No Extremo Sul de Porto Alegre, uma área na orla do bairro Lami abriga o ecossistema restinga, característico da Mata Atlântica, que está ameaçado pelo desmatamento. A denúncia mais recente, feita pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) na quarta-feira, se soma a outra, de setembro de 2021, na cobrança por fiscalização e maior proteção do lugar.
Além do corte da vegetação, entre os dias 5 e 10 de janeiro deste ano foram constatadas queimadas, abertura de vias com o uso de trator e depósito de material de construção, possivelmente numa tentativa de loteamento. Na terça-feira foi encontrada a cabeça de um jacaré-de-papo-amarelo, o que indica risco aos animais que habitam a região. Flora e fauna local estão sob ameaça de extinção.
O desmatamento identificado no início deste ano é mais evidente em dois pontos da orla, no trecho ao sul da Estrada Otaviano José Pinto, próximo da Praia do Lami. Paulo Brack, professor do departamento de Botânica da Ufrgs e coordenador geral do InGá, esteve no local da denúncia esta semana. "O bairro está sendo alvo de grilagem, são grupos que atuam na irregularidade. Os moradores da região têm medo", alerta.
A área, que é reconhecida como de proteção do ambiente natural (Apan), é uma propriedade particular. A coluna está buscando contato com os proprietários ou os representantes destes e abre espaço para manifestação. O Plano Diretor da Capital prevê para estas áreas "atividades que, conciliando a proteção da flora, da fauna e dos demais elementos naturais, objetivem a perpetuação e a sustentabilidade do patrimônio natural".
É permitido construir no local, mas para isso seria preciso Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), para que a ocupação do solo seja ordenada. Mesmo assim, abre espaço para o debate, sobre o planejamento urbano, por se tratar de uma área afastada das principais redes de infraestrutura, como abastecimento de água, tratamento de esgoto, energia elétrica e transporte. O próprio prefeito Sebastião Melo (MDB) diz que não se pode mais 'estender' a cidade para onde não tenha estes serviços, numa justificativa para a proposta de adensamento de bairros centrais.
Brack informa que há anos é reconhecida a importância da costa do Guaíba no Lami, em conjunto com as unidades de conservação no seu entorno, por ser considerada uma área de amortecimento e formar uma espécie de corredor ecológico que liga a Reserva Biológica do Lami, ao norte, ao Parque Estadual de Itapuã, na vizinha Viamão, ao sul. O momento é propício para este debate, defende o ambientalista, já que Porto Alegre está desenvolvendo o seu Plano Municipal de Proteção, Conservação e Recuperação da Mata Atlântica: "estamos cobrando que essa restinga entre na prioridade".
Para alcançar o objetivo, o InGá e outros grupos ligados à pauta ambiental pedem a aquisição da área pelo município, até por reconhecer as limitações do proprietário particular em garantir a preservação. Um caminho para isso está previsto na Lei Complementar Nº 757/2015 da Capital, que regra a supressão (corte), transplante e poda vegetal. A norma permite o uso de recursos oriundos da compensação para a compra de áreas destinadas à criação ou ampliação de Unidades de Conservação Municipal.
Em ofício endereçado ao secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade da Capital, Germano Bremm, o instituto solicita "providências para a interrupção urgente da retomada da destruição". Também foi recomendada a constituição de uma força tarefa - envolvendo, além da pasta municipal, o conselho que trata da pauta ambiental em Porto Alegre, a Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam) e o Ministério Público - para "viabilizar um plano de conservação e uso sustentável da área e proteção dos últimos remanescentes de restinga do município de Porto Alegre".
Procurada, a prefeitura de Porto Alegre confirma que recebeu denúncia pelo telefone 156 "sobre possível desmatamento irregular na Orla do Lami". Em nota, informa que "técnicos da Equipe de Fiscalização estiveram no local e constataram que houve supressão parcial de vegetação nativa, de pequeno e médio porte. O proprietário foi orientado a não realizar supressão de vegetais e a não realizar queimadas. Foi emitido Auto de Infração e há prazo legal para defesa".
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