Depois de muitas discussões na justiça, com suspensões e quedas de liminares, o leilão da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) acabou ocorrendo nesta terça-feira (20), na B3, em São Paulo. O vencedor da disputa pela empresa gaúcha foi o Consórcio Aegea, ofertando um lance de R$ 4,15 bilhões pelo controle do ativo, que não contou com propostas de outros concorrentes.
O grupo já tem experiência no mercado de saneamento no Rio Grande do Sul. Em 2019, a Aegea venceu a concorrência promovida pela Corsan para atuar em acordo de Parceria Público-Privada (PPP). A licitação previa a concessão administrativa para a execução de obras de infraestrutura em esgotamento sanitário, melhorias, manutenção e operação dos sistemas, bem como a realização de programas comerciais em gestão do parque de hidrômetros e a correção de irregularidades. A parceria atende a nove cidades do Rio Grande do Sul – Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, Sapucaia do Sul e Viamão, municípios da região metropolitana de Porto Alegre, com população de mais de 1,5 milhão de pessoas abrangidas.
Quanto ao leilão, o lance mínimo inicial estipulado pelas ações da Corsan de propriedade do Estado e de municípios que firmaram termo aditivo e optaram por aliená-las no processo de desestatização (um total de 99,54% de base acionária) era de R$ 4,1 bilhões. Sendo assim, a venda foi fechada com um ágio de 1,15%. Atualmente, a companhia de saneamento gaúcha detém contratos vigentes para prestação de serviços em 307 municípios do Rio Grande do Sul, o que abrange mais de 6 milhões de pessoas.
A empresa conta hoje com cerca de 97% de universalização na disponibilidade de água potável e aproximadamente 20% de cobertura quanto a esgoto. A privatização, de acordo com o governo gaúcho, busca viabilizar o cumprimento das metas do novo marco legal do saneamento, que estabelece o ano de 2033 para a universalização dos serviços de água e esgoto, exigindo grandes investimentos.
O governador Ranolfo Vieira Júnior, que não participou de forma presencial do leilão, se manifestou de modo online. Ele reiterou que a decisão de alienar a Corsan passou pela incapacidade da companhia de fazer os investimentos necessários para cumprir os objetivos estipulados pelo marco legal do saneamento e que tem tranquilidade quanto à boa condução legal do procedimento. “Claro que, por outro lado, é importante que se diga que talvez a judicialização possa ter afastado outros investidores, mas o importante é que o negócio se realizou”, comenta o governador.
Já o vice-presidente da Aegea, Leandro Marin, comemorou o resultado. “A gente tem muita consciência da responsabilidade imposta ao assumir esse projeto. Ao fazer essa oferta reforçamos o compromisso em investir no estado do Rio Grande do Sul, investir no saneamento”, salienta o executivo. Ele acrescenta que será dada atenção especial quanto às populações mais vulneráveis para que de fato seja possível cumprir a meta da universalização do saneamento.
Por sua vez, o presidente da Corsan, Roberto Barbuti, ressalta que a perspectiva é que, sob o guarda-chuva da Aegea, a companhia acelere suas entregas de obras no setor de saneamento. O dirigente destaca que o processo de desestatização da empresa foi complexo, pois mudar o status quo afeta muitos interesses. “Para buscar fazer a coisa certa é preciso ter muita convicção, resiliência e apoio”, afirma.
Os estudos de modelagem da privatização foram finalizados pelas consultorias contratadas pela Corsan, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), que atuou como consultor do Estado para acompanhar todo o processo. O governo gaúcho anunciou em 18 de março de 2021 a intenção de abrir o capital e privatizar a empresa de saneamento por meio de Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês), visando a capitalização da companhia, seguida de oferta secundária de ações. Neste modelo, o Estado deixaria de ser controlador da empresa, para ser acionista de referência.
A PEC nº 280/2019, que retirou a exigência de plebiscito para a desestatização, foi aprovada em 1o de junho de 2021, e o Projeto de Lei nº 211/2021, que autorizou a privatização, foi aprovado em 31 de agosto de 2021. No dia 13 de julho deste ano, o governo anunciou a desistência do IPO, devido a dificuldades de cronograma e à conjuntura desafiadora para a abertura do capital de empresas no País e indicou a intenção de iniciar imediatamente os estudos para a alienação integral do controle da companhia, através do modelo convencional de privatização que se concretizou agora.
Perfil da Aegea:
Criada em 2010 para atuar no setor de saneamento básico brasileiro, a composição acionária da empresa é formada por Equipav (52,77%), GIC (34,34%) e Itaúsa (12,88%). Nos nove primeiros meses deste ano, a Aegea registrou um lucro líquido de R$ 302,8 milhões.
Em 27 de setembro, a Aegea venceu os dois blocos no leilão para os serviços de esgotamento sanitário no estado do Ceará, leilão da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). Com essa vitória, a Aegea, que já operava no território cearense através da concessão de esgoto no município do Crato, passa a operar em 178 municípios e 13 estados brasileiros, atendendo a cerca de 26 milhões de habitantes.
Assinatura de contrato depende ainda de autorização da justiça
Apesar de ser um passo fundamental para a privatização da Corsan, a realização do leilão nesta terça-feira não encerra o assunto em definitivo. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Rio Grande do Sul (Sindiágua/RS), Arilson Wünsch, lembra que há ações judiciais que, apesar de não terem evitado o certame, no momento vetam a assinatura do contrato entre vendedor e comprador da empresa de saneamento, que está prevista por edital para acontecer em 20 de março de 2023.
Wünsch alerta que, antes do acordo ser celebrado, é preciso analisar tópicos como, por exemplo, a precificação do ativo e questões trabalhistas. “Vamos tentar anular esse leilão”, garante o sindicalista. Ele acrescenta que o resultado do certame foi um ágio praticamente inexistente, de um único proponente, e o montante final obtido é muito menos, segundo ele, do que vale realmente a companhia.
Pelo lado do governo do Estado, o procurador-geral adjunto para assuntos jurídicos, Victor Herzer da Silva, argumenta que o cronograma de eventos em um edital de privatização é uma previsão sujeita a alterações. “Considerando o prazo que se tem, nos parece, em princípio, bastante razoável e possível que tudo se desenvolva e se conclua a tempo de cumprir o cronograma”, aponta Silva. No entanto, na eventualidade disso não se concretizar, ele sustenta que não haveria problemas, do ponto de vista jurídico, de se fazer ajustes no tempo do processo.
O secretário-executivo de Parcerias do governo do Estado, Marcelo Spilki, complementa que, apesar das ações judiciais que contestam o leilão, a iniciativa atende a todos os requisitos da legalidade. “Ficaram algumas questões para resolver até a assinatura do contrato, temos ainda uma continuidade, digamos que seja a prorrogação da nossa final de copa do mundo, mas tenho certeza que vamos chegar a um bom resultado e na assinatura”, prevê o secretário.