Alvo de alteração recente, a compra de Solo Criado - índices construtivos - em balcão passará por nova validação legislativa em Porto Alegre. Um projeto da prefeitura revoga a lei de 2019 e, com a experiência destes dois anos de aplicação, propõe mudanças pontuais na regra vigente para a aquisição de índices construtivos sem depender de leilão.
Já vale na Capital a aquisição direta de Solo Criado, conhecida como compra em balcão, em três situações: para índices não adensáveis ou de adensamento pequeno (até 300 m2) e médio (até 1 mil m2), desde que vinculados a um projeto arquitetônico e mediante a disponibilidade de estoque construtivo no quarteirão onde se encontra o terreno. Antes de 2019, era apontado um hiato para os casos médios, sanado com a lei vigente.
Com a nova alteração, serão impactados os casos de grande adensamento (acima de 1 mil m2), que pela regra atual dependem da aprovação de Estudo de Viabilidade Urbanística, o que não está mais previsto pela proposta de lei que chegará à Câmara nos próximos dias. Ainda assim, a compra direta em balcão precisa estar vinculada a um projeto.
A prefeitura também quer manter a possibilidade de substituir o pagamento em dinheiro por obras ou serviços. A regulamentação da contrapartida dependerá de decreto. É o caso da obra na orla de Ipanema, amparada na lei atual e sendo executada pela Melnick como pagamento pela compra de Solo Criado para um projeto no bairro Santa Cecília.
Ainda, fica mantida a criação do Fundo Municipal de Gestão do Território, que receberá os recursos com a venda dos índices de médio e alto adensamento. Antes de 2019, os valores da venda em balcão eram destinados ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, que seguirá recebendo pelos pagamentos de baixo adensamento e não adensáveis.
Em Porto Alegre, a venda de Solo Criado foi instituída em 1994. Esse é o nome popular da outorga onerosa do direito de construir, quando o poder público concede índices (medidos em metros quadrados) em troca de uma contrapartida. Esse índice é a diferença entre o básico (o quanto pode ser construído em qualquer terreno) e o máximo permitido pelo Plano Diretor.
Além da compra em balcão, essa transação pode ser feita com o poder público por meio do leilão de índices, que não vincula a compra ao projeto (neste caso, a venda é por macrozona e a utilização dependerá da disponibilidade no lote que receberá a construção), ou entre particulares, por meio da transferência de potencial construtivo.
Para valer, as alterações dependem de aprovação na Câmara Municipal. A reapresentação resulta de um acordo entre a prefeitura e o Ministério Público Estadual, que questionou uma falha de procedimento no trâmite da Lei nº 850/2019 - como se trata de alteração ao Plano Diretor, precisava passar por audiência pública, o que não aconteceu na época. O vício foi sanado com audiência virtual na quinta-feira passada.
Mudança é comemorada, mas aceitação não é unânime
Classificada como "uma espécie de descomplica" pelo arquiteto Luiz Antonio Gomes, que representa a Região de Planejamento 6 no Conselho do Plano Diretor, a proposta da prefeitura, embora apresente apenas alterações pontuais, é comemorada por setores ligados à construção civil.
Sérgio Saffer, da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura no RS (Asbea/RS), aponta o saldo da nova proposta como positivo. "Mostramos que algumas coisas na legislação não estavam corretas e a prefeitura entendeu que poderiam ser feitas as correções", diz.
Por outro lado, a medida suscita críticas de quem entende que a falha de procedimento apontada pelo Ministério Público (MP) não foi sanada com a audiência em formato virtual.
"Normalmente as contribuições não são anexadas ao texto, há um caráter de rebater ao invés de construir", alega o advogado Felisberto Seabra Luisi, que tem assento no Conselho pela Região de Planejamento 1.
Corrobora essa visão o representante do Sindicato dos Arquitetos no colegiado, Hermes Puricelli, que vê na audiência pública falta de compromisso em atender os pedidos ou acolher as críticas. Ele também demonstra preocupação com a abertura das contrapartidas, que podem abrir margem para distorções.
A ação civil pública movida pela Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística do MP, em junho deste ano, atendeu representação de setembro de 2020 feita pelo "Atua POA Todxs Nós - pelo direito à cidade", coletivo que reúne entidades, movimentos sociais e comunidade de Porto Alegre.
O secretário de Meio Ambiente e Urbanismo, Germano Bremm, explica que, embora entendesse que a alteração anterior não dependia de validação em audiência, a prefeitura propôs um acordo (a reapresentação da proposta legislativa agora em curso) para encerrar o processo judicial e assim evitar a suspensão dos efeitos da lei, com o receio que isso impactasse os projetos que compraram índices neste período.
O grupo Atua POA também questionou a criação do novo fundo para destinar os recursos com a venda de índices, bem como o fundo que recebe valores do leilão. Estes pontos não foram alvos da ação.