Pedro Carrizo, especial para o JC
O fim das notas fiscais em papel no setor do agronegócio foi adiado para 1º de maio de 2024. A partir daí, todos pequenos produtores rurais do Brasil serão obrigados a aderir à Nota Fiscal do Produtor Eletrônica (NFP-e). O motivo da prorrogação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), válida para profissionais do campo com faturamento bruto anual inferior a R$ 200 mil cadastrados com CPF, é a falta de conectividade em boa parte dos estabelecimentos rurais e a necessidade de mais treinamento aos pequenos produtores.
A emissão digital já é obrigatória para o agronegócio e em operações de comércio exterior ou vendas interestaduais. No entanto, a esmagadora maioria das lavouras no Brasil, formada por médios e pequenos, ainda emite notas em papel. De acordo com o Censo Agropecuário, existem cerca de 5 milhões de propriedades rurais no País, sendo 84,4% de pequeno porte ou de agricultura familiar.
No Rio Grande do Sul a lógica é a mesma: das mais de 808 mil inscrições rurais ativas, 803.542 são cadastradas com CPF, o que expõe a abrangência de produtores que precisarão aderir ao modelo eletrônico até o próximo ano. "Em 2023, já foram solicitados 300 mil talões fiscais no Estado, o que equivale a 3 milhões de notas de papel", informa André Poletto, coordenador da Seção de Produção Primária (Seprim) da Secretaria da Fazenda (Sefaz-RS).
Diante da necessidade de adesão ao modelo eletrônico, o governo gaúcho tem difundido o aplicativo Nota Fiscal Fácil (NFF), que simplifica o preenchimento dos documentos fiscais e é exclusivo para pequenos e médios produtores rurais. O sistema permite a emissão offline de até 30 notas por vez, que são transmitidas ao Fisco quando o usuário acessa a internet.
Desenvolvido pela Procergs, o aplicativo passou a ser adotado por diversos outros estados. Nele, o produtor precisa preencher apenas informações comerciais da NF-e, como o que está vendendo, o comprador, como será transportada, a quantidade e valores. Demais dados são preenchidos automaticamente pelo cadastro prévio da Receita Federal, explica Poletto.
Além do NFF, que é gratuito, o produtor também pode aderir à nota eletrônica realizando a emissão avulsa no site da Fazenda, mas o procedimento requer internet. Ele também pode contratar um emissor próprio, o que já é feito pelos grandes produtores. Com o novo prazo de adesão à NFP-e, a missão da Sefaz gaúcha e de demais UFs é estabelecer uma agenda de capacitações até o próximo ano.
A resistência ao modelo eletrônico, no entanto, não passa só pela falta de acesso à internet e domínio da ferramenta, mas principalmente por questões culturais, acredita Geraldo Callegari, chefe adjunto da Seção de Informações Fiscais (SIF) da Sefaz-RS.
O produtor rural Luis Fernando Pires, que também é assessor da presidência no Sistema Farsul, concorda com o auditor. "Essas inovações facilitam o processo de venda e gestão das produções rurais, mas é preciso compreender que ainda há pequenos e médios produtores avessos à tecnologia, sobretudo os mais idosos", diz.
Pires, por exemplo, ainda usa os talões físicos nos seus cultivos de gado e grãos, quando não há acesso à internet. "Não houve adaptação ao serviço offline do aplicativo que contratamos, por isso utilizamos um modelo híbrido. Até ano que vem, esperamos estar preparados para o sistema eletrônico", acredita o produtor rural .
Conforme Callegari, a extinção dos talões de notas em papel vai representar ganho considerável de controle fiscal, visto que, no sistema físico, os talões são incorporados apenas uma vez ao ano na base de dados da Receita Federal. Com a NFP-e, a atualização acontece praticamente em tempo real.
"Já para os profissionais do campo, a obrigação ao modelo fiscal eletrônico trará mais competitividade diante de um modelo arcaico, onde o produtor precisa ir até a prefeitura de sua cidade solicitar um talão e depois aguardar 30 dias para retirar as notas em papel", enfatiza o auditor.
Virada de chave com NFP-e será o pensar administrativo nas fazendas
Contadora diz que acesso precário à internet é um dos gargalos que precisa ser resolvido
/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
A prorrogação para o próximo ano da obrigatoriedade de emissão da nota fiscal eletrônica (NFP-e) por pequenos produtores será como um período final de adaptação ao novo modelo do Fisco. Durante ele, agricultores e pecuaristas precisarão bem mais do que um melhor sinal de internet, pois há também um trabalho de mudança no mindset em direção a gestão administrativa nas fazendas, diz Pâmela Werlang, coordenadora da Comissão de Estudos do Setor do Agronegócio do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS).
Diante disso, os profissionais contábeis deverão ser cada vez mais presentes nos estabelecimentos rurais, realizando um acompanhamento mensal dos documentos fiscais, acredita a contadora. Em entrevista ao JC Contabilidade, Pâmela também pontuou as principais dificuldades da adesão à NFP-e pelos produtores cadastrados com CPF e também os benefícios que o novo modelo trará para o agronegócio quando atingir todos os produtores do País.
JC Contabilidade - Quais são os fatores que dificultam a adesão plena dos pequenos produtores rurais gaúchos à NFP-e?
