O final da rua Nove de Julho, na zona Leste de Porto Alegre, abriga um ponto de encontro e de parte da subsistência de 30 famílias. É a horta comunitária do Morro da Cruz, que faz parte de um projeto de cidade que preza por pilares sustentáveis de desenvolvimento. A construção do local foi concebida pelo movimento Aliança Feminismo Popular, que engloba as organizações Amigos da Terra Brasil (ATBr), Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
"Iniciativas como essa têm um impacto positivo na auto organização da comunidade, elas fazem parte do fortalecimento do direito à cidade. Não é só uma horta, é uma organização própria da comunidade", declara uma das coordenadoras do projeto, Any Moraes. Ela comenta que o espaço serve também como ponto de encontro da comunidade. Assim, além de garantir verduras para uma alimentação saudável, a horta é local de trocas de conversas, de discussões e de debates.
No coletivo que coordena a horta, as mulheres são a maioria da composição. Para pensar em sua própria organização, elas se reúnem todas às quinta pela manhã, das nove ao meio-dia. Lá, são discutidos os projetos para as próximas semanas, a divisão de tarefas e a programação de atividades do local. Nestas reuniões, também são realizadas oficinas.
No dia 27 de abril, por exemplo, foi ministrada uma aula de compostagem. Aos domingos, ocasionalmente, são realizados mutirões de limpeza ou de plantação de espécies. Cursos de produção de sabão artesanal e de sal temperado também já foram feitos.
Um tema transversal do projeto é o de soberania alimentar, que se relaciona com o direito de todas as pessoas terem acesso à alimentação saudável de forma regular e vinculada com sua identidade e cultura. Este processo privilegia a autonomia das comunidades e sua autossuficiência.
Na horta comunitária, por exemplo, os integrantes do projeto são quem escolhe os rumos de suas plantações. Além disso, qualquer pessoa pode adentrar no espaço e contribuir, seja apenas cultivando suas mudas ou adentrando nas reuniões organizativas. Na horta comunitária, são cultivadas hortaliças, tubérculos, flores, dentre outras categorias vegetais.
O grupo também discute temas diversos como direito à cidade, ao meio ambiente e à água. Este, inclusive, é amplamente relevante no Morro da Cruz. A região tem um problema histórico de desabastecimento de água. Em janeiro deste ano, moradores da comunidade relataram estar há mais de 24 horas sem abastecimento de água, por exemplo. A participação e formação cidadã, assim, é estimulada por meio de debates e rodas de conversa.
Os produtos da plantação estão também à venda. As integrantes da horta participam de feiras relacionadas à economia solidária, como a do Fórum Social Mundial de 2023, e vendem pelas redes sociais, com a conta oficial do projeto no Instagram (@periferiafeminista). O pacote de sal custa R$ 4. A barra de sabão, a depender da gramatura, tem o preço de R$ 5.
O pacote de ora-pro-nóbis também tem o preço de R$ 4, enquanto sacos de mudas como alface e outras hortaliças custam R$5. Assim, o projeto contribui para a geração de renda das pessoas da comunidade.
Ainda, existe um projeto em andamento para criar um sistema de irrigação. Ele é do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade do Rio Grande do Sul (IPH). A iniciativa horta comunitária do Morro da Cruz também está no Fórum Municipal de Agricultura Urbana de Porto Alegre.
Projeto foi criado durante pandemia de coronavírus
O local de 100 metros quadrados foi inaugurado em julho de 2021, durante um dos picos de casos de coronavírus, impulsionado por um edital de fortalecimento e soberania de territórios da Fundação Luterana de Diaconia. O espaço, na época, estava sem função social - servia apenas como estacionamento informal de veículos dos terrenos em volta. Agora, o terreno não é mais ocioso e conta com grande movimentação.
As consequências da época de grande índice de letalidade pela pandemia foram essenciais para tirar o projeto do chão, conta uma das coordenadoras do projeto, Any Moraes. Ela relata que a situação de vulnerabilidade em que parte das mulheres da comunidade se encontrava foi o motor para pensar em alternativas de geração de renda.
Desemprego de chefes do lar eram reclamações comuns na época. O projeto também já realizou a entrega de cestas básicas para as famílias do entorno como campanha inicial de solidariedade.