Porto Alegre, ter, 22/04/25

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Publicada em 13 de Abril de 2025 às 16:00

Artesanato vira ferramenta de desenvolvimento econômico no Litoral Norte

Volume de negócios com artesanato no Litoral cresce quase 40% em um ano

Volume de negócios com artesanato no Litoral cresce quase 40% em um ano

Adriano Daka/Divulgação/JC
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Loraine Luz, especial para o JC*
Loraine Luz, especial para o JC*
O artesanato é muito mais do que uma expressão artística: é também um importante motor da economia no Litoral Norte. A atividade profissional, no entanto, enfrenta desafios. O ritmo dos negócios oscila bastante e, fora da temporada de verão, manter a renda e a atratividade é um esforço constante. A participação em feiras, eventos culturais e espaços públicos organizados pelas prefeituras acaba sendo essencial. É nesses momentos que eles conseguem expor seus trabalhos, atrair interessados e garantir vendas.

Com quase R$ 2,3 milhões em notas fiscais emitidas em 2023, produção artesanal do Litoral Norte vive momento de valorização e busca garantir renda aos municípios também na baixa temporada

Com quase R$ 2,3 milhões em notas fiscais emitidas em 2023, produção artesanal do Litoral Norte vive momento de valorização e busca garantir renda aos municípios também na baixa temporada

Adriano Daka/Divulgação/JC

Contabilizando R$ 2.289.481 em notas fiscais ao longo do ano passado, a produção artesanal do Litoral Norte do Estado passa por um momento de maior valorização. A alta em relação a 2023 chega a quase 40% (quando o montante foi de R$ 1.641.078, conforme dados da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS). A realização de grandes feiras na região ajuda a explicar o aquecimento dos negócios em torno dessa atividade - que, embora secular, foi oficialmente reconhecida no País há apenas 10 anos (Lei nº 13.180, de 22 de outubro de 2015).

