Letalidade, mortalidade, incidência, número de casos, número de óbitos, percentual de ocupação de leitos de UTI. Quem tem acompanhado a cobertura da imprensa a respeito da pandemia do novo coronavírus já deve estar familiarizado com todos esses termos. Eles são dados e parâmetros utilizados para mostrar o modo como a doença está se propagando, e tentar projetar o que ainda está por vir. No entanto, diante de tantos índices, quais deles são mais importantes e devem ser levados em consideração, no atual momento, quando se quer apresentar um quadro mais próximo da realidade?
Primeiramente, é preciso entender o que cada um desses termos quer dizer. Se os números de casos e óbitos são absolutos, ou seja, correspondem à quantidade de ocorrências de fato computadas, por outro lado, letalidade, mortalidade e incidência são índices que levam outros dados em consideração (confira no quadro).
Todos eles trazem uma fotografia do quadro real da pandemia. Juntos, indicam um cenário amplo e correspondente à realidade. Separados, mostram recortes, alguns mais nítidos do que os outros.
Um dos indicadores que, no cenário brasileiro, mostram uma imagem embaçada é o da incidência. Como se baseia no número de casos confirmados, o índice subestima o avanço da pandemia, na medida em que há considerável subnotificação de casos no País.
Além disso, a comparação de situações de países, estados ou cidades que aplicam testes de modo diferente torna um ranking de incidência pouco significativo. Se um estado aplica menos testes em sua população, sua incidência será menor, mesmo que a pandemia esteja mais alastrada em seu território do que em outro estado que aplica mais testes e, em razão disso, apresenta uma incidência maior.
Conforme o principal inquérito epidemiológico realizado até o momento no Brasil - pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) -, para cada caso notificado no Rio Grande do Sul há outros nove que não foram reportados às autoridades sanitárias. Assim, uma taxa de incidência que se sustenta no número de casos confirmados mostra um cenário parcial, o que pode, inclusive, levar a tomadas de decisões equivocadas por parte dos gestores públicos.
Outro índice utilizado tanto pelo Ministério da Saúde quanto pelas secretarias estaduais e municipais é o da letalidade da Covid-19. A letalidade aponta o quão grave é a doença, indicando quantas pessoas que contraem o vírus acabam falecendo. O indicador, no entanto, também leva em consideração os casos confirmados, que são consideravelmente menores do que os reais. Assim, acaba, também, por apontar para uma taxa distorcida.
"As taxas de incidência e de letalidade incluem, em sua fórmula, os 'casos novos', isto é, os que são confirmados e notificados. Sabemos pelas pesquisas periódicas lideradas pela UFPel que o número de infectados pode ser cerca de dez vezes o número de casos registrados. Logo, a incidência está subestimada e a taxa de letalidade, superestimada", afirma o professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Jair Ferreira. Conforme o doutor em Clínica Médica, seria melhor chamar a incidência de "taxa de detecção" e a letalidade de "taxa de letalidade aparente".
Paulo Petry, também doutor em Epidemiologia pela Ufrgs e professor da Faculdade de Odontologia da universidade, salienta que a subnotificação afeta o trabalho dos pesquisadores. "De fato, o cenário ideal seria a testagem em massa da população, mas, como isso tem se mostrado impossível, trabalhamos com as estatísticas oficiais", destaca.
No que diz respeito aos números absolutos, Ferreira aponta que eles dão uma falsa impressão de gravidade do problema. Como exemplo, o epidemiologista cita as situações de Passo Fundo e Porto Alegre. A Capital tem apenas um óbito a mais por Covid-19 do que a cidade do Noroeste gaúcho. "Mas é óbvio que, tendo 200 mil habitantes contra os 1,5 milhão de Porto Alegre, o risco de um passo-fundense morrer é 7,5 vezes mais alto do que o de um porto-alegrense", destaca.
Dessa forma, Ferreira afirma que o melhor indicador para observar a tendência da epidemia e para comparar diferentes áreas é a taxa de mortalidade. "A taxa de mortalidade, de um modo geral, acompanha a taxa real de incidência e o número de óbitos é menos sujeito ao sub-registro", afirma.
Número de leitos ocupados indica pressão nos hospitais
Outro dado que tem sido levado em consideração por governos para definir políticas públicas em meio à crise sanitária é o que mostra o percentual de ocupação de leitos hospitalares. No Rio Grande do Sul, ele é um dos fatores principais na elaboração do chamado distanciamento controlado colocado em vigor pelo governo do Estado.
O professor Ferreira salienta que essa taxa é um é um bom indicador operacional, pois revela como está a capacidade instalada para tratar os casos mais graves da doença. O epidemiologista aponta que um indicador relacionado a este, que pode ser acompanhado dia a dia, é o número de pacientes em tratamento. Tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria Estadual da Saúde, publicam diariamente este dado com o nome de pacientes em recuperação-ativos. "Quando este número cresce, significa que está aumentando a pressão sobre os hospitais e, consequentemente, deve-se esperar um crescimento no número de óbitos."
Ainda que não mostrem isoladamente o panorama completo, que acabem sendo distorcidos pela subnotificação, e que alguns apresentem um cenário mais próximo do real do que outros, Petry alerta que é necessário estar atento a esses indicadores. "Algumas medidas deveriam fazer parte de políticas permanentes de saúde. Infelizmente, só agora muitos percebem a importância da valorização dos trabalhadores da saúde, do SUS e de como a falta de investimentos na pesquisa científica pode cobrar um preço tão elevado", enfatiza.