A derrubada de todos os vetos presidenciais à lei que criou o programa de parcelamento de dívidas de produtores com o Funrural pegou de surpresa até a bancada ruralista. Depois da votação, a área econômica ainda calcula o tamanho do prejuízo - que não se restringe ao perdão concedido aos devedores.
Com o desconto integral em multas e juros, o governo abre mão de R$ 15 bilhões dos R$ 17 bilhões devidos pelos produtores pessoas físicas ao Funrural, que funciona como uma espécie de contribuição previdenciária do setor. Os R$ 2 bilhões que ainda restam poderão ser compensados com créditos tributários. Há ainda perda de arrecadação futura com a cobrança menor sobre os produtores pessoas jurídicas.
O prejuízo estimado apenas para 2018 é de R$ 10 bilhões pelo lado da arrecadação e de outros R$ 3 bilhões para o Tesouro Nacional. Mas a União não será a única prejudicada. Estados e municípios também perdem receitas com a decisão do Congresso de restabelecer a isenção tributária sobre os ganhos obtidos pelos produtores com os descontos na dívida. Há impacto também sobre o déficit da Previdência.
O governo precisará apontar as receitas que compensarão as renúncias com o Funrural neste ano. A área econômica do governo ainda conta com a possibilidade de o Tribunal de Contas da União (TCU) solicite a suspensão das mudanças até que essa indicação seja feita pelo governo. Ainda não está definido se haverá uma provocação formal à corte de contas para que ela se manifeste.
As receitas da União para 2019, cuja previsão terá que ser refeita para contemplar as perdas previstas diante da "nova cara" do Refis do Funrural, estão sendo ainda reavaliadas.
Outras concessões feitas pelo Congresso e que não estavam nos planos no governo é a concessão de descontos e prazos para a renegociação de dívidas de agricultores familiares e de produtores, inclusive com bancos públicos, como o Bndes.
No início deste mês, negociadores do governo ainda tentavam decifrar os motivos por trás da estratégia adotada pelo presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). A ele é creditada a manobra que colocou todos os vetos para apreciação em bloco pelo plenário. Aliado do PT no Ceará, seu reduto eleitoral, Eunício tentará um novo mandato em 2018.
O acordo feito com o Planalto era de que os vetos a 24 artigos da lei seriam apreciados um a um - os destaques inclusive foram apresentados pelos parlamentares da base e da oposição. Mas Eunício acabou atropelando todos os destaques e pautou o veto integral de uma vez.
"Eu queria até saber (o que motivou a decisão), Eunício votou como ele quis", afirmou a presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputada Tereza Cristina (DEM-MS). O resultado foi a derrubada total do veto com o apoio de 360 deputados e 50 senadores - uma vitória "esmagadora", na visão da bancada ruralista.
Mesmo com posição contrária da área econômica, o Palácio do Planalto deu sinal verde para a derrubada do veto ao desconto de 100% nas multas e à redução da alíquota cobrada do produtor rural pessoa jurídica de 2,5% para 1,7%. Um gesto à bancada ruralista, uma das mais poderosas no Congresso Nacional, que vinha usando a negociação dessas dívidas como moeda de troca em votações importantes, como a da reforma da Previdência - que acabou engavetada pelo governo federal. Apesar de surpreendida pela lista de benesses conquistadas na terça pela bancada ruralista, Tereza Cristina afirmou ser provável que os produtores sigam questionando a dívida remanescente na Justiça. O pleito é para que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida pelo perdão total dos débitos passados.
Medidas para reequilibrar contas caducam e perdas para os cofres públicos podem ser maiores
A perda de mais de R$ 17 bilhões para os cofres públicos decorrente da derrubada dos vetos para o Refis das micro e pequenas empresas (R$ 7,5 bilhões em 15 anos) e para o Funrural (R$ 10 bilhões em 2018) ficará ainda maior. Isso porque medidas fiscais importantes apresentadas pela equipe econômica para reequilibrar as contas do governo perderão a validade nos próximos dias sem terem sido votadas pelo Congresso. Tanto a medida provisória (MP) que adia o reajuste do funcionalismo quanto a que aumenta a tributação de fundos exclusivos venceram no dia 8 sem qualquer perspectiva de apreciação pelos parlamentares. Juntas, as duas dariam um ganho fiscal de R$ 12,6 bilhões em 2018 e 2019. Assim, sem elas, a perda total fica em R$ 30 bilhões.
E o problema não para por aí. Ainda há perspectiva de não votação do projeto que reonera a folha de pagamento das empresas, que envolve ganho de R$ 8,9 bilhões para os cofres públicos (entre aumento de receitas e diminuição de gastos). O relator, deputado Orlando Silva, disse que a equipe econômica tem mostrado pouco empenho em fazer a proposta avançar. Segundo ele, da forma como está hoje, o projeto teria condições de ser aprovado, mas não há movimentação para que isso ocorra. Assim, o número da perda poderia subir para R$ 39 bilhões.
"O governo está sem foco. O ministro Meirelles (Henrique Meirelles, titular da Fazenda, que deixará o cargo para se candidatar) está focado nas eleições e o Planalto está focado no governo de transição. Eles dizem que o projeto é uma prioridade, mas não agem como se fosse", disse o relator.
A MP que modifica a tributação dos fundos exclusivos chegou a ser aprovada na comissão especial que analisava o assunto, mas teve o texto desidratado. Assim, mesmo que houvesse tempo hábil de aprová-la nos plenários da Câmara e do Senado, a arrecadação de R$ 6 bilhões prevista não valeria para 2018. Isso porque os parlamentares retiraram o efeito retroativo da medida, fazendo com que a mudança na tributação só valha para rendimentos a partir de 2019. A intenção do governo era reverter os itens modificados em plenário, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já sinalizou que não vai pautar a matéria por falta de acordo e que ela deve caducar.