"Considero que o artesanato regional do Litoral Norte tem sido valorizado nos últimos anos. Podemos destacar a realização de grandes feiras, a exemplo da ArteNorte, que vai para sua quarta edição, entre os meses de novembro e dezembro, e a XangriArte, em Xangri-lá, que vai para sua segunda edição", avalia Denis da Silva Costa, coordenador do Departamento de Promoção de Desenvolvimento Social da FGTAS.
O contingente de artesãos em atividade no Litoral Norte é considerado muito bom. Levando em conta as 28 regiões dos Coredes, só perde em tamanho para a Região Metropolitana e a Região do Vale do Rio do Sinos. Tramandaí, Torres e Capão da Canoa concentram a maior parte dos profissionais. Somam mais de 3 mil ativos, conforme dados da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Profissional - ou seja, quase metade do total de profissionais de toda a região (que compreende 20 cidades).
Coincidindo com o crescimento populacional nos municípios litorâneos motivado pela pandemia de covid-19, houve um aumento gradual no número microempreendedores identificados como artesãos, segundo informações da FGTAS. Na região que engloba o Litoral Norte, a fundação cadastrou 262 novos profissionais em 2022; dois anos depois, se somaram ao contingente já existente em atividade outros 317 cadastros. "Durante a pandemia, o mercado foi diretamente atingido. A expectativa é que cresça mais, diante do aumento no número de feiras, de espaços de comercialização e da alavancagem de oportunidade do comércio eletrônico", avalia o coordenador.
Mesmo com esse horizonte promissor, a atividade é desafiante, especialmente para aqueles que têm nela sua principal fonte de renda - ainda que, na maioria dos casos, o artesanato funcione como algo complementar, secundário. Não há dados de renda média, mas a FGTAS está ajustando os novos cadastros para incluir essa informação.
A demanda oscila, tendo os meses de inverno com um período mais crítico. Nessa época, se intensifica a necessidade de eventos públicos locais, sejam eles turísticos ou criados em função de datas comemorativas. A expectativa recai sobre as prefeituras para que, por meio de editais em parceria com a FGTAS, abram espaço para a exposição do que é feito pela comunidade de artesãos. Além da infraestrutura (estandes) e da segurança inerentes, essas oportunidades se refletem na autoestima do profissional, que se sente valorizado, e no fortalecimento da categoria.
O potencial das redes sociais para escalar vendas ainda é um campo a ser explorado pelo segmento, muito pelo perfil médio dos artesãos, mais maduro, ou seja, uma geração cuja desenvoltura com plataformas digitais precisa ser conquistada. A maior concentração está na faixa etária de 50 a 70 anos, com predominância de mulheres (80% dos cadastros).
O contato direto com o cliente é a principal forma de concretizar a transação - o que, de novo, aumenta a importância de eventos locais que abriguem os expositores - assim como parcerias com comércio e participação em Casas do Artesão ou de Economia Solidária. Também não é significativa a participação dos artesãos do Litoral em feiras maiores, em outros municípios ou Estados. Portanto, por diferentes ângulos, as iniciativas municipais ganham relevância. Os artesãos tradicionalmente produzem em residência, de forma individual ou familiar. "Loja própria tem custo elevado ao artesão individual. A divulgação ainda mais usual são espaços de comercialização promovidos pelo município, com a oferta entre vizinhos e amigos", explica Denis Costa.
Outro ponto que pesa na oscilação econômica da atividade é que, em grande parte, não são produtos de primeira necessidade. Artesanato é sobre identidade regional. Os produtos reforçam o sentimento de pertencimento. "O Litoral é uma região em que a atividade do artesanato é muito forte durante o ano inteiro, principalmente pela presença de turistas", afirma Gilmar Sossella, secretário de Trabalho e Desenvolvimento Profissional do Rio Grande do Sul.
Por meio de seminários regionais, a pasta busca promover nos artesãos a consciência de agregar valor aos seus produtos, criar novas coleções traduzindo nelas pontos de referência dos municípios. "Isso é o que o turista busca quando ele vai ao Litoral, ele quer uma lembrança que fale da cidade, que fale dos pontos turísticos", entende o secretário. A exclusividade é uma característica marcante dos produtos artesanais, uma vantagem diante dos produtos industrializados, feitos de forma padrão.
"A defesa que se faz para o artesanato é o valor agregado ao produto, pela história do artesão, pela forma que ele produz e pela exclusividade da peça. Nenhuma peça é igual a outra. O grande diferencial está em apresentar o produto com esse resgate da forma, do sentimento e da transformação aplicada à matéria prima, que como resultado final apresenta produtos únicos e exclusivos", ressalta Denis Costa.
A sustentabilidade é outro apelo forte no ramo dos artesanatos. Há profissionais que se valem de sucata, reciclagem de plásticos, metal, entre outros artefatos que iriam para natureza, incluindo o reaproveitamento de tecidos, a exemplo da técnica do patchwork.
Entre as matérias-primas mais comuns usadas no artesanato do Litoral, estão fibras, a exemplo da fibra da bananeira, muito comum na região de Maquiné e Osório, e a escama de peixe, na confecção de acessórios e bijuterias. Mesmo assim, a maior parte da produção usa materiais manufaturados, como fios e tecidos, adquiridos no comércio local - ou seja, a produção impacta em outros segmentos.
 

O artesanato das praias gaúchas em números e Vendas subindo em todo o Estado

  • 8.843
É o número de artesãos, do Litoral Norte, cadastrados no Programa Gaúcho de Artesanato. O dado é da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Profissional.
  • 6.930
É o total, entre os cadastrados, de artesãos ativos, com a carteira do artesão, na região. A informação é da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Profissional.

