Para fazer o Pacto Alegre se transformar no projeto de inovação e desenvolvimento sonhado por todos, os idealizadores do pacto foram atrás de um especialista em transformar cidades em polos de empreendedorismo e tecnologia. O espanhol Josep Miquel Piqué foi o mentor de iniciativas relevantes, com o 22@, em Barcelona, que revitalizou cerca de 200 hectares de uma área industrial considerada obsoleta para transformá-la em um conceito de qualidade de vida, com atividades de conhecimento e inovação. A ação é considerada uma das mais ousadas da Europa e espelho para outras cidades ao redor do mundo, com investimento superior a € 200 milhões (R$ 836 milhões) em infraestrutura.
Piqué também esteve à frente do projeto de revitalização em Medellín, na Colômbia, e trabalha na Aliança para a Inovação, em Santa Catarina. Como presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Tecnológicos (Isap), começou seu namoro com a capital gaúcha até o casamento, selado em novembro, com a assinatura do Pacto Alegre. Na entrevista ao Jornal do Comércio, Piqué conta das suas experiências com esse ambiente de transformação, além de afirmar que a iniciativa desenvolvida em Porto Alegre é sem precedentes no mundo, por partir das universidades, e não do poder público.
Como foi a sua aproximação com Porto Alegre? E o convite para o Pacto Alegre, quando ocorreu?
As universidades integrantes do pacto têm seus parques tecnológicos filiados à Associação Internacional de Parques Científicos e Tecnológicos, e um dos membros era o Jorge Audy, que integrava a diretoria da associação na América Latina. Fui convidado para visitar Porto Alegre em 2007, em um encontro mundial das Universidades La Salle, realizado em Canoas, e, posteriormente, ele me levou para conhecer algumas instalações dos parques tecnológicos da cidade. Sempre estive em contato com ecossistemas inovadores, assumi a direção do projeto 22@, de Barcelona, hoje com mais de 90 mil trabalhadores e 8 mil empresas em uma imensa área revitalizada. Quando estava à frente dessa iniciativa, vieram delegações de Porto Alegre para conhecer o que fazíamos. Estiveram aqui tanto (José) Fortunati quanto (Nelson) Marchezan (Júnior). Fiz uma apresentação a qual tentei inspirá-los em relação ao 4º Distrito como possibilidade de renovação.
O que mais chamou a sua atenção na cidade quanto aos projetos de inovação?
Uma das coisas que mais me surpreendeu, tanto em Porto Alegre quanto em todo o Estado, foi a grande capacidade das universidades e seus parques científicos, e o pouco alinhamento entre elas. Desde 2017, trabalho junto ao projeto em Santa Catarina, com o objetivo de desenvolver os 13 centros de inovação, de Florianópolis a Chapecó. Lá, com menos ativos do que o Rio Grande do Sul, estavam extremamente alinhados e crescendo juntos, diferente do que vi no RS, onde havia um bom trabalho, mas sem essa união de esforços. A grande inovação do pacto é ter as universidades à frente do projeto, é algo sem precedentes em nível latino-americano e talvez mundial, pois as iniciativas conhecidas por mim partiram sempre do poder público.
Que semelhanças o senhor enxerga entre Porto Alegre e outras cidades por onde trabalhou com a inovação?
Principalmente, talento e tecnologia. São elementos-chave para o desenvolvimento desses projetos. Produtividade, competitividade também são fundamentais, pois, se quero criar postos de trabalho qualificados, preciso capacitar as pessoas para ocupá-los, senão é complicado ser competitivo no mundo sem essas virtudes. É preciso criar inteligência no território a ser transformado. Além disso, devemos articular com universidades, governo e sociedade civil métodos que assegurem esse desenvolvimento. Eu sempre digo: "nunca seremos algo que não imaginamos ser'. É importante fazer um exercício de pensamento. Barcelona apostou em economia e conhecimento para o seu projeto, como as Smart Cities. Já em Medellín, a aposta foi voltada ao social, pois isso era fundamental para eles naquele momento. Em Santa Catarina, o objetivo foi melhorar a governança. Precisamos, agora, encontrar o propósito de Porto Alegre para promover a inovação.
Qual é o principal desafio para Porto Alegre se tornar uma cidade mais inovadora?
O primeiro passo é acordar qual visão teremos sobre essa ação, com um grande acordo entre os agentes do pacto. Os desafios urbanos devem ser debatidos, como questões de mobilidade, segurança. Os desafios econômicos, por exemplo, como as empresas instaladas em Porto Alegre conseguirão competir com o mundo, pois o mundo estará observando a cidade. Há, também, as questões sociais, por exemplo, como faremos para que as crianças se tornem o futuro dessa iniciativa. A cidade precisa assegurar o crescimento dos cidadãos e capacitá-los, sem que as diferenças econômicas impactem esse avanço. A educação é o caminho para desenvolver estudos em engenharia, economia, tecnologia. E, por último, o desafio da governança, que as ações desenvolvidas não partam de uma pessoa, mas sim da cidade. Por isso, é preciso conscientização de todas as vertentes políticas existentes no município.
Qual será seu papel no pacto?
Meu papel é assegurar o rumo do Pacto Alegre. Quando encontrarmos perguntas sobre algum tema, iremos articular as respostas para elas. Meu desejo é ver um total compromisso com essa iniciativa. Aos desafios que surgirem, precisaremos de projetos capazes de suprir as necessidades, e ajudarei a implementá-los, com a anuência dos integrantes da Mesa Diretora do pacto, que ajudarão a articular com as empresas vinculadas as ações. A cada seis meses, elas serão avaliadas e receberão novos desafios. Minha função é de mentoria, para aplicar métodos criados pela Associação Internacional de Parques Científicos e Tecnológicos e ser um ponto neutro em prol do melhor para Porto Alegre no debate sobre o futuro da cidade.