O documento oficial, cuja cópia digitalizada está numa parede do café da instituição, conta que um punhado de "homens bons", expressão da época para se referir à elite social, incluindo políticos, comerciantes e industriais, convenceu o então Presidente da Província do Rio Grande do Sul a conceder um terreno para a construção de um teatro na cidade de Porto Alegre, no alto da mesma colina em que se encontrava o Palácio do Governo. Era 1833, mas a revolução eclodida dois anos depois atrapalharia o andamento daquela obra.
Foi só em 1850 que os trabalhos foram iniciados, sendo concluídos em 1858: ambas as datas se encontram registradas nas ornamentações de ferro das portas do teatro, a primeira guardada no memorial, a segunda colocada logo na entrada do prédio, para ser vista por todos os que ali chegaram.
Passaram-se 167 anos. Sempre fico pensando o que aqueles "homens bons" teriam imaginado que aconteceria com aquele prédio, quanto duraria, para o que seria usado, o que aconteceria depois deles?
No próximo dia 23 de março o Theatro São Pedro vai fechar mais uma vez as suas portas. Provisoriamente. Felizmente. Porque já houve ameaças sérias contra o prédio. Teve pelo menos uns dois presidentes de província e/ou governadores que pensaram ser mais interessante destruir o prédio e mandar fazer outro do que recuperá-lo. Felizmente, pessoas como Eva Sopher entenderam que preservar era fundamental, e graças à sensibilidade de alguns governantes, que então se conseguiu atrair para a justa causa, o Theatro São Pedro ainda está de pé, muito sólido, com uma programação dinâmica e sempre renovada.
É significativo que neste fim de semana, a começar por hoje, em que esta coluna circula, o palco do São Pedro receba um musical oriundo do centro do País a recordar o grupo Os Paralamas do Sucesso. Mas, já na semana vindoura, quando, de fato, ocorrerá o fechamento da instituição para as necessárias obras, a programação inclua um grupo musical mais popular, uma peça de teatro que discute um tema sempre sensível, que é o da prostituição e, enfim, o Theatro São Pedro relembre a passagem dos 75 anos do primeiro concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, então sob a regência do maestro húngaro Pablo Komlòs, que a havia idealizado, concerto este realizado no Theatro São Pedro, com um recital da pianista Simone Leitão, que vai relembrar aquele repertório.
Esta multiplicidade de atrações diz bem do porquê da fidelidade do público. Há uma variedade constante de espetáculos, tanto em gênero quanto em idades a serem atraídas, garantindo que a plateia do Theatro nunca ficará vazia.
Por outro lado, embora possamos lamentar o fechamento de suas portas, espera-se que até junho de 2026, é de se festejar que o governador Eduardo Leite, em seus dois mandatos, tenha dado ênfase tão decidida para a cultura: depois de garantir a conclusão das obras do Multipalco, que será inaugurado no dia 27, resolveu bancar com dinheiro do erário estadual as obras no Theatro São Pedro. Deste modo, a casa guarda as características do projeto original, inclusive quanto à sua acústica, que é sempre elogiada em todo o país, mas vai incorporando, a cada etapa de suas obras, tecnologia contemporânea que revitaliza o prédio e permite a ampliação de suas atividades.
As obras que agora começam cumprem, assim, dois objetivos diversos: um deles, atende às novas determinações legais emanadas de autoridades federais, a respeito de prevenção de incêndio, depois das tragédias da Boate Kiss, em Santa Maria, e do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Isso significa uma intervenção em carpetes, pano de boca, forrações de poltronas, madeirames e tudo o mais da estrutura interna do teatro.
O outro objetivo é de cidadania. As obras vão ampliar a acessibilidade para cadeirantes, com disponibilidade de espaços para eles e seus acompanhantes na plateia; banheiros preparados para recebê-los e, sobretudo, um elevador que cobrirá os espaços entre o memorial do teatro e seu café.
Por isso, pode-se ficar triste com o fechamento da casa querida, mas deve-se ficar alegre porque tal fechamento apenas evidencia que tem muita gente se preocupando e cuidando do nosso querido teatro.