Sobrevivendo às sucessivas ameaças de extinção, o Tribunal de Justiça Militar (TJM) completou um século de existência em junho. No ano passado, por exemplo, o deputado estadual Pedro Ruas (PSOL) apresentou uma proposta de extinção da instituição na Assembleia Legislativa. Foi mais uma tentativa de extinguir o TJM que acabou arquivada.
O presidente da corte, coronel Paulo Roberto Mendes, sustenta que a corte é fundamental no controle da Brigada Militar (BM) - uma vez que julga os delitos cometidos por policiais com celeridade. "A função do tribunal é justamente dar controle às ações da Brigada", afirma o coronel Mendes, sem titubear.
Ele - que também foi comandante-geral da Brigada Militar em 2008 - analisa a situação da segurança pública no Rio Grande do Sul, onde o efetivo gira em torno de 20 mil policiais. Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2017, com números da própria Secretaria de Segurança, o Rio Grande do Sul deveria ter um corpo de 32.230 policiais.
Na opinião do coronel Mendes, diante do déficit de brigadianos, a corporação deveria se concentrar em abordar veículos - a exemplo do que ele próprio implantou durante sua atuação como comandante-geral. "O carro é o grande vetor da criminalidade, porque tem muito carro roubado; porque quem dirige pode ser um delinquente; porque, dentro do automóvel, podem ter armas e drogas", justifica.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ele identifica dois problemas principais na segurança: a ineficiência dos presídios na ressocialização dos detentos e a brandura da lei penal. Também elogia a candidatura de militares - das Forças Armadas e das forças policiais - nas eleições de 2018.
Jornal do Comércio - Com a crise financeira do Rio Grande do Sul, alguns deputados estaduais apontaram a extinção do TJM como uma possibilidade de gerar mais economia aos cofres públicos. O projeto que previa isso acabou arquivado. Como enxerga essas tentativas de acabar com o TJM?
Coronel Paulo Roberto Mendes - Com relação a essa crítica ao governador (José Ivo) Sartori (MDB), creio que o governador não tomou a iniciativa de terminar com o TJM porque sabe que a Brigada Militar só será forte enquanto tiver a mão firme da Justiça Militar para coibir rapidamente eventuais deslizes. Porque, em se tratando de uma polícia armada, se não tiver um controle eficaz, o risco é grande para a própria sociedade. E creio que assim também pensaram outros governadores: a Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010), o próprio Tarso Genro (PT, 2011-2014) etc. Afinal, a função do tribunal é essa: dar controle às ações da Brigada.
JC - Por que é necessário um tribunal específico para julgar os eventuais equívocos da Brigada Militar?
Coronel Mendes - Somos um dos tribunais mais eficientes e céleres. Aqui no TJM, as ações penais duram cerca de um ano. As apelações criminais estão sendo julgadas em 60 dias. Dificilmente, constatamos essa celeridade em outros tribunais. E, como disse, isso tem muito a ver com a segurança pública. Não podemos permitir que um policial militar seja submetido a um processo penal por muito tempo, porque isso traz prejuízo não só para o servidor, mas também para a sociedade. O julgamento tem que ser rápido. Se o réu for condenado e, por exemplo, tiver que ser excluído da Brigada, que seja feito de uma vez, para não deixar contaminar a instituição Brigada. Por outro lado, se for inocente, temos que ser rápidos para tirar a espada da cabeça dele e permitir que desenvolva seu ofício. Outros estados que não têm Justiça Militar têm dificuldades em disciplinar sua polícia. O Espírito Santo, por exemplo, virou o caos no ano passado (quando os policiais fizeram greve por 21 dias). Tem um dito aqui no tribunal que é o seguinte: enquanto os brigadianos estiverem de costas para o Palácio Piratini, estaremos cumprindo nosso papel; mas, no dia que eles se virarem de frente para o palácio, é a desordem.
JC - Quantos processos passam pelo TJM por ano?