Comunidade cresce desde a pandemia por Covid-19
Em 2022, a FGTAS cadastrou 262 novos artesãos na região que engloba Litoral. Um ano depois, foram mais 290. Em 2024, além de 521 renovações de carteiras profissionais, a fundação registrou mais 317 novos artesãos.
  • 46.939
É o número de peças comercializadas em 2024, nas localidades litorâneas com maior movimentação de Notas Fiscais do Artesão, para transporte ou venda de mercadorias, segundo dados do Programa Gaúcho de Artesanato (Osório, Torres, Xangri-lá, Capão da Canoa, Imbé, Tramandaí, Cidreira, Imbé e Balneário Pinhal). Essas quase 47 mil peças correspondem a 511 notas fiscais emitidas e a R$ 259.938,71 em negócios.
  • R$ 184.388,00
Foi o volume de negócios realizados durante a terceira edição da ArteNorte - Feira de Artesanato do Litoral Norte – Economia Criativa Feita à Mão, um dos maiores eventos ligados ao segmento no Litoral. O montante não inclui as 284 encomendas (que somaram R$ 8.397). O evento ocorreu no final do ano passado, no Largo do Baronda (Av. Beira Mar) com 90 estandes e 147 artesãos de 21 municípios (principalmente do Litoral Norte mas não somente). Foram comercializadas 3.895 peças durante 4 dias.
  • R$ 55 mil
Foi o volume de negócios firmados pelos artesãos que participaram da Feira Nacional do Abacaxi, em Terra de Areia, em dezembro passado. Entre diversas atrações, o evento reservou 44 estandes para artesanato nos quatro dias de feira. Está entre os mais elogiados eventos recentes envolvendo a comunidade artesã.
  • R$ 38,4 mil
Foi o volume de negócios realizados pelos cerca de 50 artesãos que participaram da primeira edição da XangriArte, em Xangri-lá (Praça Ramiro Côrrea), realizada pelo município em março do ano passado. O grupo vendeu quase 1 mil peças no total.
Vendas subindo em todo o Estado
Considerando a emissão das notas fiscais de artesãos cadastrados na FGTAS, confira o desempenho da atividade nos últimos cinco anos nos municípios gaúchos:
  • 2020
- R$ 32.916.768,22 em vendas
- 1.866.528 peças comercializadas
  • 2021
- R$ 29.397.972,24 em vendas
- 1.821.746 de peças comercializadas.
  • 2022
- R$ 36.132.865,00 em vendas
- 2.119.115 peças comercializadas.
  • 2023
- R$ 42.278.929,92 em vendas
- 1.778.167 de peças comercializadas.
  • 2024
- R$ 45.898.215,60 em vendas
- 2.394.687 de peças comercializadas.


O artesanato representa aproximadamente 3% do PIB Nacional.

O tamanho da comunidade litorânea

Empresas & Negócios - especial artesanato no Litoral - arteNorte feira Divulgação

Empresas & Negócios - especial artesanato no Litoral - arteNorte feira Divulgação

ArteNorte/Divulgação/JC
Número de artesãos cadastrados e ativos por município, segundo a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Profissional

Onde e quando prestigiar o artesanato das praias do Litoral Norte

A exposição do artesanato produzido nas cidades litorâneas se vincula, em grande parte, a eventos do calendário turístico, de datas comemorativas e feiras locais. É por meio de editais via prefeitura e FGTAS que os microempreendedores do segmento conquistam espaço gratuito em estandes. Confira a seguir oportunidades de conhecer o artesanato da região o ano todo:
Balneário Pinhal
Realiza a Feira Arte e Cultura, aos sábados, das 13h às 17h, na Rua Coberta, junto ao Osso da Baleia, no centro. Espaço permanente: Casa do Artesão (Av. Castelo Branco, 527, loja 2).
Capão da Canoa
Tem sua feira de produtos artesanais todos os sábados (às vezes, no domingo também), na Praça Flavio Boianovski (Av. Flavio Boianovski, 2, Zona Nova).
Cidreira
Durante o veraneio, a prefeitura disponibiliza vagas para exposição de artesanato no calçadão Kanitã (Av. Beira Mar, 1258) e também junto à Concha Acústica. Segundo a Secretaria de Indústria e Comércio, haverá espaço para o artesanato local em todos os eventos promovidos ao longo do ano, como as feiras do livro e da Páscoa (abril), o 1º Festival de Balonismo (previsto para maio) e a Festa do Camarão (prevista para agosto).
No último Dia do Artesão, comemorado em 19 de março, foi lançado o edital para atualizar os cadastros de artesãos ativos na cidade. O objetivo é garantir que estejam aptos a participar dos eventos promovidos pela prefeitura.
Imbé
Realiza o Brique de Imbé nos primeiros e terceiros sábados de cada mês. O espaço fica junto à orla do Rio Tramandaí, próximo ao cruzamento da Avenida Nilza Costa Godoy com a Rua São Leopoldo, no Centro, e é disponibilizado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico,
Os artesãos locais também são incluídos em eventos promovidos pelo município. No ano passado, foi criado o Selo Feito em Imbé - Produto Artesanal, com o objetivo de diferenciar e promover o que é feito pelos artesãos locais.
Espaços permanentes: Casa do Artesão de Mariluz (Avenida Mariluz, no balneário Mariluz) e a Casa do Artesão do Guia Corrente (Av. Beira-mar esquina com a Av. Nilza Costa Godoy, Centro).
Torres
Artesanatos são expostos aos sábados, das 9h às 18h, intercalando dois locais a cada final de semana: Praça Getúlio Vargas (Rua Bento Gonçalves) e Praça XV de Novembro (Av Silva Jardim). Durante a alta temporada, amplia para de quinta a domingo, das 16h às 22h.
Espaço permanente: Casa da Terra e do Artesanato (Av. Barão do Rio Branco, 315 - Centro). Para breve, está previsto edital oportunizando que mais artesãos possam participar do espaço cedido pelo município. Tudo o que é vendido na casa tem o selo "Feito em Torres". O balão é onipresente, nos mais variados formatos e materiais.
Tramandaí
Realiza uma feira de artesanato a cada 15 dias na Praça General Müller, na esquina da Avenida Beira-Mar com a Avenida da Igreja. Espaço permanente: Casa do Artesão (Av. Emancipação, 407). A casa comercializa os produtos e promove oficinas desde 1983.
 

