A descarbonização do mundo não acontecerá sem negócios sustentáveis e economicamente viáveis. Para Cassiano Farani, a transição energética exige inovação, investimento e a estruturação de novas cadeias de valor que tornem a agenda verde um negócio que alie sustentabilidade e retorno financeiro.
Ele é cofundador e sócio da Yvy Capital, empresa que tem como sócios ainda nomes como Paulo Guedes, ex-ministro da Economia e Gustavo Montezano, ex-presidente do BNDES e, recentemente, recebeu um aporte recentemente do UBS. Ali, lidera o Climate Venture Studio, onde desenvolve novos modelos de negócios e projetos de infraestrutura verde via fundo de investimentos. Professor de Business Design na Fundação Dom Cabral e grande experiência no desenvolvimento de empreendimentos inovadores, Farani aposta na "green innovation" como o caminho para transformar o Brasil em uma referência na agenda ambiental aliada à rentabilidade.
JC Empresas & Negócios - Como você avalia a evolução da economia verde nos últimos anos?
Cassiano Farani — Antes do ESG ganhar projeção, existia o conceito de capitalismo de stakeholder, que é a base do processo que a gente vive hoje: a ideia era não só levar em consideração os clientes e fornecedores, mas também funcionários, meio ambiente, a sociedade e todos os demais stakeholders que permeiam uma corporação. Acredito que esse pensamento foi a base para a pauta ESG, que veio com força crescente. O movimento ganhou relevância entre 2015 e 2016, quando as empresas americanas e europeias perceberam que posicionar uma empresa como ambientalmente responsáveis podia trazer mais receita e lucros. Essas discussões foram ganhando tração até o ponto em que as companhias começaram a levar isso em consideração nos seus balanços e relatórios de sustentabilidade. ESG virou uma estratégia de negócios. O ápice desse movimento foi a criação das metas climáticas da Agenda 2030, estabelecida pela Organização das Nações Unidas, que eram extremamente ambiciosas.
E&N - Esse avanço tem sofrido solavancos. A que você atribui isso?
Farani - A realidade se impôs. Você não pode, simplesmente, trocar a matriz energética do mundo, ignorando a relevância do petróleo, do carvão e das fontes de fornecimento que já existem atualmente em nome da descarbonização. Outra questão que surgiu foi a dificuldade de instituir métricas para averiguar os resultados de ESG. Como se mede impacto social ou de governança de forma inequívoca? Essa dificuldade levou a criação de um conceito chamado greenwashing, que representa alegações exageradas por parte das empresas dos seus esforços ambientais e afirmações vagas em relatórios de sustentabilidade. Com isso, grandes investidores internacionais começaram a mudar seus posicionamentos em relação à agenda, dado que na percepção deles os alegados retornos financeiros (e consequente valorização de suas empresas investidas) eram desproporcionais ao esforço empreendido. A partir daí, o movimento perdeu tração e o ESG praticamente desapareceu das grandes empresas do mundo. O que temos hoje é uma retomada da agenda verde (o "E" do ESG) muito mais sóbria e mais aderente ao mundo real e aos negócios.
E&N - Qual é o caminho de futuro para a economia verde?
Farani — É o que eu chamo de green innovation, que tem dois elementos fundamentais: pensar em soluções de ecossistema, ou seja, que considere não só o negócio em si mas toda a cadeia de valor e dar um passo além da sustentabilidade, propondo soluções que tenham benefício ambiental real e que gerem retorno financeiro. Costumo dizer sempre que as ideias não precisam ser novas, mas sim melhores. O tema sustentabilidade já é relevante na grande maioria das empresas brasileiras. Na medida em que elas começarem a transformar passivos ambientais em ativos ambientais, gerando receita adicional com isso, teremos uma revolução no setor. A agenda verde tem que ser uma agenda de negócios, lucrativa e que traga benefícios para o meio ambiente. Se esses pilares não estiverem estruturados, as iniciativas não terão a escala necessária para decolar e serão sempre de nicho.
E&N - Que exemplo prático, já dentro da nossa realidade, ajuda a ilustrar isso?
