Nomeado pelo Papa Francisco em dezembro de 2024, o cardeal Dom Jaime Cardeal Spengler concedeu uma entrevista ao Jornal do Comércio na segunda-feira pela manhã, 21 de abril, feriado de Tiradentes, na sede da Cúria Metropolitana, no Centro Histórico de Porto Alegre, sobre a trajetória e o legado do Papa Francisco no comando da Igreja Católica.
Dom Jaime se referiu ao Papa Francisco como um homem que sempre se manifestou de maneira muito forte em torno de temas candentes na atualidade como a questão dos migrantes, da economia, da ecologia e a situação dos conflitos no mundo.
Para Dom Jaime, o Sumo Pontífice falava que a "humanidade já estava vivendo uma Terceira Guerra Mundial aos pedaços" e que como toda a guerra produzia muita morte e destruição. O arcebispo metropolitano de Porto Alegre viajou a Roma na terça-feira (22) para participar da reunião do Colégio de Cardeais que vai decidir sobre o processo de escolha do sucessor do Papa Francisco.
Sobre a eleição do novo Sumo Pontífice, Dom Jaime disse que está apto a votar e ser votado. "Isto é uma realidade", acrescenta Dom Jaime sobre a possibilidade de receber votos para ser o segundo Papa latino-americano.
Natural de Gaspar, em Santa Catarina, dom Jaime Spengler tem 64 anos e é franciscano. Além de cardeal, Dom Jaime é arcebispo metropolitano de Porto Alegre, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
Jornal do Comércio - Qual é o legado do Papa Francisco nos 12 anos que comandou a Igreja Católica?
Dom Jaime Cardeal Spengler - O Papa Francisco assumiu o ministério num momento delicado da vida da Igreja. Nós recordamos a surpresa que foi a renúncia do Papa Bento XVI quando também marcado pela idade e pela fragilidade física ele decidiu deixar a igreja. Foi naquele contexto que o então cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido para o ministério e assumiu com o nome de Francisco. O nome fazia referência a Francisco de Assis. Um homem que na Idade Média e num momento muito delicado da vida da igreja surge no horizonte da história com muita simplicidade. Mas, ao mesmo tempo ele tinha uma seriedade e uma radicalidade que transformou por assim dizer a vida e a realidade da cidade italiana de Assis, e se tornou um paradigma para a vida eclesial.
JC - O Papa sempre esteve envolvido em grandes pautas mundiais. Quais o senhor destacaria?
Dom Jaime - O Evangelho nos instiga a estar atento a tudo aquilo que diz respeito à vida humana e à vida no planeta. Ao longo do Pontificado do Papa Francisco tivemos sinalizações muito fortes em torno de temas candentes na atualidade: a questão dos migrantes, a economia, a ecologia e a situação dos conflitos no mundo. O Papa tinha uma expressão: nós estamos vivendo uma Terceira Guerra Mundial aos pedaços e que como toda a guerra tem produzido muita destruição e morte. O Papa Francisco tinha propostas interessantes como o Pacto pela Educação - "se quisermos uma transformação do humano e da sociedade precisamos preparar as novas gerações para tanto". A segunda proposta era da economia de Francisco e Clara, ou seja, uma alternativa ao sistema econômico dominante hoje. E para isso, o Papa Francisco havia convidado jovens economistas de diversos continentes. Detalhe: jovens. Ele não queria economistas viciados pelo esquema vigente. Mas gente capaz e com entusiasmo para buscar possíveis alternativas onde todos pudessem participar de modo digno daquilo que a todos pertencem.
JC - Quantas vezes o senhor esteve com o Sumo Pontífice?
Dom Jaime - Estive diversas vezes com o Papa Francisco. A primeira vez foi em 2013 quando ele veio ao Brasil para participar da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Ali, tivemos um momento muito breve: um aperto de mão. Depois, em 2014, estive com ele onde fui receber o Pálio uma peça da indumentária dos arcebispos que foi entregue pelo Sumo Pontífice. Como vice-presidente da CNBB e depois como presidente da Conferência e como presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho os contatos foram mais frequentes e mais intensos onde tratamos de temas relacionados ao Brasil e a América Latina.
JC - O senhor já recebeu informações de Roma sobre o Conclave?
Dom Jaime - A reunião de cardeais vai tratar de questões práticas e do que precisa ser levado a termo em vista da realidade do falecimento do Papa Francisco. O Colégio de Cardeais é composto de mais de duas centenas de cardeais - vários tem mais de 80 anos e em torno de 135 estão abaixo dos 80 anos. Eles são chamados para participar do processo de escolha de um sucessor. Estou apto a votar e ser votado para Papa. Isto é uma realidade.
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