'O artesanato do Litoral como um todo já é muito bom', diz Sossella

Empresas & Negócios - especial artesanato no Litoral - secretário Gilmar Sossella  CREDITO Keila Marques

Empresas & Negócios - especial artesanato no Litoral - secretário Gilmar Sossella CREDITO Keila Marques

Keila Marques/Divulgação/JC
De acordo com o secretário de Trabalho e Desenvolvimento Profissional, Gilmar Sossella, os seminários do programa Artesão em Foco não serão atividades isoladas. O contato com artesãos iniciado durante as edições realizadas em Capão da Canoa (em 2023), Imbé (em 2024) e Torres (em março deste ano) seguirá por meio virtuais, enquanto o projeto vai se expandindo para outros municípios do Estado. Entre as ações previstas está o lançamento de videoaulas abordando temas específicos para quem já participou dos seminários.
A pasta reconhece a importância da atividade do artesanato como fonte de renda na região, principalmente associada ao turismo, e planeja apoiar os pequenos empreendedores do segmento em pontos específicos do desenvolvimento do negócio. Entre os quais, apostar mais em capacitação para uso do marketing digital, criando novos canais de venda, principalmente na baixa temporada. "Os artesãos precisam ter canais fortes nas redes sociais, para que consigam manter suas vendas e garantir sua geração de renda durante todo o ano", comenta o secretário na entrevista a seguir.
Empresas & Negócios - Estão previstos novos projetos envolvendo a categoria dos artesãos gaúchos?
Gilmar Sossella - A ideia é que o programa Artesão em Foco tenha continuidade, principalmente em cidades que a gente não visitou ainda, mas também de manter contato com os artesãos que já participaram em uma das edições. Nós temos grupos de mensagens com esses artesãos para informar sobre editais e capacitações, mas também com o intuito de fazer encontros virtuais. A ideia é que, nesse ano, façamos três encontros virtuais e que possamos envolver artesãos de todas as regiões do Estado. Também pretendemos, dentro da nossa programação do Artesão em Foco, lançar videoaulas abordando temas específicos para quem já participou dos seminários.
E&N - A partir da visão geral da produção artesanal gaúcha, como se caracterizam especialmente os artesãos do Litoral?
Sossella - A diversidade é a grande característica do Litoral. Além das suas técnicas e também pelos materiais que utilizam. Nas edições dos seminários realizados, tivemos contato com artesãos que são mestres em técnicas como frivolite, croché, bordado, também especialistas em madeira e pintura. Em Imbé, Capão da Canoa e Torres, encontramos peças lindíssimas que dificilmente se encontram em outra parte do Brasil, tamanha a técnica utilizada.
E&N - E quanto à produção, o que é próprio dessa região?
Sossella - Reflete muito o ambiente costeiro, pela influência litorânea. Muitas matérias-primas são específicas da região, como conchas e areia da praia. Fibra de butiá também a gente percebeu muito sendo utilizada na confecção de cestos, bolsas, objetos de decoração. Madeira de reaproveitamento, como galhos trazidos pelo mar, também são muito utilizados para fazer esculturas, painéis, móveis mais rústicos. Tecidos e rendas, como redes de pescadores, também são muito utilizadas em bordados, bonecas de pano e vestuário.
E&N - Quais os pontos que precisam ser melhorados para impulsionar a atividade no Litoral?
Sossella - O artesanato do Litoral como um todo já é muito bom, mas alguns pontos, claro, podem ser melhorados. Entre eles, a identidade regional de cada produto, a criação de uma coleção para cada história que é contada. Se você tem um produto de uma história, ele tem um valor, mas se você tem três produtos da mesma história, por exemplo, você já tem um valor agregado muito maior e isso reflete diretamente na geração de renda daquela venda. Essa é a nossa ideia, trabalhar alguns pontos específicos, apostar muito no marketing digital, criando novos canais de venda, principalmente na baixa temporada, que é quando tem a baixa de turistas na região e, por isso, os artesãos precisam ter canais de venda forte nas redes sociais, para que elas consigam manter suas vendas e garantir sua geração de renda durante todo o ano.
E&N - Qual é a importância econômica da produção artesanal no Litoral? Há algum dado sobre isto?
Sossella - Nós não temos números específicos mas a importância é muito grande através das percepções que tivemos nas edições que realizamos em Imbé, Capão da Canoa e Torres. Muitas artesãs tiram o sustento da casa através de suas vendas, pagam o estudo de seus filhos e ainda vivem da renda de suas criações. Essa é uma atividade e uma fonte de renda muito presente nos três municípios. Se formos ampliar esses números a nível de Estado, hoje nós temos cerca de 95 mil artesãos cadastrados no Programa Gaúcho de Artesanato, sendo que 65 mil estão ativos com a carteira do artesão e 85% são mulheres. Aliás, isso reflete nas participações das edições que realizamos, onde 90% são mulheres, chefes de família, que trabalham de forma individual ou em cooperativas.
 

