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Saúde

- Publicada em 04 de Outubro de 2022 às 09:20

Grupos antivacina impactam evolução do Plano Nacional de Imunizações

'Nós temos que recuperar a efetividade do PNI e do SUS', alerta presidente da SBIm

'Nós temos que recuperar a efetividade do PNI e do SUS', alerta presidente da SBIm


Sarah Daltri/SBIm/JC
Fabrine Bartz
Há 49 anos, a população brasileira possui acesso gratuito à vacinação de crianças, jovens e adultos, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI). No entanto, desde 2015 o Brasil enfrenta uma queda na cobertura vacinal que atinge patamares da década de 1980. Ao contrário do que se imaginava, que a pandemia de Covid-19 geraria interesse em completar a imunização de outras doenças, os índices de vacinação mostram outra realidade.
Há 49 anos, a população brasileira possui acesso gratuito à vacinação de crianças, jovens e adultos, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI). No entanto, desde 2015 o Brasil enfrenta uma queda na cobertura vacinal que atinge patamares da década de 1980. Ao contrário do que se imaginava, que a pandemia de Covid-19 geraria interesse em completar a imunização de outras doenças, os índices de vacinação mostram outra realidade.
Em entrevista para o Jornal do Comércio, o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Juarez Cunha, destaca o avanço do PNI ao longo dos anos. Com início em setembro de 1973, a partir da distribuição de vacinas BCG, Pólio Oral e Tríplice Bacteriana, que imuniza para Coqueluche, Tétano e Sarampo, atualmente o plano disponibiliza 19 vacinas e 45 imunobiológicos.
Jornal do Comércio - O êxito das campanhas de vacinação na década de 1960 mostrou que a imunização em massa tem o poder de erradicar doenças, como ocorreu com a poliomielite. Porém, a Fiocruz alerta para a possibilidade de retomada dos casos no País. Qual é o plano para manter a funcionalidade do PNI?
Juarez Cunha - A varíola é erradicada, mas temos várias doenças eliminadas no Brasil. A primeira delas, é a poliomielite. O último caso ocorreu em 1989. Isso nos preocupa bastante porque a própria Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) colocam o Brasil como um País de alto risco de reintrodução de pólio e são vários os motivos que levam a isso, não apenas a baixa cobertura vacinal, embora seja o principal. Nos assusta esses casos que aconteceram nos Estados Unidos e em Israel, que são um alerta para todo o mundo, pois são países mais desenvolvidos e com coberturas maiores. Por outro lado, os casos que aconteceram lá foram em pessoas não vacinadas; nos Estados Unidos em adultos jovens e em Israel em crianças. Então, isso levanta o alerta de que é importante vacinar. Os esforços e estratégias são para evitar os vários determinantes que levam as baixas coberturas, que consequentemente geram o retorno ou o aumento dessas doenças.
Jornal do Comércio - Então, temos várias doenças eliminadas…
Cunha - Temos as doenças eliminadas, que incluem o tétano neonatal, a rubéola congênita e o sarampo, que foi eliminado em 2016 -, mas voltou em 2018 por baixa imunização. As outras doenças nós chamamos de controladas. Quais são elas? Antes da introdução de vacinas, tínhamos 3 mil casos de meningite meningocócica C. Atualmente, são mil casos. Então, diminuiu consideravelmente o número de casos, mas isso aconteceu porque temos altas coberturas vacinais. O risco que vimos com a reintrodução do sarampo, nós corremos com todas as outras doenças eliminadas e controladas.
JC - Em um futuro próximo, há metas para ampliar o PNI com a inserção de novas vacinas, ou o objetivo é a manutenção dos imunizantes já existentes no programa?
