Dois filmes que constam na lista das 22 produções habilitadas para concorrer à indicação para o Oscar pelo País, ambos exibidos no recente Festival de Gramado, estreiam nesta quinta-feira (30) nos cinemas da Capital. A temática sobre a geração adolescente com relações mediadas pela internet também aproxima os longas Yonlu, de Hique Montanari, e Ferrugem, de Aly Muritiba.
Na produção paranaense Ferrugem, a protagonista Tati é uma adolescente cheia de energia e amigos, que gosta de compartilhar seus melhores momentos no Instagram e Facebook. Mas a sua vida virará ao avesso quando ela perde o celular e um vídeo cai no grupo de WhatsApp do colégio. O baiano radicado em Curitiba Aly Muritiba tem 39 anos, portanto nasceu no mundo analógico, mas seus filhos têm a idade retratada no longa: "As mesmas angústias da adolescência de antes se hiperbolizam no mundo digital de hoje".
Para os realizadores, a trama é mais sobre valores familiares do que sobre as redes sociais. "Nossos filhos não sabem lidar de forma alguma com frustrações. A nossa geração não ensina limite, não põe barreiras. Devemos educá-los, não ser amigos dos filhos - eles não precisam desse tipo de amigo, mas sim da idade deles", afirma o diretor. Ferrugem saiu do 46º Festival de Cinema de Gramado como grande vencedor, tendo levado os Kikitos de Melhor Longa Brasileiro, Melhor Roteiro (Jessica Candal e Aly Muritiba) e Melhor Desenho de Som Alexandre Rogoski.
A atriz Tifanny Dopke, em seu primeiro filme (antes, fazia somente teatro musical no colégio), diz que foi importante interpretar a Tati por tratar de um tema atual que precisa ser bastante debatido. O amigo "colorido" da protagonista, Renet, é vivido pelo ator Giovanni De Lorenzi, que destacou que o amparo em um roteiro preciso e uma aproximação do elenco para tratar de um assunto tóxico: "Tínhamos que atingir uma união para nos segurarmos em momentos difíceis. A culpa do Renet foi construída por entender o papel da Tati". Os pais do menino são interpretados por Enrique Díaz e Clarissa Kiste.
A equipe da produção lançou a campanha "E agora que você sabe?", com a mesma empresa que faz as camisetas "Lute como uma garota", para alertar sobre os riscos do compartilhamento de conteúdos íntimos - atitude muitas vezes justificada como se os autores não soubessem que aquilo é errado, semelhante a atos de assédio ou racismo.
Estrelado por Thalles Cabral, Yonlu também aborda uma tragédia decorrente das relações mediadas pela internet. Mais conhecido por seu papel na novela global Amor à Vida, de 2013, como Jonathan, filho do icônico Félix (Matheus Solano), o ator porto-alegrense de 24 anos faz sua primeira atuação como protagonista no cinema. Também músico que canta em língua inglesa (idioma usado por Yonlu para se comunicar), a sua atuação exigiu preparação para o papel que ele mesmo se ofereceu para fazer. "É uma história pesada, sim. O que mais me deixou encantando no roteiro era a forma como contava tudo isso, com respeito. Para ele, era como se a vida não bastasse. O que achei mais bonito é como entramos na mente dele. Por isso que o título é Yonlu, e não Vinicius, porque o filme é sobre o artista", analisa o ator.
Exibido na Mostra de Longas Gaúchos em Gramado, Yonlu traz para as telas a história de um garoto de grande inteligência e múltiplos talentos. O roteiro é baseado em fatos reais: Vinicius Gageiro Marques, de 16 anos, cometeu suicídio em 2006, com ajuda de internautas. Para o diretor e roteirista Hique Montanarai, o importante era tratar do tema com responsabilidade e sensibilidade. O filme participou da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (Prêmio Abracine de Melhor Diretor Estreante). No 9º Festival Internacional da Fronteira (Bagé), recebeu o troféu de Melhor Filme na Mostra de Longas e o Prêmio da Imprensa. Integrou ainda a Seleção Oficial da Mostra Geração no 19º Festival do Rio e do Festival de Madri.
Músico e artista visual, Vinicius compunha, cantava e publicava seu trabalho pela rede, caminho que atualmente leva muitos garotos ao estrelato. Também era fluente em diversos idiomas, ilustrador e fotógrafo. A bela produção, com animações de James Zortéa em cima de desenhos originais de Yonlu, é uma obra que aposta no diferente. Além da narrativa ficcional não linear e estética pop-experimental que remete ao trabalho de criação do menino-prodígio, utiliza distintas técnicas (câmera na mão em planos-sequência, fotografia e suas texturas, animações em 2D, o uso de letras inéditas de suas músicas, poemas em voice over e linguagem de videoclipe remetem às colagens de Yonlu).
De fácil comunicação com os jovens, a obra tem ainda outros méritos. Além do próprio Thalles, que encarna o personagem-título, as atuações (bem menores) têm gabarito: Nelson Diniz (ótimo) faz o papel do terapeuta do garoto, Mirna Spritzer é a jornalista que o entrevista e Liane Venturella e Leonardo Machado fazem os pais do protagonista. A cidade de Porto Alegre também é um personagem no filme, pois ele a fotografou, ela era parte da obra do artista.
Em 2008, o CD com 23 registros das canções de Yonlu chegou à Luaka Bop, de David Byrne, que selecionou 14 faixas no álbum A Society in which no tear is shed is inconceavably mediocre (Uma sociedade na qual nenhuma lágrima é derramada é inconcebivelmente medíocre).