As principais iniciativas de apoio aos artesãos

Artesão em Foco
Por meio desta iniciativa, a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Profissional busca capacitar e motivar os artesãos sobre a importância de suas produções e da identidade que elas trazem quanto à cultura local, em um processo de valorização e fortalecimento do artesanato como fonte de economia solidária.
Por meio de seminários, os participantes têm a chance de aprimorar as técnicas artesanais e adquirir noções básicas sobre marketing digital, design territorial, curadoria e avaliação de produtos. Em 2023, quando teve início o atual formato do programa, foram realizadas 24 edições - apenas uma no Litoral Norte (Capão da Canoa). No ano seguinte, foi a vez de Imbé receber a iniciativa, junto com outros cinco municípios do Estado. Em março de 2025, o Artesão em Foco foi até Torres duas vezes.
No início do mês, reuniu mais 30 artesãos. A programação incluiu noções de design territorial, avaliação de produtos, posicionamento, comunicação e vendas nas redes sociais, além do aperfeiçoamento de técnicas. E, para o dia 28, estavam previstas palestras, oficinas, workshop e o serviço de avaliação e renovação da Carteira de Artesão. A secretária de Trabalho, Indústria e Comércio de Torres, Patrícia Cândido, reforça que estas ações são de "suma importância" para o município, reforçando ainda mais o comprometimento com os artesãos.
Para maio, a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Profissional do Estado prevê nova chamada para os 22 municípios, dando continuidade à realização dos seminários.
Programa Gaúcho de Artesanato
Incentiva a profissionalização dos trabalhadores e fomenta a atividade com políticas de formação, qualificação e orientação ao artesão. Faz o cadastramento do artesão. Com a Carteira de Artesão, a pessoa é reconhecida como profissional autônomo, o que possibilita contribuir para a Previdência Social, emitir notas fiscais de vendas, com a isenção do ICMS, e obter declaração de rendimentos. O cadastramento é condição para participar de feiras e exposições com a ocupação de espaços gratuitos (no Brasil e no Exterior). Os artesãos são atendidos nas Agências FGTAS/Sine dos municípios. Ficar de olho nos editais faz parte do trabalho do artesão: https://www.artesanatogaucho.rs.gov.br/editais-abertos
Programa Artesanato Brasileiro - PAB (do governo federal)
A FGTAS é a representação estadual deste programa, que permite obter subsídios e gratuidade na constituição de perfis comerciais em redes de e-commerce, a exemplo Mercado Livre, Amazon. O artesão também pode receber subsídios no transporte de mercadorias, em parceria com os Correios. Ainda, estão disponíveis fontes de fomento, por exemplo: Lei Aldir Blanc, Paulo Gustavo, LIC, entre outras. 
Atualmente, não há linha de crédito específica ao artesão. A FGTAS, no entanto, por meio do Programa Empreender (www.fgtas.rs.gov.br/espacodoempreendedor), divulga canais e operadoras de microcrédito produtivo orientado, que são instituições que ofertam créditos de pequeno valor para pessoas físicas, sem grandes exigências de garantias, inclusive com orientação e apoio na utilização do recurso, destinado ao capital de giro e investimento.
 

