No fim da manhã deste sábado, ocorreu o primeiro debate do
48º Festival de Cinema de Gramado, com as equipes dos filmes exibidos na noite de sexta-feira (18), que abriu a competição em curtas nacionais e longa estrangeiro e brasileiro.
Na primeira parte das entrevistas pela plataforma Zoom conduzidas por Roger Lerina e transmitidas ao vivo pelo canal do
YouTube do evento, participaram o realizador do curta mineiro
4 bilhões de infinitos, Marco Antonio Pereira, e a diretora (Issis Valenzuela) e a atriz (Preta Ferreira), de
Receita de caranguejo (SP).
Pereira comentou sobre dificuldades financeiras e estruturais do seu processo, por estar produzindo uma pentalogia de curtas no interior de Minas Gerais, cinco títulos que no futuro formarão o projeto Era uma vez em Cordisburgo - 4 bilhões de infinitos é o quarto filme da saga. O realizador afirmou ser difícil ter acesso a equipamentos na pequena cidade da região central do estado mineiro, o que seria fundamental para que ele pudesse filmar do modo como gostaria, e também pela escassez de profissionais locais, o que o faz assumir quase todas as funções. Mas advertiu: "Meu método de filmar é quase documentário. Não é porque eu faço tudo sozinho, quase artesanal, que vou fazer relaxado. Fiz quase 60 cortes desse filme".
O mineiro ainda contou que depois de ter morado fora da cidade natal e retornar a ela, decidiu que ia se dedicar a fazer projetos que fossem do seu interesse e jeito, pois, anteriormente, produzia profissionalmente vídeos institucionais claramente para agradar o cliente. "Nesses curtas, trago tudo que ouvi em 18 anos. O filme vira quase um código da própria Cordisburgo, tem toda uma simbologia de lendas da cidade", destacou.
Pelo enredo, 4 bilhões de infinitos se aproximou do curta exibido na sequência pelo fato de haver um luto na ausência da figura paterna das famílias retratadas nas duas produções.
Abordando Receita de caranguejo (SP), a conversa trouxe à tona a questão da visibilidade negra no audiovisual. Preta Ferreira (de Era o Hotel Cambridge) se mostrou feliz por ter para interpretar um roteiro com uma mulher preta viúva, de classe média, com casa na praia. "O nosso cinema é elitizado, é a manifestação artística mais elitizada do País. Está ocorrendo uma mudança, mas ainda é lenta. É duas vezes mais difícil para o povo preto, ainda mais em cargo grande como diretor", falou ela, que é multiartista (canta, dança, escreve, produz) e ativista.
A diretora Issis Valenzuela (uma das produtoras da mostra Empoderadas Mulheres Negras no Audiovisual) complementou a reflexão: "É importante ter pessoas negras atrás das câmeras também, em todas as funções. Eu vejo filmes, curtas e longas, chegando. Não tem mais volta, não". No momento, a diretora está desenvolvendo um roteiro de longa, enviando para laboratórios e editais, e garantiu que Preta vai ser uma das atrizes da ficção.
A intérprete também tem um projeto atual para sair em breve. Pela editora Boitempo, Preta vai lançar o livro Minha carne, um diário dos 108 dias que ficou presa a partir de junho de 2019, por ser integrante do Movimento Sem-Teto do Centro, em São Paulo. Como ativista, ela participa do movimento pela moradia digna, e continua respondendo pela detenção. "Fui presa com a justificativa que seria um perigo para a sociedade. Pretendo fazer do livro uma série ou filme. Fui sondada por emissoras e produtoras de cinema, quero chamar todos os diretores com que trabalhei para gravar", declarou.