A classe contábil tem à disposição, reconhecido como referência no Brasil, um guia contendo orientações sobre as particularidades técnicas, normativas e operacionais da contabilidade aplicada no Terceiro Setor. A iniciativa de criação deste conteúdo, que é gratuito, é do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS).
Gabriel Filber Ribas, coordenador da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS, explica que o objetivo da elaboração do "Terceiro Setor - Guia de Orientação para o Profissional da Contabilidade" foi o de oferecer compreensão sobre os fundamentos contábeis, as exigências legais e os desafios práticos envolvidos na atuação profissional junto às organizações do Terceiro Setor, bem como a seus dirigentes e demais interessados.
O guia, lançado em dezembro do ano passado, vem despertando crescente interesse por sua linguagem acessível e por comunicar de forma objetiva a importância da Contabilidade no contexto do Terceiro Setor. De acordo com o coordenador, o material busca evidenciar as particularidades desse campo e fortalecer o papel estratégico da Contabilidade na promoção do impacto social e da sustentabilidade financeira.
Filber detalha ao JC Contabilidade que a elaboração do guia contou com a colaboração de profissionais com experiência no Terceiro Setor, o que garantiu ao material um caráter prático e alinhado à realidade das organizações. Segundo ele, essa construção coletiva foi essencial para reunir orientações que dialogam com os desafios do cotidiano e contribuem para o aprimoramento e a expansão do setor.
JC Contabilidade - Como surgiu a ideia de criar este guia?
Gabriel Filber Ribas - A iniciativa surgiu a partir da sensibilidade institucional do CRCRS e da Comissão de Estudos do Terceiro Setor diante da necessidade de reunir, de forma didática e acessível, as principais orientações contábeis e legais voltadas ao Terceiro Setor. O profissional da Contabilidade é um elo essencial para o funcionamento das organizações, assegurando, em conformidade legal, os aspectos de transparência e o uso adequado dos recursos públicos ou privados. Sua atuação torna-se ainda mais relevante diante do dinamismo e das exigências atuais.
Contab - O senhor pode explicar o formato deste guia?
Filber - O guia adota uma abordagem diferenciada sobre a Contabilidade aplicada às organizações do Terceiro Setor, contemplando tanto fundamentos técnicos quanto situações práticas recorrentes. Sua estrutura foi pensada para dialogar com diferentes públicos, oferecendo subsídios para o desenvolvimento de temas que contribuam para o acompanhamento e o fortalecimento das essenciais atividades que o Terceiro Setor assiste em benefício da sociedade.
- LEIA TAMBÉM: Política monetária impacta na carga tributária
Contab - A criação de um guia como este pressupõe a ideia de que há um grau de dificuldade para compreensão dos aspectos técnicos, normativos e operacionais na atuação contábil no Terceiro Setor?
Filber - A atuação contábil no Terceiro Setor envolve, de fato, desafios próprios, em razão da multiplicidade de normas e do caráter transversal das entidades, que operam entre os limites da gestão pública e privada. Por isso, o guia foi pensado como um instrumento de apoio, capaz de facilitar a compreensão e qualificar a prática contábil nesse segmento.
Contab - Esta ampla atuação e complexidade existente no Terceiro Setor, além do regramento constante estabelecido pelas autoridades, força o profissional contábil a um aprimoramento sistemático?
Filber - O grau de exigência no Terceiro Setor tem se ampliado, refletindo o peso das responsabilidades assumidas por entidades que atuam em áreas ligadas a direitos fundamentais, como os previstos no artigo 6º da Constituição Federal. Isso exige do profissional contábil muito mais do que domínio técnico: exige visão crítica, compromisso social e atualização constante. Na Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS, trabalhamos para provocar reflexões e mobilizar a classe contábil a enxergar, nas demandas atuais, oportunidades reais de transformação — promovendo debates e estudos que elevem o nível da atuação profissional e fortaleçam a entrega social das organizações.
Contab - O senhor pode dar um panorama sobre os recursos destinados ao Terceiro Setor?
Filber - O Terceiro Setor movimenta recursos distintos e expressivos, provenientes tanto da geração própria de receitas quanto de parcerias com o poder público. Além disso, há o ingresso de doações e outros aportes voluntários, como ocorreu com maior força no sensível período de calamidade no Rio Grande do
Sul. Essa diversidade de fontes exige o domínio de mecanismos específicos de controle, prestação de contas e conformidade. O profissional da Contabilidade precisa estar preparado para lidar com essa complexidade de forma ética e técnica, o que demanda qualificação constante.
Sul. Essa diversidade de fontes exige o domínio de mecanismos específicos de controle, prestação de contas e conformidade. O profissional da Contabilidade precisa estar preparado para lidar com essa complexidade de forma ética e técnica, o que demanda qualificação constante.
Contab - Trata-se de um valor elevado?
Filber - Exato. O Terceiro Setor movimenta recursos expressivos. Como exemplo, entre janeiro e abril de 2021, os municípios gaúchos empenharam cerca de R$ 3,1 bilhões às OSCs, segundo o TCE/RS. Por sua vez, a Procuradoria de Fundações do MP/RS, instituição onde atuo, registrou aproximadamente R$ 7 bilhões em receitas administradas por 261 fundações privadas, em 2023. Com mais de 60 mil entidades do Terceiro Setor no Estado, conforme o Mapa das OSCs do Ipea, o número de organizações evidencia a complexidade do setor e reforça a necessidade de uma contabilidade qualificada, transparente e tecnicamente preparada para responder aos desafios sociais do nosso tempo.
Contab - As entidades do Terceiro Setor surgem a todo momento conforme as demandas da sociedade?
Filber - Sim. O crescimento do Terceiro Setor reflete tanto a confiança do poder público, que passa a ele parte de suas demandas sociais, quanto a força mobilizadora da própria sociedade civil, que se organiza para transformar realidades. Destaco que o Terceiro Setor executa atividades públicas, mas com o dinamismo e a agilidade característicos da gestão privada. Isso permite uma utilização mais eficiente dos recursos, ampliando o alcance das ações nos campos dos direitos sociais, como assistência social, educação e saúde, entre tantos outros.
Contab - É importante a participação do contador qualificado neste segmento?
Filber - Sim, essencial. A Contabilidade do Terceiro Setor é ferramenta de justiça social, em sua essência, voltada à materialização do bem comum. A atuação do profissional contábil, logo, transcende a conformidade técnica, sendo um compromisso concreto com a responsabilidade social e o fortalecimento do bem comum junto ao ecossistema de impacto social.
Contab - A iniciativa em criar este guia é pioneira no Brasil?
Filber - Sim. O guia é uma iniciativa inédita no Brasil ao reunir, de forma acessível, orientações contábeis e de gestão voltadas ao Terceiro Setor. Ele nasceu da escuta às necessidades do segmento e do compromisso do CRCRS com o Terceiro Setor e com o bem comum da sociedade. Resultado de uma construção iniciada em 2010 pela Comissão de Estudos do Terceiro Setor, chega agora à sua terceira edição como ferramenta viva de apoio à atuação contábil com impacto social.