'Até hoje eu escuto: 'mas tu vives disso?'

Zenaidir, artesã de profissão, participa de diversas feiras pelo País

Zenaidir, artesã de profissão, participa de diversas feiras pelo País

Zenaidir Carpes/Arquivo Pessoal/JC
Artesã é a profissão de Zenaidir Carpes há mais de 45 anos. Combinando metal e pedras, suas joias artesanais produzidas em Capão da Canoa, onde mora há 35 anos, representam o Estado em importantes feiras pelo País, como a Fenearte, de Pernambuco, a maior feira de artesanato da América Latina, e a Fenacce, no Ceará.
"Me firmei com dificuldade. A arte não é conto de fadas. Quando a gente é jovem, vê de uma maneira romântica. Até hoje não é fácil", comenta, relembrando que passou a se dedicar à atividade por volta dos 24 anos, ao optar por uma vida mais perto da primeira filha. No início dos anos 1980, já tinha a sua carteira de artesã, ainda em Porto Alegre, depois de deixar a cidade natal, Alegrete. Autodidata, desenvolveu sua técnica e arte numa época em que não existia "pesquisar internet" e que quem tinha o conhecimento não compartilhava. "Como mulher e chefe de família, a gente é desafiada", afirma. "Até hoje ouço isto: 'mas tu vives disso?'".
A resposta é sim, com duas filhas criadas e emancipadas, um espaço físico fixo no centro do município e atenção total a cada novo edital publicado, abrindo inscrições para feiras locais ou fora do Estado. "Minha produção está sempre adiantada, estou sempre preparada", avisa.
A instabilidade faz parte do dia a dia do artesão independente. Estar inscrita em um edital não é certeza de que vai participar da feira - e esses eventos são a grande oportunidade para os empreendedores do ramo. Ainda assim, nunca se sabe o resultado: "Posso vender R$ 20 mil num evento, R$ 300 ou nada", explica.
As feiras, acrescenta, são exaustivas. Em muitos casos, a oportunidade significa o artesão se responsabilizar por logística e segurança, o que significa erguer por si um gazebo e ficar sempre de olho, depois desmontar para fazer tudo de novo no dia seguinte. É um trabalho solitário, porque contratar ajuda representa custo, reduzindo a margem de lucro.
Com tanto tempo na atividade, especialmente no Litoral Norte, ela afirma de forma categórica: "Baita diferença agora. A ArteNorte, realizada em Capão e que envolve toda a região, é um exemplo. Antes, o movimento era só no verão, na temporada. Hoje tem oportunidades para o artesanato no calendário de eventos dos municípios, o consumidor valoriza. A população cresceu muito na pandemia e nas enchentes", avalia.
A longo prazo, já pensando em sua aposentadoria, estuda ministrar cursos, compartilhando o que aprendeu manuseando cobre, latão, fios, vergalhões (boa parte descarte de indústria) com solda. "Durante a pandemia, ministrei algumas oficinas e gostei da experiência", conta.
 