Cunha - É fundamental recuperarmos as coberturas vacinais, isso é muito mais importante do que incluirmos uma nova vacina. Mas, recentemente, no início de setembro, o Ministério da Saúde anunciou uma alteração. Agora, a vacina HPV, que era para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, ficou igual, com a mesma faixa etária das meninas para ambos os sexos. Outro avanço é a vacina Meningocócica ACWY, que antes era para adolescentes de 11 a 12 anos e agora foi ampliada para 11 a 14 anos. Essa é uma medida que não é definitiva, mas foi ampliada porque tinham muitas vacinas em estoque. Nosso calendário é considerado o mais completo gratuito do mundo, mas ao mesmo tempo isso torna ele complexo, sendo uma das dificuldades nas coberturas vacinais.
JC - O PNI tem como meta vacinar, pelo menos, 90% da população contra o rotavírus, 95% para poliomielite e tríplice viral (sarampo, da rubéola e da caxumba) e 100% para febre amarela. Em Porto Alegre, por exemplo, a campanha de vacinação contra poliomielite alcançou apenas 27% da meta. Por que as pessoas não estão se vacinando atualmente?
Cunha - Em 2019, a Organização Mundial da Saúde colocou a hesitação vacinal como uma das dez ameaças de saúde pública mundial. A hesitação significa ter uma vacina recomendada, ela estar disponível e, mesmo assim, não ser aplicada na idade correta ou aplicada com atraso. Naquela época, tinham “3Cs” determinantes. O primeiro deles é a Complacência, que é a falsa sensação de segurança das pessoas ao acreditar que doenças que elas nunca viram ou para as quais nunca foram vacinadas não existem. O segundo é a Conveniência, que fala da estrutura física, horário de atendimento das nossas unidades e a capacitação do recurso humano. Já o terceiro C é a Confiança. A confiança não é só eficácia e segurança da vacina, mas a confiança que os atores envolvidos transmitem. Isso corresponde aos recados que são dados pelos governantes, pelas instituições e por nós, profissionais de saúde. Infelizmente, com a pandemia esses aspectos foram exacerbados pela desinformação e fake News. Os próprios grupos antivacina, que eram incipientes no Brasil, foram empoderados, inclusive pelos nossos governantes e pelo próprio Ministério da Saúde. Foi realizada uma audiência pública, para discutir a recomendação de vacinas Covid-19 em crianças, após terem sido aprovadas pela Anvisa e pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações do PNI. As principais vozes de grupos antivacina e negacionistas foram chamadas para debater no mesmo nível.
Desde quando começamos a aplicar a vacina, nunca se falou tanto quanto em 2021. Com a cobertura da vacinação para Covid-19, pensamos que isso seria um estímulo para melhorar as outras coberturas, mas o resultado foi contrário, a vacinação continua descendo. É algo característico do Brasil, de como os profissionais da saúde e o SUS ficaram desvalorizados. O PNI não tem mais aquele papel de protagonismo que tinha antes. Depois, entram mais dois “Cs”. Um deles é a Comunicação. Nós precisamos das peças publicitárias para falar das vacinas de rotina, porque o brasileiro acredita em vacinas, mas os recados que ele está recebendo são de desinformação e fake News. As campanhas de pólio eram uma festa, em um dia era possível alcançar a cobertura vacinal em todo o País. Os influenciadores, artistas, cantores e toda sociedade se envolviam com a vacinação. O quinto C, equivalente ao Contexto, envolve a vulnerabilidade. A população menos favorecida é mais vulnerável e está mais suscetível a doenças.
JC- Qual política pública deveria ser implementada para reduzir ou amenizar a situação?
Cunha - A primeira coisa é fortalecer o PNI, porque é um programa muito forte, mas ficou enfraquecido. Dentro da estrutura do Ministério da Saúde, ele era um segundo escalão. Atualmente, nem sei em qual nível está. O SUS, que tanto nos orgulha, felizmente teve uma sobrevida com a pandemia, mas a tendência que estávamos observando era de desvalorização tanto do SUS, quanto do próprio PNI. Nós ficamos seis meses sem coordenador em plena campanha de Covid. Nós temos que recuperar essa efetividade do PNI e do SUS. Estamos trabalhando com estratégias para a reconquista da cobertura vacinal, com projetos conjuntos com o Ministério da Saúde, Fiocruz, Unicef e todas as sociedades científicas. Dentro disso, em outubro começaremos um curso on-line e gratuito de capacitação para todas as pessoas da área da saúde, independentemente se for saúde pública ou privada.
