A crise gerada pela pandemia da Covid-19 está colocando em risco a inovação no país. A maioria das scale-ups (empresas de alto crescimento que crescem pelo menos 20% por três anos consecutivos) não possui reservas financeiras suficientes para enfrentar a desaceleração da economia, pois precisam investir constantemente tudo o que ganham, e correm grandes riscos de quebrar.
O alerta é da Endeavor, que estima que muitas scale-ups só sobreviverão pelos próximos dois a quatro meses, caso não consigam ajuda para custear sua operação. O Brasil tem 21 mil empresas de alto crescimento que empregam 2,7 milhões de pessoas. Isso representa 70% dos novos empregos no País, com uma média de três salários mínimos pagos.
“Corremos o risco de perder muitas dessas empresas inovadoras, que são geradoras de emprego e renda no Brasil. É um grupo pequeno, mas com potencial de impacto grande”, destaca a gerente de políticas públicas da instituição, Renata Mendes. A Endeavor é uma organização global sem fins que apoia empreendedores de alto impacto.
Segundo ela, o ecossistema de inovação brasileiro levou tempo para se formar e ainda é muito ainda frágil. As empresas que usam tecnologia como principal produto para expandir os seus modelos de negócios inovadores financiam o crescimento, ou seja, investem tudo que entra de recursos no crescimento e contratação de mão de obra muito qualificada.
“São empresas que reinvestem toda receita, e fazem isso via fundos de investimentos e investidores anjo, por exemplo. Com a crise, muitas estão com mais dificuldades para conseguir empréstimos”, ressalta. Renata faz questão de ressaltar que isso não acontece porque essas operações estão desestruturadas do ponto de vista da gestão, mas pelo próprio perfil destes negócios inovadores. “São empresas que não dão lucro nos primeiros anos, pois o foco é crescer. Como os fundos congelaram os recursos, a fonte secou”, diz.
Os investimentos para as startups, que estão em estágio inicial e geralmente recebem aportes com tickets mais baixos (R$ 200 mil a R$ 300 mil), não foram tão afetados. Mas as scale-ups precisam de valores maiores, na casa dos milhões, e esse é um mercado que está retraído no mundo todo.
Para tentar apoiar essas empresas, a Endeavor está liderando um esforço em que busca junto ao poder público ajuda para garantir a manutenção das scale-ups no Brasil. São três as frentes de atuação: flexibilização do acesso ao crédito, diferimento de tributos e clareza e segurança jurídica para implementação das medidas trabalhistas.
“A Endeavor já trabalha com políticas públicas para essa área há cerca de dez anos, mas nos últimos dois anos começamos a intensificar as ações, passando a propor medidas e pressionar o Executivo e o Legislativo por mudanças. No cenário atual, isso é ainda mais decisivo”, conta a gerente de políticas públicas da instituição.
As três frentes da Endeavor para apoiar as scale-ups
Crédito: a Endeavor está conversando com o Banco Central e com bancos de desenvolvimento do Brasil para tentar flexibilizar as garantias exigidas para os empréstimos das scale-ups. Isso porque, esse perfil de empresa não tem como colocar um prédio ou maquinários, itens tradicionalmente usados como garantia, pois são operações em que o principal ativo é o capital intelectual. Então, foram listadas alternativas que poderiam ser consideradas por essas instituições, como as ações das empresas e artigos intangíveis.
Tributação: os primeiros diferimentos divulgados pelo governo brasileiro para apoiar o setor empresarial em função da pandemia foram para atender as pequenas e micro empresas, assim como aconteceu em países como Estados Unidos, França e Reino Unido. Mas, agora, essas nações começaram a olhar para as startups e as scale-ups, e a expectativa é que o mesmo possa acontecer no Brasil. A Endeavor está conversando com o governo e as receitas estaduais para buscar uma espécie de calibragem para os próximos diferimentos. Se uma operação não está sendo prejudicada na crise, talvez não precise tanto quanto outra dos recursos.
Questões trabalhistas: uma das metas é tentar garantir que parte dos benefícios de R$ 40 bilhões liberados pelo BNDES em crédito para financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas possam chegar as scale-ups. Para a Endeavor, esses recursos não estão sendo acessados como governo esperava e um dos fatores é o teto, que hoje é de R$ 10 milhões. Muitos empreendedores que precisavam, nem pleitearem, já que faturam acima. A Endeavor projeta que seja possível chegar ao teto de R$ 100 milhões, mas com alguma trava, como exigir que até 13% dos recursos sejam destinados só para scale-ups.