Feira é vida, é saúde para mim'

Valquíria comemora neste ano um dos melhores resultados dos últimos tempos

Valquíria comemora neste ano um dos melhores resultados dos últimos tempos

Valquiria Riquinho/Arquivo Pessoal/JC
Artesã regular há mais de 20 anos, Valquíria Riquinho comemorou neste ano um dos melhores veraneios dos últimos tempos. "Estou vendendo bastante. O crochê está em alta", atesta. No gazebo comprado como investimento para o negócio, podem ser vistos, durante o verão, modelos de cropped, shortinho, saia e uma aposta atendendo a pedidos: camiseta masculina. Quando o calor vai embora, é a vez de golas, cachecóis e casacos.
Moradora de Capão da Canoa há 14 anos, participa regularmente da feira que, aos sábados, reúne os empreendedores de artesanato da cidade. Está sempre em produção nos dias úteis, a fim de aproveitar cada oportunidade de contato com a clientela nos finais de semana. Celebra a participação em grandes eventos, como as três edições da ArteNorte, além dos realizados em municípios próximos. No dia da conversa com a reportagem, se preparava para participar de um bazar na cidade de Osório.
"A feira é vida, é saúde pra mim. Mudou a minha vida", revela. Os primeiros contatos com o crochê se deram por meio da sogra. Depois, fez curso em Caxias do Sul. No início dos anos 2000, por causa de um tempo ocioso para se recuperar de uma cirurgia no coração, retomou a atividade para nunca mais largar. O resultado era vendido para amigas e familiares. Não consegue nem imaginar sua vida sem o artesanato. "Sem isso, eu ia me sentir perdida. Desde que comecei a ir às feiras, nunca mais fiquei doente", garante.
O máximo que já vendeu em um dia de feira chegou a 10 peças, fora as encomendas. A média "normal" de um bom dia de vendas fica entre seis e oito. A renovação do estoque e as encomendas vão preencher completamente seus dias seguintes até o próximo sábado. Falta tempo para se dedicar à comercialização pela internet, por exemplo.
Seu maior canal de venda é mesmo o direto e presencial, nos eventos ou via indicação de quem já adquiriu uma peça. "Faço com amor. Não deixo um fiapinho. Se erro um pontinho, desmancho e faço de novo", explica. Tem peças suas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha. É o boca a boca e o retorno satisfeito de clientes que sustentam a atividade, que vai muito bem, embora não se caracterize sua principal renda.
 

'Produzir para mim é uma terapia, entro em outra órbita'

Daiane diz que um dos desafios é o custo do frete para as vendas online

Daiane diz que um dos desafios é o custo do frete para as vendas online

Daiane Maron/Arquivo Pessoal/JC
Quando completou 15 anos, ao invés da festa tradicional, Daiane Maron de Matos - hoje à frente da Rota Tapetes, em Terra de Areia - pediu de presente uma máquina de costura. Mesmo com a tendência pelo criar e pelo trabalho manual desde jovem, foi em 2018 que, durante uma viagem a São Francisco do Sul (SC), encontrou sua grande paixão: o tear.
Estabelecida como artesã há cerca de sete anos, com atelier e loja fixa na cidade, a jornada até os dias atuais não foi fácil. "Quando conheci o trabalho com tear e os tapetes, eu não tinha a menor noção de como se fazia. Na época, os teares vinham de fora do País, inclusive", relembra. Por conta da filha pequena, diante da primeira oportunidade de curso, ainda no Estado vizinho, enviou a mãe, para que ela depois lhe passasse o ofício. "Quando chegou a hora, ela não conseguiu me ensinar, era outro tear com outra técnica. Ela fez um tipo de tear para mantas e cortinas… mas eu queria o tapete de malha. Resumindo: aprendi na raça e na teimosia", garante.
Para conseguir o primeiro equipamento de tear, demorou um ano, entre pesquisar modelos e conseguir marceneiros ou empresas que o fornecessem. Depois encarou as frustrações do jogo "expectativa versus realidade": até conseguir fazer seu primeiro tapete apto para a venda, levou mais de quatro meses. A teimosia valeu a pena. A atividade como artesã não só "salvou" economicamente a família durante a pandemia (o marido, transportador, ficou em casa sem trabalho por mais de um mês), como é fruto de muita satisfação pessoal para ela.
"O artesanato é uma renda que faz diferença para mim e para o meu marido. Durante a pandemia, foi muito importante para nós. Se eu não tivesse o trabalho com tapetes, seria complicado de ele conseguir voltar a viajar. A transportadora tem custos fixos altos, que conseguimos saldar e deixar tudo nos conformes para o caminhão voltar para a estrada", conta a artesã. "Sou muito realizada com os tapetes. Cada vez que venho para a loja e começo a produzir, é como se eu entrasse em outra órbita. É uma terapia para mim", completa.
Ela usa fio de malha e algodão felpudo na produção, englobando fio residual de fábrica e outro mais premium selecionado. A clientela identifica um bom custo-benefício, já que os tapetes são duráveis e fáceis de lavar na máquina. A mãe e a irmã também se juntaram ao artesanato e comercializam no mesmo espaço - embora, para elas, seja uma renda complementar. "Eu digo para o meu marido quando ele está em casa, sem entregas: "já te arrumo um tapete para fazer", brinca.
A maior parte da venda de seus produtos acontece via rede social e por indicações. O principal desafio é o custo do frete. Isso não impediu, no entanto, que seus tapetes cruzassem a fronteira gaúcha. Daiane tem uma cliente em Belém do Pará. Os períodos de maior demanda são em novembro e dezembro, quando o pessoal começa a "descer a Serra" rumo ao Litoral, para abrir a casa, e no retorno do veraneio. Ela explica: "Ficamos na Rota do Sol, a maior parte dos meus clientes vem da Serra". Recentemente, começou a participar das feiras. "Vale a pena, principalmente durante o ano, na baixa temporada. Também é legal pelo contato com outros artesãos e seus trabalhos", destaca.
 

