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Teatro

- Publicada em 13 de Julho de 2018 às 01:00

A ressignificação da palavra

O Grupo Neelic está alcançando 15 anos de existência, o que é, por si só, um desafio enorme vencido. O grupo hoje em dia tem sede própria, realiza atividades de formação e produz diferentes espetáculos ao longo de cada temporada.
O Grupo Neelic está alcançando 15 anos de existência, o que é, por si só, um desafio enorme vencido. O grupo hoje em dia tem sede própria, realiza atividades de formação e produz diferentes espetáculos ao longo de cada temporada.
Neste momento, na sala Carlos Carvalho, da Casa de Cultura Mário Quintana, apresenta o espetáculo Olhar de frente, retomada de uma produção de alguns anos, integrado a uma denominada Trilogia sensível, de que é a última parte. Trata-se de um espetáculo com menos de uma hora de duração, trabalho solo de Desirée Pessoa, com um escasso texto, mais ou menos no meio do espetáculo, já que durante todo o tempo restante, a atriz realiza um trabalho performático, em que diferentes situações de violência são sugeridas. Daí sua densidade.
O programa da obra afirma que a origem do trabalho é a reação (involuntária) de Lady Macbeth ao assassinato que ela mesma tramara e ao qual induziu o marido. Pode-se admitir que esta tenha sido a origem da pesquisa que resulta neste trabalho, mas com certeza nada existe de similar entre aquela personagem e as figuras que agora temos diante de nós. Porque Lady
Macbeth era a causadora de seus próprios males, o que não ocorre, com toda a certeza, com as figuras encarnadas por Desirée Pessoa, especialmente na parte final do espetáculo, em que se aborda o tema da violência sexual. Aliás, não sei se admiro ou lamento o fato de um espetáculo, criado há alguns anos, permanecer atual, ou melhor, talvez sendo mais atual do que já o foi antes. Mas a referência à violência sexual é hoje um tema obrigatório em todos os momentos de nosso cotidiano.
Uma outra questão que igualmente ganhou atualidade, na arte contemporânea, é a dúvida sobre tratar-se o espetáculo de uma narrativa autobiográfica ou, ao contrário, e apesar de uma expressão em primeira pessoa, estarmos diante de uma personagem e não da atriz, propriamente dita, quando ela conta o episódio vivido em sua infância. Também aqui Olhar de frente mostra ter-se renovado e ganhado importância, já que, tanto na literatura, quanto no teatro, este tema tem encontrado maior espaço para sua prática e reflexão.
Olhar de frente fala sobre a vida, mas para tanto, escolheu gritar contra a morte: daí o espaço cênico através do qual se espalham facas de todos os tipos e dimensões, numa criação de Rafaela Silva, que soube ambientar fielmente os sentimentos ambíguos da personagem, na medida em que, numa grande tenda de lona, com proximidade, acompanhamos as ações e reações da personagem.
A coreografia de Luciana Hoppe igualmente é importante elemento para o espetáculo, porque ela desenha uma verdadeira coreografia de mãos, braços, pernas e pés, sempre tateantes, como que experimentando seus entornos, sem neles poder confiar, ao mesmo tempo em que buscam afirmar o corpo da personagem. Por isso, o ritmo do espetáculo é lento, como uma espécie de ode e lamúria, ao mesmo tempo, num figurino de Rô Cortinhas que tanto tem a intimidade de uma roupa interior quanto a simbologia religiosa de um ritual. É como se os movimentos da personagem alcançassem expulsar demônios e medos: daí, inclusive, o título do espetáculo, enfatizando, apesar de tudo, uma crença na vida que deve ser enfrentada em meio aos eventuais percalços. Refira-se, igualmente, a iluminação de Carol Zimmer, que ajuda dinamicamente na valorização de objetos e espaços, de maneira que a atenção do espectador acompanha, não apenas a personagem, quanto seus movimentos e os espaços em seu redor, à medida em que a iluminação chama nossa atenção para os mesmos.
Como se chega a um trabalho deste, de certo modo, uma reflexão que, expressa literariamente, pode ser imaginada sem maiores problemas, mas quando transformada num espetáculo, com uma outra linguagem, certamente ganha uma dimensão nova e ressignificada, o que dá a exata dimensão da importância deste trabalho? Eis o mistério de Desirée Pessoa.
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