O varejo gaúcho está mega ligado no que o governador Eduardo Leite
vai decidir sobre o futuro do funcionamento do setor a partir de quinta-feira (16). O decreto que determinou o fechamento de quase todo o comércio, restando os considerados essenciais, vence nesta quarta-feira (15). O presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, manda um recado sobre o que espera do ocupante do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho: "A gente só tem uma saída: abrir ou abrir".
Bohn falou com o Jornal do Comércio na manhã desta terça-feira (14), direto de seu home-office, em sua residência em Porto Alegre. O dirigente diz que vem recebendo telefonemas de empresários e até prefeitos que clamam pela flexibilização da medida.
O dirigente diz que tentará falar com Leite ainda nesta terça para passar a expectativa do setor. "Cem mil pequenas empresas vão fechar", projeta ele, que admite que não gostaria de "estar na pele do governador" neste momento devido à pressão e responsabilidade sobre as medidas. "Preciso dizer a ele que não podemos esperar mais."
O setor já tem um protocolo pronto, com medidas para uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que já está sendo repassado a empresas para preparar um eventual retorno, onde houver liberação. Porto Alegre, por exemplo, tem fechamento projetado até 30 de abril. Bohn defende que os clientes usem máscara sempre. Ele chegou a ficar em quarentena, pois viajou a Portugal e voltou a Porto Alegre em 9 de março.
Jornal do Comércio - Qual é a situação do comércio no RS?
Luiz Carlos Bohn - Com toda a segurança para a saúde, precisamos retornar às atividades do comércio. Já está sendo um caos. Não dá mais para ficar como está. Se tivermos de voltar a fechar de novo, a gente vai ter de fazer. Mas não tem como segurar isso mais. Está bem complicado.
JC - O que tem de informação e relatos sobre os impactos?
Bohn - Recebo muitos telefonemas, até de prefeitos dizendo: 'Presidente, por favor, eu quero para mim isso, quero poder liberar". Digo a eles para ficarem tranquilos, pois acredito que o governador vai fazer isso. A gente nem está falando em coisas piores que estão acontecendo, como a seca no Estado. Não tinha sido feito decreto de calamidade 'até ontem' para que os produtores possam acessar seguro agrícola. Mas não se fala disso, porque o problema é só o coronavírus, claro, é compreensível.
JC - O senhor entende que tem de voltar em todas as cidades ou que em alguns locais com maior incidência da doença é preciso ter uma ação diferente?
Bohn - A gente concorda que Porto Alegre e Região Metropolitana talvez não devam ter o mesmo tratamento que em outras localidades. Passando aos prefeitos esta condição, e o governador tem se pronunciado sobre esta regra (indicando que pode flexibilizar) - quando tem mais de 50% dos leitos comprometidos com atendimentos, é uma segurança no município. A Fecomércio entregou um protocolo ao governador com detalhes sobre o que a gente pretende fazer nas empresas e vamos obedecer o que o governador e os prefeitos colocarem em seus decretos. A gente sabe que não vai ter um retorno muito significativo à atividade neste momento, até porque as escolas estão sem aulas. Vi em Portugal que os bares e restaurantes tiveram limitação para atuar com 30% da capacidade. Fechar radicalmente aqui foi demais.
JC - O senhor considera que as medidas mais restritivas aqui podem ter freado a disseminação da Covid-19?
Bohn - Não descarto isso, mas não sei se foi primeiro 'o ovo ou a galinha'. O fato que foi bom porque estamos com pouca incidência. Mas o que provocou não sei. Com isso, de novo, a gente queimou a largada, caso estivéssemos em uma corrida, pois começamos muito cedo.
JC - Mas quanto começar mais cedo pode ter evitado a aceleração da doença comparando com outros estados e até países que têm elevado número de casos?
Bohn - Tem tanta controvérsia em relação a isso. Fala-se que na semana a partir do dia 20 entraríamos no pico da contaminação no Rio Grande do Sul. Os efeitos vão ser depois, é o que leio. Vamos ter problemas em maio de morte e consequências dessas duas semanas de pico. Estamos fechados há quase um mês em Porto Alegre (no Rio Grande do Sul, decreto é de 1 de abril). Não vou dizer que não foi bom o confinamento, mas está sendo pesado. Não dá mais para aguentar, esta é a realidade. Queremos voltar com toda a segurança.
JC - O que o senhor espera da medida até esta quarta, quando vence o decreto atual?
Bohn - Estamos torcendo demais que no máximo dia 16, ou nesta quarta (15), o governador passe aos prefeitos verificarem a condição em suas localidades. Ouvi o Leite dizer que 'foi prefeito para as coisas boas e as coisas ruins'. Ele abraçou num primeiro momento as ações, mas agora chega. Está na hora de os prefeitos responderem também. Não dizem que é no município que as coisas acontecem? Vou tentar falar com ele nesta terça. Preciso dizer a ele que não podemos esperar mais.