Do lixo para o luxo

Carmen e o esposo Sérgio entraram no ramo em decorrência da pandemia

Carmen e o esposo Sérgio entraram no ramo em decorrência da pandemia

Carmen dos Santos/Arquivo Pessoal/JC
Funcionários públicos aposentados, Sérgio e Carmen dos Santos encontraram no artesanato muito mais do que uma renda extra. Foi durante a pandemia que o hobby eventual da marcenaria, conhecido entre amigos, acabou se tornando um negócio. O casal chega a participar de uma média de 15 feiras por ano. No período de alta demanda, como os meses de veraneio, a produção se intensifica com pedidos de encomendas - quatro por mês, em média.
"O artesanato é uma forma de vida. Fazemos porque gostamos e, ao longo do tempo, torna-se um negócio. Para termos sucesso, é preciso contar com parceiros cujo conhecimento e dedicação nos auxiliem, como a FGTAS, a Emater e as prefeituras municipais. Ser empreendedor, por si só, já é um desafio. No artesanato, com o tempo vai fazendo teu nome", explica Sérgio.
O casal criou a marca Tudo Recicla. Mas reconhece que, como renda principal - que não é o caso deles - fica difícil manter um padrão econômico o ano todo. As feiras são fundamentais, na divulgação dos produtos e no troca-troca de conhecimento entre os pequenos empreendedores do ramo. Sérgio acredita que mais municípios da faixa leste do Estado podiam incluir em seus eventos turísticos espaços para os artesãos.
"A melhor parte de ser artesão, além de fazer o que amamos, é o convívio com as pessoas, temos muitos amigos nesse meio", comentam. Moradores do Litoral há 16 anos, o tempo dedicado às técnicas de marcenaria começou quando se mudaram para Xangri-lá (depois de residirem em Tramandaí), há sete. "Eu comecei a fazer suportes de madeira reciclada para flores e, em seguida, passei a produzir lareiras ecológicas. Durante a pandemia, minha esposa criou seus próprios artesanatos utilizando sobras de madeira. Desde então, formamos uma parceria e o nosso artesanato se tornou único", conta ele. A matéria-prima é sucata e madeira, encontrada em qualquer lugar onde haja descarte de madeira, isopor e arame. O casal costuma apresentar seu trabalho assim: "Do lixo para o luxo".
O investimento é contínuo, seja na criação de novos produtos, seja na aquisição de ferramentas que facilitem a confecção das peças, sem tirar a essência do artesanato manual. Sérgio comenta: "O grande desafio é a ideia de que o artesanato deve ser barato, sem levar em conta o tempo e a singularidade dessa arte, o que torna difícil fazer duas peças iguais. Isso é o que chamamos de artesanato".
O casal também ministra um curso uma vez por semana na Associação Dignidade de Capão da Canoa. A associação atende famílias carentes mediante cadastro e vagas, oferecendo oficinas no contraturno para crianças e, por meio do Projeto Vida, atendendo as mães com psicóloga e oficina de artesanato.
 

 * Loraine Luz é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Atua como freelancer desde 2007, depois de 12 anos de experiência em redação de jornal impresso.

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