Farani - Um exemplo que endereça os dois elementos da green innovation é a eletrificação de motos para o segmento de logística: ao substituir moto a combustão por moto elétrica, o motoboy pode economizar até 30% de suas despesas totais, além de reduzir drasticamente a emissão de CO2. O frotista, por sua vez, se beneficia com uma eficiência em custo logístico, ganhos reputacionais e redução na contabilização de suas emissões. E a startup que monta e opera as motos tem um negócio rentável e escalável. Isso é o que eu chamo de transformar passivo ambiental em ativo ambiental. No entanto, se toda a cadeia de valor do segmento não estiver estruturada (minerais raros, autopeças, baterias, montadoras, distribuição e aluguel de motos, pontos de recarga, capacidade do setor elétrico, software de gestão de frotas, reciclagem) esse modelo de negócios jamais terá escala.
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E&N - Quais são os principais desafios para viabilizar novos negócios na economia verde?
Farani — Na minha visão, a grande agenda da economia verde se refere à transição energética, que envolve entre outros biocombustíveis, eletrificação de veículos, hidrogênio verde, amônia verde, etc. Nesse sentido vejo 5 grandes barreiras que retardam seu desenvolvimento:
1 | Uso intensivo de tecnologia, que em muitos casos ainda não está madura e precisa de desenvolvimento para ser economicamente viável;
2 | Uso intensivo de capital, em montantes na casa de milhões de dólares, para financiar projetos com risco tecnológico ainda elevado;
3 | Estrutura regulatória nacional e global ainda incipiente (como toda boa inovação, o business avança antes da legislação);
4 | Falta de incentivos governamentais para viabilizar projetos que ainda estão out of the Money;
5 | E o principal, cadeias de valor altamente fragmentadas e sem ligação entre seus elos
Se o Brasil não quiser ficar de fora dessa oportunidade, precisamos começar a trabalhar nesses pontos imediatamente.
E&N - As empresas estão interessadas e dispostas a investir, de forma consciente e com o nível de maturidade necessário para esse tema avançar?
Farani — 100%, e esse tem sido meu trabalho. Algumas empresas estão mais avançadas, com maior nível de governança, e outras com menos, mas essa agenda interessa a todas as grandes companhias do Brasil. E é isso que nos leva para o próximo passo da inovação, que é trazer esse elemento do meio ambiente para o negócio. A agenda vai vingar a partir do momento que isso for encarado como mais um movimento de negócio que, além de tudo, traz benefícios para o meio ambiente. Não é um centro de custo; é mais uma vertical do investimento. Nosso trabalho é mostrar para as empresas que, a partir do recurso de P&D, por exemplo, elas podem criar áreas de negócios, que têm lucratividade, que têm retorno financeiro e são ambientalmente responsáveis. Vejo isso como uma grande inflexão positiva para esse tema.
E&N — Esse movimento do Trump de minimizar a importância dessa pauta chega a preocupar?
Farani — Na era da informação, a matéria prima que move o planeta é a energia. Isso se torna especialmente verdade com o advento da inteligência artificial, que requer 10 vezes mais capacidade de processamento de dados se comparado ao que temos atualmente. Costumo dizer que a energia e os data centers de hoje representam as matérias primas e as indústrias do século passado. Hoje existe uma “guerra fria” entre Estados Unidos e a China pela hegemonia no setor, que vai ditar os rumos da geopolítica global.
Quando o Trump diminui a importância da emergência climática, na minha leitura, o que ele quer realmente dizer é que os EUA não podem desperdiçar nenhuma fonte de energia se quiserem se manter como o grande líder do planeta. Isso, obviamente, tem um impacto na agenda do clima, mas vejo mais como uma correção de rota do que propriamente uma ameaça. Como disse anteriormente, é impensável mudar a matriz energética do planeta completamente e acredito que o posicionamento dele vai nesse sentido. Mais uma vez reforço aqui o tema da green innovation: é preciso criar novos modelos de negócios que promovam também a descarbonização desses setores, dado que substituí-los no curto prazo é impossível.