Coronel Mendes - Muita gente diz que passam poucos processos pela Justiça Militar e, por isso, ela tem que ser extinta. Entendemos o contrário. Hoje, a Brigada Militar tem um efetivo de aproximadamente 20 mil homens. Se, diante desse efetivo, tivéssemos um número muito grande de processos, significaria que se perdeu o controle da Brigada. E aí não estaríamos cumprindo com a nossa função, que, como já disse, é dar controle às ações da Brigada Militar. Aportam aqui no tribunal cerca de 4 mil inquéritos por ano. Para cada cinco polícias militares, um é investigado anualmente. Vindo para cá, esses inquéritos caem na mão do Ministério Público (MP) Estadual. O MP analisa esses feitos e denuncia ou arquiva. A maior parte é arquivada, pelo entendimento do próprio MP. As ações penais que efetivamente tramitam giram em torno de mil por ano. O segundo grau registra em torno de 500 procedimentos.
JC - Qual é o orçamento do TJM hoje?
Coronel Mendes - Temos um orçamento em torno de R$ 30 milhões. A maior parte disso é empenhada com pessoal. Com pessoas que, mesmo que o tribunal termine, como era o projeto do deputado (Pedro Ruas), essas pessoas têm direitos garantidos, portanto seriam realocadas. Alguém diz maliciosamente "ah, mas esse dinheiro volta para a Brigada". Não é verdade. Esse dinheiro não é do Executivo, é do Judiciário. Portanto a extinção do TJM não geraria toda a economia que dizem. Além disso, gastar R$ 30 milhões para manter uma estrutura militar devidamente controlada é pouco se compararmos com o custo que o governo federal está tendo (com a intervenção militar) para conter a situação no Rio de Janeiro, que não tem Justiça Militar.
JC - Uma discussão que costuma vir acompanhada dos projetos de extinção do TJM é o da desmilitarização da polícia. Evidentemente, o senhor é contra. Qual a vantagem de uma Polícia Militar?
Coronel Mendes - A disciplina e a hierarquia. Vou dar um exemplo da vantagem disso: todos podem fazer greve; a Polícia Militar, não. Todo o servidor da Brigada, do soldado ao coronel, sabe disso. Só há uma questão fundamental: a obediência aos superiores, às ordens. Imagina se, em uma situação crítica, os policiais não queiram atuar por medo ou qualquer outro motivo. Como é que ficaria a população? Então os policias militares, por terem esse vínculo de hierarquia e disciplina, sabem do dever deles. Se não nos comprometermos, podemos ser punidos fortemente.
JC - Qual a sua avaliação da política de segurança do governo Sartori?
Coronel Mendes - Vivemos um momento muito difícil. E vem se agravando. As eleições deste ano vão ser capitalizadas em cima da segurança pública. Nessa área, temos dois problemas principais: um diz respeito ao sistema penitenciário; o outro, à legislação penal. O sistema prisional está falido, pois, ao invés de recuperar as pessoas, está as aperfeiçoando para o crime. Basta olhar investigações de crimes gravíssimos: quem executa esse tipo de crime costuma ter um longo rastro criminal. Hoje, praticamente todos os crimes graves têm origem no próprio sistema penitenciário. Quanto à legislação penal, especialmente a Lei de Execução Penal, não dá mais para aceitar os indultos, as saídas temporárias, a progressão de regimes. As polícias estão prendendo cada vez mais no Brasil. O problema não está na polícia. O problema está nesses dois vetores.
JC - No caso do sistema penitenciário, é necessário um trabalho para diminuir a reincidência?
Coronel Mendes - O sistema penitenciário tem que ser fechado e deve dar condições para os presidiários serem ressocializados. Ou então permanecerem lá o resto da vida. O que jamais pode acontecer é retornarem à sociedade sem condições de ressocialização. No Brasil, se fala muito em punição de 30 anos. Não sei se precisa desse tempo. O que sei é que, quando o juiz decreta a prisão, tem que ser cumprida no sistema fechado. Caso contrário, ninguém respeita mais ninguém. E, para ressocializar essas pessoas, pode ser pelo trabalho, para aqueles que têm condições.
JC - Nas últimas décadas, a Brigada Militar teve uma redução considerável do efetivo. Alguns estudiosos dizem que a corporação deveria ter 33 mil policiais. O que daria para fazer com esse efetivo? É possível combater o déficit de brigadianos?
Coronel Mendes - Se o governo não completa o efetivo, imagino, é porque não tem condições orçamentárias. De qualquer forma, esse não é o maior problema. Se colocar mais policiais, o crime vai continuar.
JC - Insisto na pergunta de como fazer segurança pública com esse efetivo. Afinal, é diferente dirigir um efetivo de 30 mil e um de 20 mil. Com 20 mil, o que o senhor priorizaria?
