"É um desastre", resume a romena Andreea Pal, CEO da Fraport Brasil, subsidiária da companhia alemã que tem a concessão do Aeroporto Internacional de Porto Alegre (Salgado Filho, para os gaúchos), sobre o impacto da pandemia do novo coronavírus para a chamada indústria da aviação e turismo que usa a malha aérea no Brasil.
O número de voos no terminal chegou a despencar a 14 ao dia em maio, ante a média de 200 no pré-Covid-19. O rombo mensal da concessionária é de R$ 5 milhões, que já foi maior mas reduziu após ajustes na operação, com redução de contratos. Mas a conta maior ainda está por vir e é incalculável ainda, admite a executiva. A companhia, que também sofre com a interrupção de tráfego no terminal de Fortaleza, sua concessão, abriu negociação com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), para fazer o equilíbrio do contrato com duração de 25 anos.
Jornal do Comércio - Como a pandemia vem afetando a operação?
Andreea Pal - Para toda a indústria de transporte aéreo e turismo, a pandemia é um desastre. Temos uma queda total de receita por um tempo muito longo. Agora, após algumas aberturas, não é total, é "somente" de mais de 90%, mas a perspectiva é de conseguirmos atingir um nível que não tenhamos de jogar dinheiro fora, como foi nestes quatro a cinco meses. Nos próximos meses, vamos ter bastante mudança nessa indústria. Algumas companhias têm reservas financeiras suficientes ou suporte do governo, mas as que não conseguirem provavelmente vão desaparecer. Estamos comparando muito com o que está acontecendo na China, um país muito grande e tem muito tráfego doméstico, como o Brasil. O país asiático está com queda de 39% frente ao mesmo período de 2019 e eles saíram do distanciamento controlado em abril. Estamos dois meses atrás dos chineses. Se tivermos a mesma trajetória deles, terminaremos 2020 com redução de 40% ou 50% no tráfego. Com regras adotadas pela Europa, por exemplo, exigindo quarentena, o tráfego internacional será reduzido ao mais urgente e mínimo.
JC - É um ano perdido?
Andreea - O ano está perdido e a expectativa da indústria é que teremos queda de 30% da previsão global anterior à pandemia até 2023, mas cada país terá um impacto diferente, em função da sua economia, de ter vacina e de quando as pessoas vão perder o medo de viajar.
JC - Quais são os impactos para a receita da Fraport em Porto Alegre?
Andreea - A receita caiu no mesmo nível que a queda do tráfego, entre 92% e 93%. Na parte de lojas e serviços, perdemos quase totalmente quando estavam fechadas (mas houve novo decreto para fechar). No aeroporto de Fortaleza, onde também somos concessionários, a queda é 3% a 4% maior. Lá teve lockdown e dependemos muito do tráfego turístico, que caiu completamente. Em Porto Alegre, temos ainda tráfego de famílias e negócios.
JC - Como a sede da Alemanha está vendo o cenário no Brasil, desde gerenciamento da pandemia e impactos?
Andreea - Primeiro, nossa matriz está tranquila porque sabe que estamos conseguindo administrar a crise do ponto de vista financeiro. Não dependemos deles, pois eles também têm problemas. Normalmente, se tivéssemos uma dificuldade, podíamos pedir dinheiro para a sede. Agora não é tão fácil. Para a direção alemã, foi uma boa notícia quando falamos que, por enquanto, estamos conseguindo suportar os impactos e não precisamos de recursos.
JC - Como não precisar de recursos de fora numa operação que caiu tanto em tão pouco tempo?
Andreea - Temos um programa de investimento fortes e recursos para bancar. Parte é financiamento e outra é nosso capital, que não foi usado ainda. Obviamente, que esta situação afeta nossos aportes, mas o que temos nos dá "ar" para respirar. Pelo contrato de concessão com a Anac, temos direito de equilíbrio financeiro. É muito importante que o governo brasileiro tenha manifestado interesse em honrar essa cláusula. Estamos trabalhando para explicar quanto vai ser o impacto da pandemia. Este aspecto tranquiliza a matriz da Fraport. Temos uma chance bastante boa de recuperar parcialmente os prejuízos deste ano e temos esperança que nos próximos. Os danos não serão apenas em 2020. Em 2022, temos de começar a pagar o financiamento que tomamos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Sem equilíbrio do contrato de concessão, não vamos ter dinheiro suficiente para pagar. O valor total vai depender de quanto vamos gastar nas obras, mas o contratado é de mais de R$ 1 bilhão.
