A discussão sobre censura, arte e liberdade ressurgiu com força em Porto Alegre,
seis meses após a polêmica gerada pela exposição Queermuseu, mostra sobre a presença gay na arte que acabou suspensa pelo Santander Cultural. Agora o foco é o projeto
Pixo/Grafite, realidades paralelas, desenvolvido pelo Instituto Goethe na Capital gaúcha.
Uma das obras, pintada no muro em frente à instituição, na rua 24 de Outubro, 112, no bairro Moinhos de Vento, mostrava a cabeça de Jesus Cristo separada do corpo. Nesta terça-feira (1º), o trabalho foi alvo de vândalos que apagaram a cabeça e, no lugar, escreveram “ele ressuscitou”. A obra original era do grafiteiro e artista de arte de rua Rafael Augustaitz. A intervenção no muro é parte de um projeto que inclui também vídeos, gravuras e desenhos na galeria do instituto.
Como era a pintura original do grafiteiro Rafael Augustaitz no muro em Porto Alegre
Nos últimos dias, relatos no Facebook indicavam que o Instituto Goethe já estava sendo alvo de "manifestações de ódio". O Centro Dom Bosco, com sede no Rio de Janeiro e que já tinha divulgado em sua página do Facebook um abaixo-assinado para suspender o projeto, lançou um post nesta terça, por voltas das 12h, indicando a "lista atualizada das Oito Maravilhas do Mundo" e colocando no topo a "Intervenção Artística no muro do Goethe-Institut: 'Ele Ressuscitou' (Porto Alegre/Brasil)". Um seguidor postou o comentário: "Brasil 7 x 1 Alemanha". A instituição cultural é de origem alemã.
Nessa segunda-feira (30), antes do episódio do vandalismo, o instituto divulgou nota dizendo que “em nenhum momento a intenção foi de ofender sentimentos religiosos”. O Goethe afirma ainda que “a melhor forma de lutar contra a intolerância é a educação e a promoção do diálogo. Por isso, vamos, em breve, convidar a todos para um debate público a fim de discutir a ligação entre arte e religião e os desdobramentos que se originam nessa relação”.
Para Gaudêncio Fidélis, curador da Queermuseu, exposição cancelada ano passado em Porto Alegre, os ataques de ódio direcionadas à obra de Augustaitiz representam mais uma investida do fundamentalismo que cresce no País e para o qual indivíduos com ódio da arte e contra a liberdade de expressão fazem coro.
“As consequências do que estamos presenciando são desastrosas porque alimentam o desenvolvimento de uma cultura em que as pessoas passaram a compreender imagens como se fossem manifestações concretas, e metáforas como declarações de ações reais e parte da realidade objetiva”, completa Fidélis.
Nesta terça, outra reação veio da Arquidiocese de Porto Alegre, que "repudiou a pintura num muro da capital que representa Jesus Cristo decapitado com a cabeça em uma bandeja". A Igreja diz que as reações são "resultado da falta de respeito pelo senso religioso, pelos valores cristãos e pela história desta cidade". "Se pretendemos evitar polarizações e superar a violência, precisamos garantir um diálogo respeitoso e reverente pelo outro", defende, indicando que as pessoas se sentem ultrajadas por quem prega a livre expressão. "Onde não há respeito, não há verdade; onde se agride o que é sagrado para o outro, não há bondade e, assim, a beleza é pervertida", completa a manifestação da Arquidiocese de Porto Alegre.
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