Em meio a aplausos e gritos que lembram o embate retórico narrado por quem vivenciou a revisão anterior, a Conferência de Avaliação do Plano Diretor de Porto Alegre terminou nesta quinta-feira, com a votação de propostas que poderão compor o projeto de lei da revisão.
Para a prefeitura, o saldo é positivo. "Durante a semana, ter essa representatividade nos três dias, no primeiro com palestra, depois o debate mais aprofundado, é cansativo muitas vezes, e a população está aqui até essa hora, um grande número de pessoas participando e usando em todas as oportunidades o microfone, é positivo", avalia o secretário municipal Germano Bremm, da pasta de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade.
A visão, no entanto, não é consenso: foram registradas três manifestações contestando o formato da atividade. Ainda na terça-feira, primeiro dia da conferência, o Coletivo AtuaPOA divulgou uma carta apontando "preocupação diante da ausência de participação social ativa, metodologia clara e diretrizes transparentes" por parte da prefeitura.
O documento, assinado pelos 85 movimentos e entidades que compõem o coletivo de lideranças comunitárias, foi lido no palco nesta quinta-feira, protagonizando uma discussão sobre o tempo usado ao microfone - estavam previstos dois minutos de fala para cada manifestação, mas o tempo foi extrapolado em vários momentos.
Também na quinta, críticas partiram de representações dos povos tradicionais e originários da Capital. "A ausência de representantes das comunidades indígenas e quilombolas evidencia a falta de compromisso da gestão municipal com as pautas territoriais, culturais e econômicas e assistenciais destas populações", diz uma das cartas.
Foi também reivindicado o atendimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura a consulta às comunidades citadas em políticas ou empreendimentos que os afetem.
Primeiro evento da revisão em 2023, a conferência iniciou na terça-feira com palestras apresentando diferentes entendimentos de como a cidade deveria guiar o seu desenvolvimento nos próximos anos. Na quarta-feira aconteceu a dinâmica de grupos separados nos sete eixos temáticos (confira na tabela) definidos pela prefeitura para nortear o documento legal.
Cerca de 300 pessoas participaram da atividade que tomou manhã e tarde, orientados por questionamentos sobre o que pensam do Plano Diretor vigente e provocados a apontar rumos a serem seguidos. As sugestões foram sintetizadas em recomendações e votadas na quinta-feira.
Ainda sem data marcada, a próxima etapa participativa da revisão do Plano Diretor será uma rodada de oficinas temáticas, a exemplo das realizadas em 2019 nas regiões de planejamento. A prefeitura mantém a expectativa de encaminhar o projeto de lei para a Câmara em 2023.
Embates lembram a revisão anterior, ocorrida há uma década
Assim como no primeiro dia, o auditório do Salão de Atos da Pucrs estava parcialmente ocupado para o terceiro dia da Conferência de avaliação do Plano Diretor, mas desta vez com o acesso à parte das cadeiras bloqueado, de maneira a concentrar o público nos lugares próximos ao palco. A medida facilitou o processo de votação, feito por contraste com o levantamento dos crachás.
A dinâmica, no entanto, gerou desentendimento logo na primeira fala, quando um representante do Sinduscon sugeriu modificar uma das recomendações para o desenvolvimento social e cultural que tratava da contrapartida de investimentos imobiliários.
No entanto, a informação divulgada antes do evento não detalhava a possibilidade de alterações no texto, e parte dos presentes questionou se isso iria prevalecer em relação ao que fora definido pelos grupos temáticos no dia anterior. No comando da atividade, Bremm explicou que era possível a participação da comunidade, mesmo de quem não esteve no dia anterior, e que a sugestão seria apreciada pela plenária - e foi rejeitada.
Mesmo com a explicação do início da manhã, a dúvida sobre o processo de votação se estendeu pelo restante do dia. À tarde, um bate-boca marcou o momento de decidir uma recomendação para o eixo ligado à infraestrutura - tido como o de maior interesse da construção civil. Uma liderança comunitária queria que os parâmetros de densidade populacional pudessem ser vinculados somente a áreas com infraestrutura já existente, ao contrário da proposta original, que previu o mesmo para áreas em que a infraestrutura venha a ser gerada.
A confusão era sobre qual texto estava sendo apreciado, e pessoas da plateia questionaram diversas vezes o que estava em votação. Em dado momento, alguém gritou que se votasse "não". Seguiu a isso a acusação de se tratar da orientação de voto de interesse do mercado. Mesmo assim, o "não" prevaleceu.
Mas o momento que pode ser considerado o mais tenso se deu bem no final da atividade, quando parte das pessoas já havia deixado o local. Ao eixo "gestão da cidade" foi proposta a inclusão de uma nova recomendação para proibir a determinação de regime urbanístico por decreto. O assunto dividiu o público e, se em outros casos a votação por contraste permitia identificar ampla maioria a favor ou contra, o mesmo não foi possível para este tema.
Após colocar o item em votação pelo menos três vezes, Bremm pediu aos presentes que mantivessem os crachás erguidos enquanto uma pessoa contava. Havia interesse da prefeitura pela rejeição, o que ficou claro quando servidores e CCs, mesmo os que não tinham votado antes, ergueram seus crachás e alertaram colegas a fazer o mesmo. Ainda assim, a proposta foi aprovada.
Ao fim do debate relacionado a cada um dos sete eixos, as propostas foram votadas de maneira global - chamadas de moções, todas as sete foram aprovadas.
Avaliação com cara de proposição
Apesar de ser considerada uma conferência de avaliação, o que mais se viu nas sete moções gerais, uma para cada eixo, foram propostas do que se quer incorporar no novo texto do Plano Diretor de Porto Alegre. Germano Bremm entende isso como normal e indica que o poder público, condutor do processo, "tenta acolher e compatibilizar".
"A partir dessas reflexões trazidas, e muitas são propostas pontuais, vamos tentar refletir o que não funcionou no Plano Diretor vigente", explica o secretário.
Com o que foi deliberado, o corpo técnico da prefeitura fará um cruzamento com o texto atual da lei. O que se extrair disso voltará para o debate mais adiante, na outra conferência prevista, ainda sem data marcada.