JC - Como vocês cobrem o rombo do dia a dia da operação?
Andreea - Estamos tendo gastos de R$ 5 milhões por mês - em abril, foram mais de R$ 6 milhões -, sem ter receitas que cubram. Chegamos a este valor em fim de maio, depois de conseguirmos fazer algumas economias. Estamos gastando sem produzir nada. Se o tráfego crescer um pouco, esse valor pode reduzir. Mas precisamos de 30% a 35% do movimento de voos normal para ter equilíbrio. Este é o nível que temos de ter ainda este ano para interromper esse déficit mensal.
JC - O que o contrato de concessão prevê para uma pandemia?
Andreea - Tem uma cláusula que aplicável neste caso, que já tem parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que esta situação configura como de força maior e que nos dá direito a um reequilíbrio financeiro. A Anac encaminhou este tema a todas as concessionárias e teve a confirmação em abril. Todas as medidas que a agência nacional adotou, como postergação do pagamento da outorga - que, no nosso caso, equivale a 5% da receita (este ano são R$ 13 milhões referentes a 2019), precisavam de uma base legal.
JC - O que vocês estão buscando em termos de valores para este reequilíbrio?
Andreea - É sobre isso que ainda não temos ideia porque o contrato de concessão não previu uma situação como essa (de pandemia). Tem sim eventual impacto de mudança de legislação ou regras que pode gerar R$ 1 milhão, R$ 5 milhões de aumento do valor e podemos compensar de alguma forma, mas agora estamos falando de centenas de milhões de reais. É uma situação muito difícil porque o governo não tem este dinheiro em caixa. Não é só o aeroporto de Porto Alegre que vive esta situação. Como vai ser resolvido, não sabemos ainda.
JC - O procedimento é verificar os valores da outorga e fazer um encontro de contas?
Andreea - O contrato prevê que pode aumentar as tarifas, prolongar a concessão e postergar investimentos. Esta última possibilidade está descartada porque já estamos quase terminando (falta a extensão da pista de pousos e decolagens que está em andamento). A prorrogação da concessão não ajuda porque temos um problema de caixa agora e não em 25 anos. O aumento de tarifas para resolver o problema de caixa teria de ser enorme e não é viável. Todas as três modalidades que estão na concessão não se aplicam ao caso atual.
JC - O que resta fazer para conseguir atacar o rombo?
Andreea - A Anac está estudando uma solução. A única possibilidade seria receber diretamente o valor que precisamos. Poderia ser um aporte financeiro, mas teria de ser feito pelo governo e não um financiamento para as concessionárias, o que exigiria aumento de tarifa para poder bancar o empréstimo. Receber recursos sem ter receita nova é pior do que temos hoje. É uma situação que não é fácil, mas acredito que vamos encontrar uma solução.
JC - A solução tem de ser definida este ano?
Andreea - Sim, se não vamos ter de parar a operação no aeroporto. Não esperamos chegar a este ponto. Vamos resistir mesmo com esta queda de receita até o fim do ano, mas a expectativa é que até outubro e novembro já tenhamos clareza de como será o procedimento.
JC - Está situação vai afetar os planos da Fraport para depois de 2021?
Andreea - Nossa expectativa é que a indústria de aviação se comporte como foi em 2019. Em todas as crises do passado, como no 11 de Setembro (2001) e epidemia de SARS -, houve queda forte e depois recuperamos. Desta vez, a redução é muito mais intensa e vai ficar por mais tempo, por isso a proteção de uma recuperação mais lenta. No longo prazo, acreditamos que haja reação, pois o mundo não existe sem as viagens internacionais. Por este mesmo motivo, países tão continentais como o Brasil, onde se leva muito tempo para se deslocar via rodoviária, avião é único mais eficiente e confortável.
JC - Como vão ser aeroportos do futuro pós-pandemia?
Andreea - Na minha opinião, estamos em uma fase de histeria. Imagino que vamos usar a máscara nas áreas do aeroporto e dentro de aeronaves por mais tempo. Muitas pessoas têm medo ainda de entrar no aeroporto, mas aqui tem menos aglomeração que em um shopping center. As aeronaves têm um sistema de ventilação para filtrar o ar que é acionado a cada três minutos para a circulação e garante nível de limpeza de uma sala de cirurgia. Se voltarmos ao tráfego normal, nenhum aeroporto do mundo está desenhado para manter o distanciamento se dois metros entre as pessoas. Mas isso é desnecessário se usar a máscara.
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