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Reportagem

- Publicada em 18 de Abril de 2023 às 17:28

Empresas gastam 1.500 horas por ano com impostos

Tributação tem sido inibidora do crescimento de pequenos e médios negócios no País

Tributação tem sido inibidora do crescimento de pequenos e médios negócios no País


/freepik/divulgação/jc
Pedro Carrizo, especial para o JC
Pedro Carrizo, especial para o JC
Não bastasse a alta carga tributária, pequenos e médios negócios também enfrentam a morosidade burocrática e a extrema complexidade do ambiente fiscal brasileiro. Por aqui, as empresas pagam, em média, 65,3% de seus lucros em tributos a cada ano e despendem entre 1.483 e 1.501 horas para preparar, declarar e pagar impostos.
Esse tempo gasto é muito superior a qualquer outro lugar e quase 50% maior do que na Bolívia, com 1.025 horas e segunda colocada do ranking de países que mais gastam tempo com impostos, indica um relatório do Banco Mundial, o Doing Business.
As horas gastas por empresas brasileiras são tão discrepantes, que o tempo médio despendido em impostos no mundo é de 233 horas. Considerando apenas os países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o valor é ainda menor: 164 horas.
O estudo do Banco Mundial tem a intenção de elencar os melhores ambientes de negócios no mundo, e o sistema tributário no Brasil tem rebaixado o País para as últimas posições. No ranking comparativo com outras nações, o Brasil está em 124º lugar em um total de 190 pesquisados.
Esse cenário tem sido um inibidor do crescimento de pequenos e médios negócios. A complexidade tributária no País gera insegurança jurídica e freia tomada de decisões mais arrojadas, como abrir uma nova filial ou ampliar um centro de distribuição, ressalta o contador Paulo Comazzetto, vice-presidente de Controle Interno do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS).
Comazzetto aponta o período de apuração das demonstrações financeiras e a declaração, em que muitas vezes a mesma informação precisa ser prestada em dois ou mais sistemas, como os processos que mais demandam tempo das empresas.
"Além disso, mudanças frequentes, tanto nas leis tributárias quanto no SPED, reduzem a segurança jurídica para os contribuintes", pontua o relatório do Banco Mundial.
Cerca de 80% das empresas brasileiras veem a carga tributária como um grande obstáculo às suas atividades; 70% consideram o cumprimento das obrigações um grande fator limitante, mais do que o dobro da média na América Latina e Caribe, indica o estudo segmentado ao Brasil.
"A área contábil pode contribuir para reduzir esse tempo gasto se melhorarmos nossos processos e, principalmente, nossas tecnologias. Mesmo assim, não vai resolver o problema central: complexidade e burocracia", diz Comazzetto.
A burocracia tributária inclusive já ganhou nome na literatura e cai como uma luva no cenário nacional: é o 'custo de conformidade'. Ele é uma estimativa de quanto é preciso pagar de equipe e horas de trabalho para atender todos os processos fiscais e burocráticos.
"No Brasil, esse custo é estimado em 5% na receita de uma empresa. Um negócio que paga 20% de tributo, precisa investir 5% da receita em custo de conformidade, o que não é considerado como carga tributária", diz o contador Hélder Santos, CEO da consultoria Tax Strategy.
De acordo com ele, dentro do 'custo de conformidade', existe uma variante que é o 'custo psicológico' e incide sobre o poder de decisão dos gestores. Quanto maior o 'custo de conformidade', maior será a insegurança jurídica, o que afeta a tomada de decisão.
"Percebo que as empresas precisam recorrer a muitos consultores contábeis e jurídicos para expandir negócios, o que evidencia a dificuldade de tomar uma decisão segura em razão da complexidade tributária", diz Santos.
Ainda de acordo com o estudo do Banco Mundial, publicado em 2021, o Brasil possui 97 obrigações tributárias, sendo que a maior carga provém de impostos e contribuições federais. Além disso, são necessários, em média, 11 procedimentos para abrir uma empresa.