JC - Levando em consideração o aumento de grupos antivacina nas mídias sociais, como funciona a atuação da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) no on-line?
Cunha - Na mídia tradicional, é impressionante o espaço que tivemos. Nós conseguimos participar de tudo para que fomos convidados. Nas mídias sociais, temos um trabalho forte de divulgação, tanto no Facebook, quanto no Instagram. A partir do momento que o Facebook começou a tomar mais cuidado com a desinformação, tivemos uma parceria muito forte com a plataforma e disseminamos esse material. Eu mesmo fiz um vídeo com o Alok sobre a vacinação da Covid-19, mas vemos que nas redes sociais acabamos sempre impactando o mesmo público, o gueto, que pensa do mesmo jeito que a gente. Mas temos publicações praticamente diárias e várias campanhas. Na última, #VacinaParaNãoVoltar, explicitamos muito bem os riscos da poliomielite.
JC - Relacionado com a hesitação vacinal, hoje, quais são as iniciativas voltadas para a vacinação de adultos?
Cunha - Temos uma cultura vacinal voltada para crianças. Eu sou pediatra e nós temos motivo para isso, é o período mais vulnerável da vida e onde temos a maior possibilidade de proteção com vacinas seguras e eficazes. Temos vacinas para todas as faixas etárias. Se eu tenho baixas coberturas vacinais, podemos imaginar nas outras faixas. No público adolescente, por exemplo, o HPV e ACWY estão com 40% a 50% de cobertura vacinal, mas a meta é mais baixa, 80%. Já os adultos nem sabem que precisam se vacinar como rotina. A vacina contra tétano está disponível na rede pública e precisa ser aplicada de dez em dez anos.
JC - Também nesta faixa etária, quais são as principais vacinas que a população deve tomar?
Cunha - As principais vacinas que temos que observar no adulto são a vacina tétano difteria, que deve ser aplicada de 10 em 10 anos. A vacina Tríplice Viral (sarampo, rubéola e caxumba), que está disponível para adultos não vacinados até os 59 anos. Hepatite B, que é uma vacina universal, e a última é a vacina de febre amarela, que é de rotina para todos no Brasil, porque é um País endêmico. Além de influenza, que tem grupos específicos, e a da Covid. Na rede privada há outras, mas não estão disponíveis gratuitamente. Na gestante, nos preocupamos em aplicar a Tríplice Bacteriana. A principal estratégia de segurança do bebê é a vacinação da gestante a partir da 20º semana.
JC - Com as eleições, independentemente do resultado, qual é a perspectiva de futuro em relação à vacinação e à ciência?
Cunha - Eu me preocupo muito. Temos uma mudança com a desvalorização da ciência. O Brasil é um País de ponta em relação às vacinas, temos capacidade de produção de vacina autossuficiente, mas não teve investimento nenhum em pesquisa, em ciência. Poderíamos ter desenvolvido vacinas Covid de forma mais importante. É fundamental que a gente tenha a ciência e a pesquisa valorizadas, porque isso é política de estado. A pandemia nos mostrou que somos dependentes absolutamente de tudo dos outros países. Não só de vacinas como de insumos, máscaras e luvas. Especificamente em relação às vacinas, nunca vimos tanta barbaridade ser dita por médicos e por colegas sem nenhum embasamento científico. Tenho receio de que o que aflorou agora na pandemia se mantenha. O empoderamento do movimento antivacina vai persistir por muito tempo, independentemente de quem ganhar as eleições.
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