A MP que adia o reajuste dos servidores do Executivo, que caducou no dia 8, está em situação ainda mais delicada. A medida adia os aumentos salariais de 2018 para 2019 e de 2019 para 2020, o que geraria uma economia de R$ 4,4 bilhões nesse ano. Além disso, a MP aumenta a contribuição previdenciária dos servidores públicos de 11% para 14% para quem ganha acima de R$ 5 mil, com impacto de R$ 2,2 bilhões na receita.
O governo já sabia que pautas que envolvem o funcionalismo são de difícil tramitação, mas foi pego de surpresa por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo todos os efeitos da MP. Com isso, o reajuste deste ano já foi aplicado aos salários em janeiro.
Um levantamento feito pelo pesquisador do Ibre-FGV, Manoel Pires, mostra que o índice de aprovação de medidas provisórias está no menor patamar dos últimos 10 anos. Em 2008, o governo encaminhou ao Congresso 40 MPs, sendo que 87,5% das propostas foram aprovadas. Essa chegou a 88,9% em 2009. A partir daí, a taxa foi caindo gradualmente, chegando a 33,3% para as MPs apresentadas em 2017.
De acordo com o trabalho, foram editadas 51 MPs em 2017. Deste total, 17 foram convertidas em lei, três foram revogadas e 14 já caducaram. Outras 17 medidas ainda estão em tramitação, mas três delas também devem perder a validade. Além da tributação dos fundos exclusivos e do adiamento do reajuste dos servidores, o governo deve deixar caducar a medida provisória que faz ajustes na reforma trabalhista.
Segundo Pires, o baixo índice de aprovação de MPs é, em parte, efeito do enfraquecimento do presidente Michel Temer, que ficou refém dos parlamentares para tentar aprovar a reforma da Previdência e para se livrar de denúncias de corrupção apresentadas pela Procuradoria-Geral da República. Mas existe nesse resultado também o efeito de uma mudança na forma de tramitação de MPs determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2013. O STF tornou obrigatória a criação de comissões para analisar o conteúdo de MPs e impediu a inclusão de matérias alheias ao tema original.
O que muda com a derrubada dos vetos à Lei nº 13.606/2018
Com o apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o Congresso Nacional derrubou os vetos do governo federal à Lei nº 13.606/2018, que criou o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) e definiu regras para a renegociação de dívidas de produtores das áreas de atuação da Sudene e da Sudam.
Para o senador Waldemir Moka (PMDB-MS), a derrubada do veto faz justiça aos produtores rurais. Ele afirmou que a carga tributária na agropecuária é muito alta. "Foi um veto injusto", argumentou Moka. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirmou que o setor rural contribui significativamente para o crescimento da economia e tem responsabilidade social. "Quem tem que ter lucro no país é quem produz e trabalha. Vamos recompensar quem trabalha, quem gera empregos e quem atende ao social", disse Caiado.
Paulo Rocha (PT-PA) lembrou que a rejeição do veto presidencial também beneficiará os produtores da agricultura familiar. O senador Benedito de Lira (PP-AL) acrescentou que pequenos, médios e grandes produtores agropecuários têm papel relevante para o desenvolvimento do País.
Os senadores Flexa Ribeiro (PSDB-PA), João Capiberibe (PSB-AP), Cidinho Santos (PR-MT), Acir Gurgacz (PDT-RO), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Pedro Chaves (PRB-MS), e outros também apoiaram a derrubada do veto de Temer.
Com a decisão, ficam restabelecidos dispositivos como os descontos de 100% de multas e demais encargos para renegociação de dívidas com o Funrural, além do fim da tributação multifásica na comercialização da produção entre produtores rurais. Também foi restabelecida a liquidação do saldo devedor com a utilização de créditos de prejuízos fiscais e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a redução da alíquota para pessoas jurídicas (1,7%).
O prazo de adesão ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) termina no dia 30 de abril. Os interessados na renegociação de dívidas devem procurar a Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Principais pontos restabelecidos
- A isenção de 100% das multas de mora e de ofício e dos encargos legais, incluídos os honorários advocatícios, que incidiam sobre o débito do Funrural;
- O fim da tributação multifásica na comercialização da produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas;
- A redução para 1,7% da alíquota para produtor rural pessoa jurídica;
- Liquidação do saldo devedor com a utilização de créditos de prejuízos fiscais e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para os contribuintes estabelecidos como pessoas jurídicas;
- Ampliação do prazo de adesão para 27/12/2018 para os produtores da área de abrangência da Sudene e Sudam para liquidarem suas dívidas com rebate, nas condições estabelecidas pelo artigo 3º da Lei nº 13.340, de 2016, beneficiando assim, as operações contratadas com o Banco do Brasil S.A., Banco da Amazônia S.A. e o Banco do Nordeste do Brasil S.A.;
- Criação de nova tabela de descontos para beneficiar cooperativas, associações de produtores e contratos coletivos com dívida inscrita na Dívida Ativa da União - DAU.
- Suspensão até 27/12/2018, da exigência de certidão negativa para a liquidação ou renegociação de dívidas amparadas pela Lei nº 13.340, de 2016;
- Implementação de mecanismos diferenciados para renegociação ou liquidação de dívidas contraídas por produtores que participaram do Programa Proceder III, no Estado do Maranhão;
- Implementação de mecanismos que permitirão aos produtores rurais, inclusive a agricultura familiar na área de abrangência da Sudene do Espírito Santo, com operações de crédito rural contratadas até 31/12/2016, a renegociarem suas dívidas em condições que permitem carência de pagamentos até 2020 e fixando o final da renegociação para 2030, sem a exigência de Decreto de Emergência, antes exigido pela Resolução nº 4.591, de 2017.