Quem não abre mão da tradição na Semana Santa terá de gastar mais neste ano. Um dos principais alimentos consumidos no período, o peixe deve ser comercializado, em média, a R$ 13,06, o quilo, no Estado - cerca de 10% mais caro que no mesmo período do ano passado, acima da inflação (4,57% nos últimos 12 meses).
De acordo com levantamento da Emater/RS, o valor do quilo do produto varia entre R$ 16,84 na Região Metropolitana de Porto Alegre e R$ 9,54 na regional da Emater de Lajeado, tradicional produtora de peixe. O peixe já havia apresentado valorização de 23% no ano passado, conforme a pesquisa.
A Semana Santa é a principal época de venda para a piscicultura e absorve em torno de um quarto da produção anual gaúcha. A expectativa é que 4,3 mil toneladas de peixe sejam comercializadas apenas nestes sete dias em 2017, movimentando R$ 56,7 milhões. O volume esperado é 3,5% maior que em 2016, ainda que o assistente técnico estadual em piscicultura da Emater/RS, Henrique Bartels, ressalte que o crescimento corresponde em parte ao maior número de escritórios locais que participaram da pesquisa neste ano - passaram de 459 para 484, aumentando a base de dados.
A tendência de valorização do peixe é observada há pelo menos três anos entre os gaúchos. A média do quilo era de R$ 9,13 em 2014, passou para R$ 9,66 em 2015 e alcançou R$ 11,88 no ano passado, pelos números da Emater/RS. Para chegar ao índice, o órgão analisa milhares de postos de venda em todas as regiões. Bartels destaca o crescimento da venda direta em propriedades rurais (2,6 mil) e nas residências dos pescadores (2,2 mil) no levantamento, que também inclui pesque-pague, comércio em beira de praias e rios e atuação de ambulantes.
Estão programadas 390 feiras de peixe no Estado nesta semana. Uma delas é a 237ª Feira do Peixe de Porto Alegre, que começa amanhã, às 10h, no Largo Glênio Peres, Centro Histórico. Presidente da Colônia de Pescadores Z-5 e da Federação dos Pescadores do Rio Grande do Sul, Vilmar Coelho diz que a venda deve superar 250 toneladas, o que garantiria entre 4 e 5 meses de renda para famílias que dependem da atividade. "A feira é tudo para o pescador", afirma ele. Ao todo, 66 famílias estariam envolvidas no trabalho.
Nos supermercados, da mesma forma, a expectativa é de que o consumidor também compre mais em relação ao ano passado. O Walmart aposta no dobro de procura por peixe fresco na Semana Santa, principalmente nos congelados, pela possibilidade de armazenar por mais tempo.
Atividade é uma alternativa de renda para as pequenas propriedades no Rio Grande do Sul
Além do potencial de mercado, o que anima as entidades e órgãos públicos é o perfil das propriedades da agricultura familiar, que em sua maioria já contam com pequenos açudes ou mesmo tanques que servem para dar de beber aos animais ou para irrigação. "Ele (o produtor) pode aproveitar. Tem épocas do ano em que ele não precisa irrigar, então pode fazer a piscicultura. Muitas vezes, ele já até faz, mas de forma precária e para consumo próprio", avalia o assistente técnico estadual em piscicultura da Emater/RS, Henrique Bartels.
Em Pelotas, um grupo de 30 pessoas planeja investir na criação de peixe nos próximos meses. Eles fazem parte da Associação de Aquicultores do Rio Grande do Sul, criada há dois anos no município. "Pelotas tem muito peixe na zona rural, mas a escala de produção é praticamente inexistente. O produtor tem um açude, mas cultiva peixe para subsistência, não tem finalidade comercial", diz o secretário executivo da associação, Roberto Ferro.
A ideia é cada um dos associados investir em três tanques por propriedade, gerando um volume de 270 toneladas por ano, a serem negociadas para a merenda escolar de municípios da região. "É bom pela diversificação da produção, como complemento de renda", diz Ferro, que estima tempo de retorno de um ano e meio.
Aumentar a escala de produção é o principal desafio para incentivar os piscicultores
Produção estadual alcança 14,8 milhões de toneladas anuais de peixes
/EMATER-RS ASCAR/DIVULGAÇÃO/JC
O produtor Sigmar Scheer cria peixes há 20 anos em uma propriedade de Roca Sales, região Central do Estado. Começou com apenas um açude na propriedade e, aos poucos, alcançou produção "razoável", em suas palavras. Mas ele queria mais, sentia que tinha espaço para crescer na região, que comprava tudo que tinha a oferecer. Resolveu apostar então, há cinco anos, na produção em parceria com outros criadores próximos. Hoje, ele produz alevinos (estágio embrionário do peixe) para os integrados, presta assistência e depois recolhe a produção, que abate na Piscicultura Scheer. "Ampliamos a produção em 40%", comemora o empresário. "A demanda é muito grande, abatemos o ano inteiro."
A escala é vista como principal dificuldade aos produtores gaúchos. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), existem em torno de 18 mil famílias de pescadores e 50 mil famílias de criadores de peixe no Estado. Eles produzem, a cada ano, 14,8 milhões de toneladas do produto, cerca de 3,1% da produção brasileira, conforme pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativa a 2015. "Mas quem tem a piscicultura como atividade principal ou secundária de grande importância não chega a 1,2 mil no Estado. A produção é incipiente", pondera o diretor de Pesca e Aquicultura da SDR, Ricardo Núncio.
O consumo de pescado no Brasil é de 14,4 quilos por habitante/ano, conforme o governo federal, superando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde, de 12 quilos por habitante/ano. O consumo anual de peixe no Estado seria, portanto, algo em torno de 162,5 mil toneladas, considerando 11,29 milhões habitantes em 2016, estimativa do IBGE. Ou seja, a demanda é 11 vezes maior que a produção no Rio Grande do Sul.
Foi esse mercado aquecido que convenceu Renato Kohlrausch, 58 anos, a investir no cultivo de peixes há 12 anos. Após anos trabalhando na indústria, o produtor buscou uma atividade que complementasse a renda. Tentou a criação de gado e ovinos, antes de encontrar na piscicultura a melhor opção para a sua realidade. Hoje, a produção de peixes em 1,4 hectares de lâmina d'água é o que mantém financeiramente a propriedade, que gera 70 toneladas, principalmente de tilápia, por ano. "Vinha dobrando todo ano a produção, este ano não consegui dobrar e vai faltar peixe para venda. A demanda é muito alta", conta Kohlrausch, que comercializa o quilo, em média, a R$ 5,50.
Núncio, da SDR, conta que o governo estadual está fomentando a atividade por meio de abertura de tanques em pequenas propriedades rurais. Em parceria com os municípios, o Estado oferece trabalho de escavação a R$ 40,00 por hora, o que significaria em torno de 20% do valor de mercado, segundo ele. Em 2016, foram abertos 800 tanques, e outros 120 já foram finalizados nos três primeiros meses de 2017. "Queremos abrir mais 500 até o final do ano", projeta.