Professora na área de Direito em cursos de graduação, pós-graduação e preparação para concursos para as carreiras jurídicas de juízes, promotores e defensores públicos, Fernanda Rabello é especialista em Direito de Família e Sucessões. Em entrevista ao Jornal da Lei, ela falou sobre as recentes decisões de alguns tribunais brasileiros acerca do chamado divórcio impositivo ou unilateral.
Jornal da Lei - Tribunais de Justiça de Pernambuco e Maranhão decidiram, recentemente, criar normas aos cartórios extrajudiciais permitindo que qualquer pessoa casada pudesse solicitar o divórcio, com ou sem acordo, bastando, para isso, comparecer ao cartório. Com o pedido, o cartório notificaria o cônjuge e, passado o prazo para resposta, seria autorizado o divórcio. Qual o impacto dessa decisão?
Fernanda Rabello - Através do Provimento nº 06/2019, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Pernambuco regulamentou o procedimento para averbação, nos registros civis de casamento, do instituto que denominou "divórcio impositivo", que se caracterizava como ato de vontade de um dos cônjuges, no exercício de seu direito potestativo - o direito potestativo é a prerrogativa jurídica de impor ao outro a sujeição ao seu exercício, ou seja, é o imperativo de vontade. Ocorre que, ainda no mês de maio, a Corregedoria Nacional de Justiça, através de ato do ministro Humberto Martins, determinou a revogação do provimento em questão, e, ao mesmo tempo, foi expedida recomendação para os Tribunais de Justiça do País para que não editassem atos normativos com regras dessa ordem. O denominado divórcio impositivo ou unilateral acabou por durar não mais do que 15 dias. Em que pese a grande popularidade que o tema ganhou - pelo fato de que não exigiria o consenso e, tampouco, a anuência de um dos cônjuges -, o sonho durou pouco.
JL - Caso o divórcio impositivo continuasse sendo acolhido pelos tribunais, como seria feita a partilha de bens e a guarda dos filhos se as pessoas optassem por esse recurso?
Fernanda - Caso o instituto tivesse se mantido no Direito brasileiro, nem a partilha de bens, nem a guarda dos filhos poderiam, através dele, restar resolvidas. Em primeiro lugar, porque todo casal que pretenda a separação ou o divórcio e que tenha filhos menores de idade tem a obrigatoriedade de submeter a questão à apreciação do Poder Judiciário, notadamente pelo fato de que a intervenção do Ministério Público se faz obrigatória para a proteção do interesse desses menores. E, relativamente à partilha de bens, essa só poderia se realizada extrajudicialmente se ambos os cônjuges acordassem. Qualquer divergência que se aponte impõe, também, a apreciação pelo Poder Judiciário.
JL - Desde 1977, as leis em que regem o processo de divórcio sofreram expressivas alterações. Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados em 2018, um em cada três casamentos termina em separação. Quais mudanças na sociedade brasileira têm exigido normas para facilitação e desjudicialização do divórcio?
Fernanda - Antigamente, os casamentos, aparentemente, perduravam por mais tempo porque as pessoas apresentavam um maior grau de tolerância em relação àquele com quem conviviam. As mulheres apresentavam um grau de submissão. A liberdade e a independência femininas permitiram às mulheres iniciativas grandiosas - em especial, terminar um casamento quando nele não mais lhe era favorável e conveniente a permanência. Somado a isso, a busca pela felicidade presente - embora, às vezes, ilusória - faz com que as relações de casamento e união estável tenham se tornado efêmeras. Portanto, o imediatismo se impõe. Às vezes, o início de um novo relacionamento acaba por exigir uma desvinculação de pronto. O litígio relativo à partilha de bens, guarda e alimentos dos filhos pode se estender por longos anos, e, assim, as partes se sentem vinculadas, se não pelo casamento, pelo próprio litígio. Como a Emenda Constitucional nº 66/2010, que retirou a exigência à observância de prazos para o pedido de divórcio, alguns magistrados passaram a entender possível, até mesmo na primeira audiência de conciliação, desde logo, decretar o divórcio e prosseguir com o processo relativamente às demais questões. Assim, a legislação processual recente busca, nas ações de família, utilizar meios alternativos na solução dos conflitos, como a mediação e a constelação, além da conciliação. Hoje, o Poder Judiciário se apresenta como aquele que quer andar lado a lado com as partes na busca de soluções, e não acima delas.