momento. Só que essa conta não fecha: o poder aquisitivo das pessoas, principalmente classe média e assalariado, não aumentou, e os produtos aumentaram muito. Talvez vai se vender em números financeiros um bom valor, mas em unidades talvez menos.
JC - Como estão as atividades do Grupo Herval no exterior?
Seger - Há dois anos abrimos uma filial na Flórida, então ainda estamos investindo lá. É um depósito com produtos a pronta entrega, e esse depósito aprende e-commerce e lojas de lá. Estamos incrementando bastante, e eu vejo que é assertivo o que nós fizemos. Tem que ter um tempo de investimento, ainda estamos nessa fase, mas vislumbrando agora que o volume já se justifica e que vai tornar o negócio rentável e positivo. Não temos retorno ainda, mas agora a coisa tá andando. A pandemia foi no mundo inteiro, está mais aberto lá. E me parece que existe, não só nos Estados Unidos e Europa mas na América Latina também, uma tendência de diminuir a dependência da China. No setor moveleiro, em torno de 50% do que os Estados Unidos importa vem da China. Sempre vão ter que comprar dos chineses, mas tem essa tendência de diminuir. Houve uma desvalorização grande do real, e isso de certa forma torna a gente um pouco mais competitivo no mercado internacional. Agora baixou um pouco, o que não é de todo ruim porque a gente importa também, mas eu vejo essa tendência então a gente tem que aproveitar. Estamos focados na sustentabilidade, temos certificação FSC, e estão procurando muito isso, então estamos apostando na exportação. O mercado interno, a gente prevê, vai andar como está agora.
JC - Como é a gestão de uma empresa com diversas frentes de operação como o Grupo Herval em um período de pandemia?
Seger - Aqui temos divididos, todos seus segmentos apuram seus próprios resultados. A Global (razão social do Grupo Herval) tem debaixo do seu guarda-chuva as lojas iPlace, a TaQi, atacado etc, mas cada gestor faz a apuração de cada unidade. Em uma pandemia dessas todos os negócios foram afetados, mas alguns conseguiram reagir antes. Eu defendo que a indústria tem que se voltar também para o e-commerce, não podendo ficar dependente de apenas um canal de venda. O pessoal da loja física aprendeu que e-commerce e venda por WhatsApp não pode ser considerado como concorrente mas como aliado, mais uma forma de aumentar as vendas da unidade. Nós tivemos lojas fechadas em segmento de shopping mas a fábrica bombando nos produtos que fabrica. Um setor ajuda o outro. O consórcio na pandemia passou incólume, tudo ajuda, soma. A loja física sofreu bastante, mas o e-commerce veio compensar e com acréscimo, isso foi muito positivo. Essa diversificação ajuda. Nós passamos meses difíceis sim, mas no final do ano o resultado foi interessante.