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Política

- Publicada em 25 de Junho de 2021 às 15:43

Governo manteve contrato para Covaxin após alerta sobre inadimplência e validade curta

Servidora da Saúde detalhou os pontos que configuravam o 'descumprimento do contrato'

Servidora da Saúde detalhou os pontos que configuravam o 'descumprimento do contrato'


DIBYANGSHU SARKAR / AFP/ JC
O Ministério da Saúde manteve a parceria com a Precisa Medicamentos mesmo após a fiscal do contrato detectar inadimplência na entrega de 8 milhões de doses da vacina Covaxin e prazo de validade "muito exíguo" de lotes que chegaram a ser prometidos e nunca foram entregues.
O Ministério da Saúde manteve a parceria com a Precisa Medicamentos mesmo após a fiscal do contrato detectar inadimplência na entrega de 8 milhões de doses da vacina Covaxin e prazo de validade "muito exíguo" de lotes que chegaram a ser prometidos e nunca foram entregues.
A servidora do ministério designada para a função de fiscal detalhou em um documento os pontos que configuravam o "descumprimento do contrato", título da notificação direcionada tanto à Precisa Medicamentos, intermediadora do negócio, quanto à Bharat Biotech, empresa indiana que produz a Covaxin.
As suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana atingiram o Palácio do Planalto e viraram uma nova linha de investigação na CPI da Covid no Senado. Nesta sexta (25), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a Polícia Federal vai abrir inquérito para investigar a compra da Covaxin. "É lógico que a PF vai abrir inquérito."
A existência de denúncias de irregularidades foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo na sexta-feira passada (18), com a divulgação do depoimento sigiloso de Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde e irmão do deputado Luís Miranda (DEM-DF).
O servidor disse ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília que recebeu uma pressão atípica para agilizar a liberação da Covaxin. O parlamentar, por sua vez, disse ter levado ao presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, uma denúncia sobre irregularidades no contrato da Covaxin.
A fiscal do contrato detalhou problemas na execução da parceria num documento de 30 de março, remetido aos representantes das empresas no dia seguinte.
Um dia depois, dia 31, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou pedido do Ministério da Saúde para importação de um primeiro lote de vacinas indianas. Faltavam documentos básicos, que atestassem a segurança, a qualidade e a eficácia do imunizante.
O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao processo administrativo que registra todos os passos da contratação da vacina indiana.
Entre os documentos que integram o processo está uma matriz de risco elaborada pelo ministério em 17 de fevereiro, com apontamento de seis riscos relacionados à Precisa em caso de efetivação do contrato. Um deles era a possibilidade de atraso na entrega das vacinas.
Os outros riscos descritos são a elevação dos custos, efeitos adversos graves, falta de registro pelo órgão regulatório, falha na guarda ou transporte do imunizante e problemas relacionados à temperatura do produto.
O contrato foi assinado em 25 de fevereiro, com a Precisa representando a Bharat Biotech. Ficaram previstos 20 milhões de doses, a um custo individual de US$ 15 (R$ 80,70). O valor total do contrato é de R$ 1,61 bilhão, dinheiro que já está empenhado -reservado, autorizado- pelo governo Bolsonaro desde 22 de fevereiro.
Dois dos seis riscos previstos na matriz se concretizaram. Todos os prazos contratuais foram desrespeitados. Além disso, a Anvisa já negou um pedido de importação, o que só foi concedido mais de dois meses depois, no último dia 4, com restrições de quantidade e uso da vacina.
A constatação mais assertiva da quebra de contrato foi feita pela fiscal designada para acompanhar o contrato de R$ 1,61 bilhão. A notificação que ela elaborou é de 30 de março.
"Verificamos que na data de hoje a empresa encontra-se inadimplente no que se refere às duas primeiras parcelas, qual sejam 4 milhões de doses que deveriam ser entregues em 17/03/2021 e 4 milhões de doses em 27/03/2021", afirmou no documento.
Esse não foi o único problema detectado. Os lotes identificados para a primeira tentativa de importação tinham prazo de validade em abril e maio. "O prazo de validade é muito exíguo, uma vez que existem diversas etapas a serem concluídas até a vacinação propriamente dita da população", aponta a notificação.
A fiscal ainda apontou a negativa, pela Anvisa, da concessão do certificado de boas práticas de fabricação à fabricante do imunizante na Índia.
O Ministério da Saúde encaminhou a notificação tanto a Francisco Maximiano, o dono da Precisa, quanto a Emanuela Medrades, diretora da empresa responsável pelas tratativas diretas com a pasta.
Numa resposta à fiscal do contrato em 7 de abril, a Precisa forneceu uma informação errada. "A oficiante apresentou os documentos necessários para realização da importação do imunizante Covaxin tempestivamente ao tempo do cronograma previsto para as entregas 1 e 2", escreveu.
A tabela do cronograma de entregas, reproduzida na notificação, mostra que o primeiro lote de 4 milhões de doses deveria ter sido fornecido até 17 de março.
Os documentos que constam do processo administrativo da contratação registram que a Precisa manifestou interesse em uma autorização excepcional de importação no dia 18, um dia depois de vencido o primeiro prazo.
Mesmo com a iminência de descumprimento do contrato, o então secretário-executivo da pasta, o coronel Elcio Franco Filho, pediu a Maximiano e a Medrades um adicional de 50 milhões de doses, além dos 20 milhões contratados.
Num ofício enviado em 6 de março, Franco, braço direito do general Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde naquele momento, apontou a intenção de compra de 50 milhões de doses a mais.
Nove dias depois, em novo ofício, o coronel pediu a antecipação do "máximo número possível de doses ao Brasil". O documento foi enviado a Maximiano e ao diretor-presidente da Bharat Biotech, Krishna Ella.
Franco queria 10 milhões ainda em março. Até agora, nenhuma dose entrou no Brasil. O prazo contratual para os 20 milhões de doses expirou em 6 de maio.
Em resposta às suspeitas na contratação da vacina Covaxin, Bolsonaro mandou a PF investigar o servidor do Ministério da Saúde que apontou pressão atípica para liberação da importação e também o deputado Luis Miranda (DEM-DF), irmão do funcionário da pasta.
A Precisa Medicamentos afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina Covaxin oferecido ao governo brasileiro segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países.
A empresa disse ainda, em nota, que "jamais promoveu qualquer tipo de pressão e não contou com vantagens durante esse processo".
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que respeita a autonomia da Anvisa e que não faz pressão para aprovação de vacinas. A pasta diz que ainda não efetivou a compra de nenhuma dose da vacina Covaxin.
Folhapress
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