O número de ações trabalhistas relativas ao direito à desconexão do trabalho vêm registrando aumento nos últimos anos. Segundo pesquisa do DataLawyer, cerca de 28,3 mil ações com termos como "direito à desconexão" foram movidas entre 2015 e 2022. Com o objetivo de abarcar esse fenômeno, o Jornal da Lei conversou com o advogado trabalhista e consultor da Fecomércio-SP José Eduardo Gibello Pastore.
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"Direito à desconexão do trabalho é estabelecer através de lei o direito do trabalhador se desconectar do seu emprego. Por exemplo, quem tem jornada de oito horas, não precisar ficar depois do horário no celular respondendo mensagem ou e-mail do empregador. Tudo isso para respeitar o descanso noturno e de final de semana".
Com a crescente adoção do modelo de home office a partir da pandemia da Covid-19, muitos trabalhadores se conectam virtualmente com seus ambientes e colegas de trabalho. O trabalho remoto, necessário na época, gerou cobrança e demandas além do horário de expediente, excedendo as obrigações contratuais. O constante aumento de tarefas passou a ameaçar o descanso em casa, garantido pela Constituição Federal - Artigo 7, XIII - "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".
A hiperconexão se sobressaiu na pandemia, explica o advogado trabalhista e consultor da Fecomércio-SP José Eduardo Gibello Pastore
Diante da situação, o número de celetistas que está recorrendo à Justiça vêm aumentando, e um dos motivos é a dificuldade em lidar com a hiperconexão. "(A hiperconexão) foi um fenômeno que ocorreu depois da pandemia, pois todo mundo ficou mais conectado. Na Justiça do Trabalho, estão correndo condenações por horas extras, justamente por que o trabalhador alega que ficou muito mais de oito horas à disposição do seu empregador. Se ele estava no trabalho virtual, ele, em tese, tem direito de ganhar hora extra", explicou Pastore.
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Há pouco conteúdo específico sobre o tema na legislação. A citação aproximada está na Consolidação das Leis Trabalhistas - Decreto Lei 5.452/43, em seu artigo 6° (atualizado em 2011) -, a qual diz que "não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego".
A popularização do tema gera um aumento nas ações trabalhistas, justamente porque cria um precedente. Muitos profissionais já passavam por esse tipo de carga extra e agora conhecem meios legais para lidar com o problema. "Há trabalhadores pedindo hora extra por conta de extrapolar as 8 horas, outros por dizerem não ter mais intervalo de almoço ou por não conseguirem descansar no fim de semana. Tudo isso redunda em condenação de hora extra e sobreaviso na Justiça do Trabalho", exemplifica.
A controvérsia surge na consideração de qual abordagem fora do expediente seria considerada hora extra. Uma ação trabalhista movida por respostas às mensagens de clientes depois do horário, por exemplo, criaria um problema para os empresários, que teriam dificuldades em controlar essas demandas. Pastore alertou para o cuidado necessário com casos específicos. "Alguns tipos de trabalhos são feitos assim mesmo. Tem que contatar clientes em horários diferentes, mas daí têm leis específicas para a área, como os representantes comerciais".
E-mails salvos, fotos das conversas em redes sociais ou históricos de chamadas bastam para que o funcionário possa abrir o processo. Com essa coleta de provas simples, os juízes tendem a condenar o réu. "Se o trabalhador passa do horário (de expediente) respondendo e-mail, ele vai juntar no processo os próprios e-mails, e demonstrar que estava trabalhando às 22h, mas o expediente terminava às 18h. Pode juntar e-mails, mensagens ou conversas do Whatsapp do empregador cobrando coisas, além de prints. Na Justiça do Trabalho, ele ganha o dinheiro na hora".
A hiperconexão ao trabalho pode ser evitada, mas precisa de cuidados do empregador. Segundo Pastore, é importante que o setor de Recursos Humanos (RH) tome cuidado e siga protocolos para evitar processos. "A empresa precisa criar regras rígidas para o uso dos meios de comunicação. Dizer para o empregado o seguinte, 'você só vai poder ficar conectado dentro da sua jornada', 'você não pode ficar me mandando coisa no final de semana'. Estabelecer regras que estão dentro dos manuais de comportamento e de regimento interno. São regras de gestão do RH, que vão fazer com que a empresa organize melhor essa questão da hiperconexão".
Por fim, Pastore afirma que uma nova legislação para o tema é desnecessária, pois há suficientes regras trabalhistas no Brasil. "Já temos o limite da jornada de trabalho diária na CLT. São oito horas com limite de duas horas extras diárias e 44 horas semanais. Temos a lei determinando o descanso no domingo, e descanso entre 11h de uma jornada para a outra. Isso já é o direito à desconexão".