Porto Alegre, sáb, 24/05/25

Publicada em 29 de Abril de 2025 às 20:12

Cruzeiro do Sul ainda custa para se reerguer da enchente histórica

Máquinas ainda trabalham na remoção das casas destruídas; governo estadual vai construir um parque linear

Máquinas ainda trabalham na remoção das casas destruídas; governo estadual vai construir um parque linear

TÂNIA MEINERZ/JC
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João Dienstmann
João Dienstmann Editor
O maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul completa um ano em maio. A enchente, que vitimou 184 pessoas, ainda tem 25 desaparecidos e afetou milhares de gaúchos em diversas regiões do Estado permanece com feridas abertas e cicatrizes bem claras aos olhos de quem circula pelas áreas atingidas. No epicentro da devastação, os municípios do Vale do Taquari, muitos deles pequenos e com pouca estrutura, tentam se reerguer. A enxurrada, que varreu bairros inteiros e fez a geografia das cidades às margens do Rio Taquari ser modificada de forma permanente, foi a mais destrutiva de uma sequência que havia começado em setembro de 2023.
A cidade de Cruzeiro do Sul, com pouco mais de 11,6 mil habitantes - dados do Censo de 2022 do IBGE - foi duramente castigada pelo episódio de 2024. A comunidade de Passo de Estrela, às margens do Rio Taquari e vizinha da cidade de Estrela, que fica na outra margem, foi completamente devastada pela força das águas que chegaram à região entre a noite de 30 de abril e o início do feriado de 1º de maio. Na localidade, o rio faz uma curva à esquerda para contornar o leito em condições normais, mas o que houve em 2024 despedaçou uma região cuja característica era a tranquilidade e a beleza, por ser ribeirinha. Na enchente, o rio passou reto pelo curso natural e invadiu Passo de Estrela, com uma força até então jamais vista pelos moradores.
Ao revisitar a cena da catástrofe, o que se vê hoje ao passar pelo bairro, que contava com cerca de 600 residências, é uma grande área a céu aberto. Alguns escombros de casas ainda são percebidos mesmo em ruas mais para dentro do bairro, longe do rio. Às margens do Taquari, uma grande árvore sobreviveu em meio à devastação e ao silêncio, que só é quebrado pelo trânsito de máquinas que realizam a retirada de entulhos e o patrolamento das ruas e dos lotes onde outrora estavam as residências. O cheiro de lodo ainda é bastante perceptível, e ao adentrar em locais onde estão os escombros das construções, é possível ver roupas completamente embarradas - e deixadas para trás - itens pessoais, carros completamente destruídos e empilhados pela força da água, além de troncos, galhos, pedras e demais resíduos.
Em abril, o governador Eduardo Leite esteve em Cruzeiro do Sul para anunciar uma série de investimentos, voltados sobretudo para três áreas da cidade - Passo de Estrela, São Gabriel e Rosa. A área destruída vai se tornar um parque linear e um memorial às vítimas. A região foi classificada como Área Diretamente Atingida e incluído no Mapa Único do Plano Rio Grande como zona de alta suscetibilidade à inundação, o que impossibilita novas construções. As famílias serão remanejadas para um novo terreno, distante quase dois quilômetros da localidade. O projeto urbanístico será realizado pelo governo estadual, enquanto a infraestrutura ficará a cargo da prefeitura.

Moradora relembra força do Rio Taquari ao varrer o bairro Passo de Estrela

Pedras que pertenciam à casa da família Vaz ainda estão no terreno

Pedras que pertenciam à casa da família Vaz ainda estão no terreno

/TÂNIA MEINERZ/JC
A vida da família liderada pela dona de casa Melissa Vargas Vaz já tinha começado a mudar no início de setembro de 2023. Ela morava com o marido e os quatro filhos em uma casa que ocupava dois terrenos na avenida Beira-Rio quando, naquela oportunidade, o Rio Taquari decidiu medir forças contra os moradores de Passo de Estrela. Aquela, até então, já era a maior cheia registrada no município.
"Em setembro, a água entrou na nossa casa. Nós tínhamos começado uma obra para construir mais um andar, para tentar evitar que a água entrasse. Os alicerces já estavam prontos, esperando para finalizarmos", conta. Entretanto, o investimento da família na casa foi interrompido pelo aviso de um amigo da família, no dia 1º de maio. "Ele nos avisou: peguem as coisas de vocês e saiam de casa. Conseguimos levar quase tudo de pertences pessoais e viemos para a casa da minha comadre. Daqui, assistimos tudo da enchente", relembra Melissa, ao se referir à subida do rio.
Ao rememorar a chegada da água no bairro, a moradora chorou. "Foi um horror. As ondas eram fortíssimas, parecia o mar", conta. Alguns dias depois, ela e a família decidiram voltar até a casa onde moravam para ver a situação. Segundo ela, o cenário era de relativa tranquilidade, pois os danos se limitavam, naquele momento, ao alagamento e ao barro que estavam nos móveis. Porém, na noite seguinte, o Rio Taquari decidiu varrer o bairro Passo de Estrela. "Vimos a escola e a igreja caírem, troncos de árvores serem levados, postes de luz. Quando a água abaixou, voltamos para a nossa casa e não tinha mais nada, só o terreno", lembra a moradora.
A casa que servia de abrigo para a família Vaz também foi atingida. Uma chácara virou o porto seguro de 50 pessoas da região para passar a noite e guardar o que restava dos itens pessoais. Cerca de uma semana depois é que Melissa conseguiu retomar a vida.
Enquanto aguarda por um novo lar, a moradora de Cruzeiro do Sul recebe aluguel social de R$ 600 e mora em uma casa a cerca de três quadras de onde era o lar. Os filhos, que estudavam na região, precisam pegar transporte escolar para continuar no colégio. O sonho é conseguir se reerguer e retomar os planos da família. "Acho que o primeiro de tudo é pensar que estamos vivos. A gente está acostumado a batalhar, ir atrás. Tenho filho pequeno. Preciso ser forte, né? Não é fácil começar do zero", complementa.

"A cidade está muito machucada", afirma prefeito César Marmitt

Cadastro feito pela prefeitura identificou 1.109 casas atingidas em todo o município

Cadastro feito pela prefeitura identificou 1.109 casas atingidas em todo o município

/TÂNIA MEINERZ/JC
O trabalho de limpeza e de reconstrução de Cruzeiro do Sul ainda deve levar algum tempo, tamanha a área devastada pela catástrofe de maio passado. De acordo com um levantamento feito pela prefeitura, 1.109 casas foram cadastradas como afetadas e/ou destruídas na cidade - dessas, em torno de 600 foram somente em Passo de Estrela. Segundo o prefeito César Leandro Marmitt, o número ainda não é definitivo, pois, além do cadastro voluntário das famílias atingidas, há uma busca ativa por aqueles impactados, mas que conseguiram retomar a vida.
O chefe do Executivo conta que foi uma das pessoas afetadas pela onda de destruição causada pelo Rio Taquari no ano passado. Ele vê o município ainda com cicatrizes do ocorrido. "(A cidade de) Cruzeiro do Sul ainda está muito machucada, sobretudo pela demora do retorno para habitação, retorno das estradas, do cotidiano, das crianças das escolas que mudaram de local, pessoas que mudaram de bairro. Ainda percebo esse sentimento na cidade", conta.
Para Marmitt, o anúncio feito pelo governo estadual dá um alento, mas ele entende que há uma demora acima do normal no pós-enchente. "Já se passou um ano e não temos uma casa definitiva, um terreno para a pessoa poder construir. Isso gera um clima de incerteza", acentua.
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