JC - O que prevê o protocolo entregue ao governador?
Bohn - Entregamos a proposta pessoalmente há mais de uma semana, a partir de um convite do Leite, que se mostrou muito preocupado. Não queria estar na pele dele. Mas todos temos de participar deste momento. Todos vamos ficar mais pobres. Queremos agir para que todos não fiquem mais pobres. O protocolo prevê como vai ser o distanciamento dos funcionários em relação aos clientes, uso de EPIs, máscaras e luvas, número de pessoas limitado na loja. O protocolo foi preparado pela área de saúde do Sesc por profissionais que já atuam em saúde nas empresas. Ele é bem extenso. Isso já foi passado aos setores para orientar quando voltar.
JC - O senhor acha que o consumidor tem de usar a máscara?
Bohn - Acho que demoramos a decidir pela máscara no Brasil porque poderia faltar o item para a área da saúde. Mas agora já surge a orientação das autoridades sanitárias para isso. Tem de universalizar o uso, mas não pode obrigar. Vamos educar as pessoas a usar. O medo vai fazer com que elas usem. As pessoas estão muito assustadas.
JC - Tem setores que estão indo bem na pandemia?
Bohn - Tem, claro que representamos todos os setores. É só olhar o acúmulo de pessoas nos supermercados, que estão lotados de clientes que também compram tênis a artigos de cama e mesa, pois a loja em que eles compravam está fechada agora. Desafogaria um pouco (liberar o funcionamento). Não é justo que só um segmento não tenha sido penalizado.
JC - Se não houver flexibilidade, o senhor acha que deve ser proibida a venda de alguns itens nos supermercados para não prejudicar o varejo que está fechado?
Bohn - Não, não, pois temos livre mercado, só tem de dar oportunidade para todos. Uma flexibilização que pedimos que deu certo foi para que lojistas que atuam com carnês pudessem receber o pagamentos dos clientes, que não estavam conseguindo pagar. Isso foi autorizado na semana passada pelas prefeituras. O grande magazine tem aplicativo, envia o boleto para o cliente, mas o pequeno tem o hábito de receber a prestaçãozinha do mês na loja.
JC - Se for mantida, a partir de quinta-feira, a restrição como está hoje ou para Porto Alegre e demais cidades da Região Metropolitana e outras regiões com maior incidência de Covid-19, como serão os próximos dias para o varejo?
Bohn - A gente só tem uma saída: abrir ou abrir, retornar ou retornar. Nem estamos imaginando que outra coisa possa acontecer. Claro, algumas regiões vai ter restrições e será horrível. Algo tem de acontecer.
JC - As medidas do governo federal têm ajudado a amenizar os impactos em alguns segmentos?
Bohn - Todas são muito boas e necessárias. Estão mais claras agora, com a suspensão dos contratos de empregados, ajuda de R$ 600,00 para informais e microempreendedor individual, suspensão de pagamento do FGTS, transferência de PIS/Pasep para o FGTS. esta é a função do Estado neste momento, já que os estados não têm condição, a União tem. Mas dentro de limites para não correr risco fiscal. O que aprovaram na Câmara dos Deputados para ajuda a estados e municípios não consigo entender. Como o Parlamento consegue criar despesa? Serão R$ 90 bilhões.
JC - Como o senhor espera que estados e municípios deem conta da queda da receita que será bem forte, segundo os gestores, como no RS.
Bohn - É muito confortável. 'Agora não tenho receita e vou receber a complementação do governo federal', aí a inflação e os juros voltam a subir.
JC - No Rio Grande do Sul, a previsão é de queda de 25% a 30% na arrecadação de ICMS ao mês até junho.
Bohn - A saída é apertar gastos. Todos nós vamos pagar a conta. Fica confortável porque a despesa continua igual para estados e municípios. Então,é simplesmente complementar o que fica faltando e fiquem tranquilos. Tem de cortar do lado do setor público também. Tem a PEC emergencial prevendo corte de até 25% nos salários do setor público. É hora para isso. Mas não está se falando nisso. Foi muito exagerado, convenhamos.
JC - O governo estadual vem apontando outras medidas em países que sofrem com a crise do coronavírus como exemplo do que é preciso fazer.
Bohn - São outros países que têm dinheiro, que são ricos. Somos 100 milhões de pobres. Da onde o governo vai tirar este dinheiro? Mas não se mexe no pessoal da 'banda de cima'. Ficou confortável. O governo vai repor a perda de ICMS e ISS. As dívidas dos estados ficam federalizadas e até o fim do ano ninguém paga a dívida. Não acontece nada em termos de cortes? É esse pessoal que está dizendo: 'fique em casa'. Esta é a realidade. Vamos ter milhares de micro e pequenas empresas que vão quebrar. Cem mil vão desaparecer no Estado, hoje são 300 mil.