Contadores buscam caminhos para encurtar o tempo gasto com impostos

Em meio a um cenário tributário complexo e burocrático demais, que demanda das empresas mais de dois meses cheios (ou 62 dias) para apurar, pagar e declarar seus impostos, duas soluções para esse problema estrutural ganham destaque: uso massivo de tecnologia e uma reforma tributária desburocratizante.
O contador Hélder Santos, CEO da consultoria Tax Strategy, salienta que processos repetitivos e de baixo valor agregado já estão despendendo muito menos tempo dos departamentos financeiros com uso de automações. O software de apuração de tributos desenvolvido pela Tax Strategy reduz entre 60% a 70% o tempo gasto por mês na tarefa, e poderá chegar a uma redução de 90% com a implementação de inteligências artificiais (IA) de Deep Learning.
"Quando a gente fala de Deep Learning e IA, é a capacidade dessa tecnologia de aprender a rotina de trabalho e executar para o usuário de forma automática, o que gera redução significativa de tempo" explica Santos.
Na ferramenta da Tax Strategy, o usuário mensalmente insere as demonstrações contábeis da empresa e um algoritmo as lê e sugere como apurar o imposto. No final do ano, como todas informações já estão dentro da ferramenta, o usuário aperta mais um botão e entrega a declaração de Imposto de Renda Pessoa Jurídica anual.
No entanto, embora a redução de tempo gasto com impostos dependa da tecnologia, ainda é preciso força humana para alimentar esses sistemas e, se as empresas investirem dispostas em reduzir sua carga tributária, invariavelmente, vão precisar dedicar tempo de estudo e planejamento estratégico, defende a contadora Karina Missel, CEO da ConnectBe, empresa foca em gestão financeira para pequenas empresa, em especial startups.
"O mercado oferece hoje diversos softwares de gestão financeira, mas não existe fórmula mágica que sirva para todos negócios, principalmente em um sistema tributário como o Brasil, que é um dos mais exige tempo de estudo no mundo", diz Karina.
Por isso, a ConnectBe faz a ponte de negócios com softwares de gestão financeira que casem com o modelo e a situação financeira das empresas, a partir de um portfólio de parceiros, explica a CEO. "A gente busca no mercado sistemas que possam escalar a entrega das empresas e tenham fit com esses negócios".
No entanto, a personalização de sistemas não ataca efetivamente a redução de tempo gasto com impostos, e sim reduz os encargos a serem pagos, explica Karina.
Outro ponto que atrasa os negócios, mas que foi criado com a intenção oposta, de simplificar a declaração, é o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), lançado em 2007 para digitalizar os processos contábeis.
De acordo com o estudo do Banco Mundial, o SPED é um sistema complexo, que exige um alto nível de conhecimento, especialização do usuário e a alimentação de uma grande quantidade de informação, o que resulta em um tempo considerável para o cumprimento das obrigações fiscais.
 

Reforma tributária pode ajudar na desburocratização

Entre as vias de escape para encurtar o tempo gasto com impostos, a reforma tributária negociada no Congresso Nacional também pode ajudar na desburocratização, mas, segundo as fontes ouvidas pelo JC Contabilidade, isso ainda é incerto.
As duas propostas mais consolidadas em tramitação visam unificar diversos impostos federais, estaduais e municipais em um tributo único, arrecadado por todos os entes, que poderia ser um IBS (PEC 45/2019) ou um IVA dual (PEC 110/2019).
Segundo o contador Paulo Comazzetto, vice-presidente de Controle Interno do CRCRS, a unificação de tributos em si não gera desburocratização efetiva, pois diversos encargos que as empresas têm hoje já são tributados sobre a mesma base de cálculo, como o PIS e a Cofins, e a apuração para o pagamento de ambos é a mesma.
"Obviamente, esperamos uma diminuição da burocracia com a reforma tributária. Por outro lado, o empreendedor também aguarda uma redução da carga tributária. A pergunta que ainda não se tem resposta é o quanto a reforma tributária vai simplificar a vida das empresas", diz Comazzetto.
O CEO da Tax Strategy, Hélder Santos, pensa da mesma forma. Segundo ele, a unificação de impostos tange a simplificação, mas não objetiva a simplificação. "A união dos tributos está mais voltada para simplificar a fiscalização da Receita Federal. Isso significa que o contribuinte precisará estar mais disponível ao órgão de controle, que deve intensificar suas fiscalizações, o que vai gerar mais burocracia para as empresas", acredita.
Na contramão das opiniões, o relatório produzido pelo Banco Mundial salienta que a unificação ajuda no controle da arrecadação e na desburocratização. O estudo indica que o pagamento de uma multiplicidade de tributos representa uma maior complexidade para as empresas, mas também aumenta os custos de administração tributária para o governo. Para simplificar o sistema tributário, pelo menos 46 economias medidas pelo Doing Business aplicam um único imposto por cada base de cálculo.
"Isto reduz os custos administrativos e de cumprimento com as obrigações — para os setores público e privado — e permite um melhor monitoramento da arrecadação", conclui o relatório.
 
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