Coronel Mendes - Bom, esse é um assunto delicado. Cada um tem uma visão. Falo por mim... Quando comandei a política de segurança de Canoas (entre 2001 e 2004), eu tinha um efetivo de 300, 400 homens. Ou seja, estava diante de uma cidade grande, com poucos policiais. Então priorizei a questão do carro. Sempre disse que o crime anda sobre rodas. O carro é o grande vetor da criminalidade, porque tem muito carro roubado; porque quem dirige pode ser um delinquente; porque, dentro do automóvel, podem ter armas e drogas. Por isso, fomentamos muitas barreiras, que pulavam de um lado para o outro, a toda hora. Isso gerou uma intranquilidade na delinquência. Armamos muitas barreiras e fizemos uma limpa em Canoas naquele período. Depois, quando assumi a Região Metropolitana, esticamos esse trabalho.
JC - E quando assumiu o Comando-Geral da Brigada?
Coronel Mendes - Quando vim para o comando da Brigada, mesmo sabendo que a maior parte da criminalidade se concentra na Região Metropolitana e no eixo Porto Alegre-Caxias do Sul, fomentamos as barreiras em todo o Estado. Tínhamos uma meta de abordar, se não me engano, 90 mil veículos ao dia. Enquanto abordávamos nas barreiras, os grupos de operações especiais atacavam os pontos críticos. Fizemos um trabalho muito consistente. Além disso, acho importante a mobilização das próprias autoridades. Na minha época no comando-geral, a gente andava na rua, junto com o soldado, porque é importante que o subordinado veja o chefe junto dele, sendo um igual, sendo um parceiro. Muitos até me criticavam por, sendo comandante da Brigada, estar envolvido em algumas ocorrências.
JC - No final do ano passado, a Assembleia Legislativa aprovou um pacote de projetos sobre segurança do governo Sartori. Algumas questões geraram polêmica, como, por exemplo, o projeto que instituía os policiais temporários. Como avalia essas medidas?
Coronel Mendes - Quando o governo tem poucos recursos, tenta encontrar alternativas que nem sempre são as melhores para a instituição. Me parece que, para a Brigada Militar, para a instituição polícia, não poderíamos ter policiais temporários. O ideal é que tivéssemos uma tropa profissional, que pudesse ser treinada, exercitada, qualificada cada vez mais, para dar uma prestação de serviço de excelência para a população.
JC - Como analisa a participação de militares nas eleições?
Coronel Mendes - Vejo com bons olhos. Os militares ou os policiais querem contribuir com a segurança pública, que tem se deteriorado ao longo desses últimos anos. Medidas que têm sido adotadas não têm surtido efeito. E alguma coisa tem que ser feita. E os militares querem contribuir com isso. Então me parece oportuna a chegada desse segmento qualificado para entender e tentar propor medidas que melhorem a situação da segurança no País. De qualquer sorte, mesmo que os brigadianos tenham que deixar a Brigada quando são eleitos, seria importante para a corporação e para a sociedade que tivéssemos representações nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras de Vereadores. Como disse, os policiais poderiam contribuir com mais energia, mais firmeza sobre a segurança pública.
Perfil
Filho do soldado da Brigada Militar Paulo José Rodrigues, Paulo Roberto Mendes Rodrigues, mais conhecido como coronel Mendes, tem 62 anos e é natural de Pelotas. Herdou não só o nome do pai, mas também o "amor pela instituição" onde fez carreira. Aos 5 anos, mudou-se para São Lourenço do Sul, onde concluiu os estudos. Pouco antes de completar a maioridade, veio a Porto Alegre cursar o Centro de Formações de Oficiais da Brigada Militar. Saiu aspirante e foi servir em diversos batalhões da corporação: o 1º BPM, 9º BPM, 11º BPM, além do Batalhão de Operações Especiais. Entre 2001 e 2004, foi comandante do 15º batalhão, que atua no município de Canoas. Em 2004, foi promovido a coronel. Nesse ano, assumiu o Comando Regional Metropolitano. Em 2007, tornou-se subcomandante da BM para, no ano seguinte, assumir o Comando-Geral da Brigada Militar, na gestão da governadora Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010). Em 2008, tomou posse como juiz no Tribunal de Justiça Militar, corte na qual é presidente desde fevereiro deste ano.