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reportagem

- Publicada em 09 de Maio de 2023 às 16:46

Gestão de custos avança, mas ainda engatinha na administração pública

A norma que regula a mensuração dos custos no Brasil é a NBCT 16.11, que determina o Sistema de Informação de Custos como obrigatório para entidades do setor público

A norma que regula a mensuração dos custos no Brasil é a NBCT 16.11, que determina o Sistema de Informação de Custos como obrigatório para entidades do setor público


/Freepik/DIVULGAÇÃO/JC
Pedro Carrizo, especial para o JC
Pedro Carrizo, especial para o JC
Quais os custos que estados, municípios, entidades e empresas públicas têm ao prestar serviços à sociedade e manter a máquina a pleno? Qual custo por aluno de uma determinada escola ou na instalação de um novo poste de luz? Esses são questionamentos que todo administrador deve buscar a resposta, mas o número de gestores que as têm ainda é bem pequeno no Brasil.
Embora as exigências sobre implementar o sistema de custos na administração pública como forma de controle patrimonial e orçamentário já estejam estabelecidas por lei desde a década de 1960 (nº 4.320/64), texto que foi seguido por diversas atualizações normativas, o sistema de custos aplicados à contabilidade pública começou a ganhar força no País somente na última década - e ainda de maneira tímida.
Além do avançado conhecimento teórico produzido na academia, a mensuração de custos ganhou tração prática com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000, e com as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicada ao Setor Público, das quais se originou o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP).
"Mesmo sendo um assunto muito debatido nas universidades, ainda é pequeno o interesse dos gestores sobre avaliação de custos. No entanto, vem crescendo a normatização dessa atividade", diz o contador Cezar Mauss, responsável pela autoria de cinco livros sobre contabilidade pública.
Para o especialistas no tema, o sistema de informação de custos serve para auxiliar também o processo decisório, refletindo numa mudança do padrão burocrático de gestão para um padrão gerencial proativo, em que os administradores necessitarão de "informações gerenciais".
Na tradução do Mauss, isso seria como sair de "um sistema baseado em 'achismos' para uma gestão pública norteada por dados". O contador, que também é conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-RS), salienta que a administração baseada em custos ganha ainda mais relevância frente à crise de arrecadação que os entes federativos sofreram nos últimos anos, inclusive o governo do Rio Grande do Sul, que precisou parcelar salários do funcionalismo entre 2015 e 2020.
"As contas se ajustaram em função da pandemia de Covid-19, pois muitos serviços deixaram de ser oferecidos pelo Estado. Agora que a engrenagem está retomando ao normal, a tendência para o próximo ano é que as dificuldades financeiras voltem, pois a prestação de serviços está crescendo, e consequentemente os custos, mas a receita segue a mesma", diz Mauss.
Ou seja, o governo prestou menos serviços durante a pandemia, o que contribuiu para o aumento da receita. "Com os serviços voltando ao nível normal, sem incremento de arrecadação, vão voltar as dificuldades financeiras", afirma.
De acordo com ele, a mensuração serve para entender quanto custa cada serviço público. É importante lembrar que, na estrutura conceitual, custo e despesa não são a mesma coisa. Enquanto a despesa é o desembolso financeiro correspondente a atos de gestão do governo, o custo mede o consumo de recursos na produção de um bem ou serviço (custo do produto) e no consumo de recursos pelas atividades das organizações governamentais (custo da atividade ou de processo), levando sempre em consideração a qualidade de entrega desse bem, serviço ou atividade.
A norma que regula a mensuração dos custos no Brasil é a NBCT 16.11, que determina o Sistema de Informação de Custos do Setor Público (SICSP) como obrigatório em todas as entidades do setor público. Conforme a norma, SICSP registra, processa e evidencia os custos de bens e serviços e outros objetos de custos, produzidos e oferecidos à sociedade pela entidade pública.

Sistemas de custos estadual é integrado a plataforma Cage Gerencial

Modelo adotado no Rio Grande do Sul tem servido de exemplo para outras entidades públicas em função de suas vantagens

Modelo adotado no Rio Grande do Sul tem servido de exemplo para outras entidades públicas em função de suas vantagens