Pâmela - O acesso à internet precário é um dos fatores que, de certa forma, vem dificultando a implantação na sua integralidade. Falta de informações aos produtores rurais também é outro ponto importante. Para se ter uma ideia, de acordo com o Censo Agropecuário, existem cerca de 5 milhões propriedades rurais no país, destas 84,4% são de pequeno porte ou de agricultura familiar. Esses agricultores se destacam principalmente pela produção de feijão, arroz, trigo, milho, mandioca, pecuária leiteira, criação de suínos e aves, além de contemplar a produção de hortigranjeiros. Todos eles estão preocupados com uma questão: como emitir nota fiscal eletrônica em regiões onde não chega, ao menos, um mínimo acesso à internet, quem dirá softwares e aplicativos para emissão de um documento tão importante. Porém, acredito que outro fator ainda é o custo mensal do contador, que será uma despesa dos produtores rurais. Com a chegada da NF-e, os produtores rurais passam a ter todas as transações registradas de forma eletrônica. Neste caso, precisamos virar a principal chave cultural no agronegócio, que é o desenvolvimento do pensar administrativo nas fazendas. É preciso ter um acompanhamento contábil mensal, e não apenas uma vez ao ano, na entrega da declaração de ajuste do Imposto de Renda.
Contab - Os pequenos produtores, que emitem NFs via CPF, são os últimos do segmento que ainda não são obrigados a realizar a emissão eletrônica. Quais são as características em comum desses negócios?
Pâmela - A principal característica em comum entre os pequenos produtores é o número menor de stakeholders, ou seja, eles comercializam seus produtos para os mesmos clientes, o que ao meu ver, facilita a implantação da emissão da nota fiscal eletrônica. Com o auxílio do contador de forma mensal na emissão de notas e elaboração do livro caixa analógico, a tendência é ter uma maior organização e facilidade na implantação. A palavra 'conhecimento' entra em um dos principais gargalos do setor, que acontece justamente pela falta de informação contábil. Posso afirmar que o nível de conhecimento sobre a NFP-e ainda é muito baixo no setor rural, então será preciso maior apoio dos contadores a partir da obrigatoriedade.
Contab - Há pequenos produtores utilizando o sistema eletrônico no Estado?
Pâmela - Sim, já existem pequenos produtores que utilizam o sistema até por uma necessidade que vai além da simples emissão de notas fiscais e cumprimento da obrigatoriedade de adesão, que é a vontade de saber mais sobre os resultados do seu negócio rural. Percebo que estes produtores, por uma necessidade de controle fiscal, tributário e organizacional, passaram a utilizar o sistema como uma ferramenta de gestão.
Contab - Que vantagens o pequeno produtor terá a partir da troca de um modelo de emissão de notas físicas para notas digitais?
Pâmela - Com absoluta certeza, maior facilidade, rapidez e controle do escoamento de sua produção, e o uso app Nota Fiscal Fácil, desenvolvidos pelo Governo do Rio Grande do Sul, será um dos pilares para o início da implantação de gestão e virada de chave cultural dentro das fazendas. Sempre afirmo que toda obrigação acessória nova é uma oportunidade de melhoramento e controle dentro das fazendas.
Contab - Quais serão as obrigações e regras fiscais a partir do novo sistema?
Pâmela - Acredito que a nova obrigação está relacionada ao fato de que a nota fiscal eletrônica necessita de uma parametrização, códigos corretos, cadastros de produtos com seu respectivo histórico tributário, destaques sobre os impostos incidentes na operação, dados completos sobre o transporte, comprador, entre outras informações. O novo sistema exige que a operação esteja mapeada e isso com certeza traz uma obrigação aos produtores rurais no sentido de cumprimento das regras.
É importante que o profissional contábil auxilie os pequenos produtores, elaborando um manual de emissão destas obrigações..
Contab - É possível medir os benefícios do sistema de emissão eletrônica, visto que os grandes produtores já fazem uso dele há mais tempo?
Pâmela - Com a obrigatoriedade de emissão da nota fiscal, os pequenos produtores passarão a ver a sua atividade de forma mensal e não mais anual, como já é visualizado pelos grandes produtores. Isso possibilita um planejamento mensal do negócio rural, fechamentos de caixa e projeções futuras em tempo hábil, o que é muito favorável, sem contar no aumento da confiança entre produtores e clientes. Gosto de afirmar que com a implantação desta obrigatoriedade o produtor rural não verá mais a sua fazenda da porteira para frente e sim de cima para baixo, ou seja, tem uma visão geral do seu negócio.
Contab - Como a NFP-e pode ajudar a coibir a sonegação neste setor?
Pâmela - A contra nota de produtor rural é uma nota fiscal de entrada, que deve ser emitida pela empresa que está recebendo mercadorias enviadas por um produtor rural pessoa física. Essa nota fiscal de entrada serve como uma confirmação do recebimento dos produtos. Ela é usada de forma ampla para o cruzamento de informações por parte do Fisco. Na minha visão, este será o principal instrumento de controle da sonegação.
Contab - Qual o trabalho da Comissão de Estudos do Setor do Agronegócio do CRCRS frente às questões envolvendo a NFP-e?
Pâmela - Nosso principal objetivo é levar informação que contribua para a classe contábil, orientando os colegas sobre as novidades, procedimentos, entendimentos e também, trazendo demandas e necessidades ao CRCRS que tem como foco contribuir no desenvolvimento das atividades diárias dos contadores que atendem o produtor rural. Temos um projeto em andamento que busca a facilitação na importação das notas fiscais dos produtores rurais que exploram a sua atividade no CPF, e nos próximos meses encaminharemos esse pedido ao Conselho.