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Embora ainda haja muito o que avançar na gestão de custos para a administração pública, o Rio Grande do Sul tem se diferenciado entre os demais entes federativos, já que todos órgãos públicos gaúchos possuem hoje ferramentas de controle sobre seus custos, com informações centralizadas em um único sistema.
Um dos principais avanços nesse sentido ocorreu em 2019, quando o programa Custos-RS foi um incorporado ao Cage Gerencial (CG), uma plataforma de Power BI de uso interno para servidores estaduais, que permite avaliar em tempo real a evolução do que foi consumido em cada repartição pública, entre diversas outras informações.
"O Sistema de Finanças Públicas tem uma estrutura de custos que envolve todas células do governo estadual, inclusive legislativo e judiciário, em uma única ferramenta de controle. O que a gente vê sendo feito nos outros estados são sistemas descentralizados que o Cage Gerencial", diz o auditor Celso Córdova Júnior, chefe da Divisão de Controle da Administração Direta na Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage-RS).
O contador Cezar Mauss ressalta a importância do modelo estadual como exemplo para outras entidades públicas, visto que a maioria realiza a gestão de seus custos via planilhas de Excel. É o caso, inclusive, dos municípios atendidos pela Mauss Consultoria.
"O município, estado ou país que tiver sistema de custo implantado em toda estrutura irá conquistar mais economicidade, eficiência e uma avaliação mais exata do desempenho dos servidores. Ou seja, vai conseguir avaliar com maior precisão como a máquina pública funciona", salienta Mauss.
Como é de praxe em plataformas BI, o CG apura dados de outros sistemas operacionais do Estado e aloca essas informações em painéis interativos, onde é possível comparar os custos entre unidades administrativas semelhantes e em períodos diferentes. "A gente fez uma reversão de tudo que estava sendo feito antes e começou a usar as novas tecnologias que existem hoje no mercado", diz Wagner Ribeiro, auditor da Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage-RS) .
Se o servidor usar os outros sistemas-fonte, essas informações são "puxadas" pelo Cage Gerencial. No momento que ele solicita um material no almoxarifado, por exemplo, e o departamento aprova a solicitação dele, o sistema já considera como material consumido, explica Ribeiro.
No painel de custos do sistema, é possível verificar o consumo de materiais, energia, água e esgoto, contratos, locações e recursos humanos, por unidade administrativa, também chamada de centro de custos. Os investimentos que o órgão promove não entram nessa relação, como obras viárias e construção de escolas e a compra de um prédio, por exemplo. "O investimento público não entra no sistema de custo", enfatiza Júnior.
Segundo o auditor, as informações do CG contribuem para o desenvolvimento de ações planejadas como forma de reduzir custos, aumentar a produtividade e qualificar o público.
Mesmo assim, a conceitualização de custo considera pelo Estado tem diferenças do que é proposto no ambiente acadêmico e, conforme ressalta o chefe da Divisão de Controle da Administração Direta, "diferente da iniciativa privada e da teoria acadêmica, no serviço público a gente ainda não chegou em nível de distinção entre despesa e custo".
Para o Mauss, responsável por publicações de estudos sobre contabilidade pública, "custos" é a despesa atrelada a outros fatores econômicos, como a depreciação, principalmente quando se trata de ativos imobilizados
Já o sistema desenvolvido pela Cage, na parte de custos, é separado o valor de consumo das variáveis orçamentárias. Assim, ao invés de demonstrar os valores empenhados, liquidados ou pagos, o sistema permite verificar o que foi consumido na época de sua ocorrência. Um gestor pode, por exemplo, analisar quanto foi consumido de um determinado material, em um período, independente de quando foi pago.
Sobre o Cage Gerencial, a meta agora é obter o maior número possível de bases de dados, tanto estadual quanto de fora do Estado, para geração e evidenciação de informações de forma fácil, dinâmica e centralizada.

Relatório Anual de Custos deve ser apresentado anualmente no Portal da Transparência

Wagner Ramos Ribeiro e Celso Córdova Júnior destacam as vantagens do gerenciamento

Wagner Ramos Ribeiro e Celso Córdova Júnior destacam as vantagens do gerenciamento


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Desde 2014, todas as entidades sob o guarda-chuva do governo do Rio Grande do Sul precisam apresentar anualmente relatórios de custo no Portal da Transparência, usando como base as informações disponíveis no Cage Gerencial, de acordo com a instrução normativa 01/2014 da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado. Neste relatório, é necessário relacionar os custos com as entregas executadas no período.
"Os dados de controle dos próprios órgãos são essenciais para a apuração do custo dos serviços prestados", explica o auditor da Cage, Wagner Ribeiro. Já a análise qualitativa depende de metodologia de cada entidade, conforme as especificidades de suas entregas, acrescenta o auditor.
No entanto, a análise feita nos relatórios anuais encaminhados ao Portal da Transparência é feita usando uma metodologia de relacionar a quantidade de entregas frente aos custos, e não sob viés da qualidade dessas entregas, o que pode prejudicar a comparação entre unidades administrativas. Isso porque os órgãos diferem muito entre si de tamanho: pode ser a fundação São Pedro ou a Secretaria da Educação, por exemplo.
"Então não há como comparar, dentro do sistema, a relação de custos e entrega entre os órgãos. Entidades que possuem muitos prédios e vários locais de gasto público terão, consequentemente, mais gastos e mais entregas. Por isso, seria importante ter uma análise qualitativa, que ainda não é feita", diz Celso Córdova Júnior, chefe da Divisão de Controle da Administração Direta na Cage-RS.
De acordo com Júnior, isso se deve também, em parte, à metodologia utilizada dentro da Cage, que cobra dos órgãos somente as informações sobre o número de entregas relacionadas aos gastos públicos. Em alguns casos essa metodologia funciona, como na análise dos dados da Polícia Militar, cujo aumento no número de prisões pode indicar melhora no atendimento à sociedade. Mas em outros casos, essa lógica não é a mais adequada.
"Tem vezes que a quantidade não te diz muito a ideia de qualidade e efetividade. O que podemos avançar é ter mais parâmetros de qualidade no serviço público. A gente nota que os órgãos não executam muitas pesquisas de qualidade, nem utilizam esse parâmetro com mais frequência", diz o chefe da Divisão de Controle da Administração Direta na Cage-RS.