Quando foram anunciados os indicados ao Oscar de 2018, no fim de janeiro, houve pelo menos uma surpresa considerável. Trama fantasma foi lembrado em seis categorias, incluindo melhor filme. Até então, o longa-metragem não vinha sendo badalado como um dos grandes títulos da temporada de prêmios, com apenas duas menções no Globo de Ouro, entre outras cerimônias. Mas a produção possui, de fato, no mínimo, uma dupla de trunfos: a direção de Paul Thomas Anderson e a performance de Daniel Day-Lewis.
Único homem a receber três estatuetas de melhor ator, o intérprete concorre mais uma vez à láurea - em uma sexta e última oportunidade. Ainda no ano passado, o artista revelou que este seria seu último papel nos cinemas. Caso se confirme, é uma despedida digna. Com o talento de sempre, Daniel Day-Lewis vive um estilista minucioso e metódico, assim como a construção narrativa desta história. Para o trabalho, aprendeu a costurar, colaborou no roteiro e, durante as filmagens, era chamado pelo nome do seu personagem.
O enredo se passa em Londres, provavelmente na década de 1950, embora o período não seja citado explicitamente. Já o protagonista é Reynolds Woodcock, um estilista requisitado por realezas e por outros integrantes da alta sociedade europeia. Sua inspiração vem de mulheres que entram e saem de sua vida conforme se encantam e se frustram com sua obstinação. Quando a garçonete Alma (Vicky Krieps, atriz nascida em Luxemburgo) entra em sua rotina, se torna uma dessas novas musas, mas também sua assistente, modelo e amante. A questão é que a jovem se recusa a viver (somente) de acordo com as normas deste homem - regras as quais a irmã linha-dura do protagonista (Lesley Manville) sugere com veemência que sejam seguidas.
Paul Thomas Anderson é um dos cineastas mais celebrados de sua geração. Aos 47 anos, já tem no currículo obras memoráveis, como Magnólia (1999) e Sangue negro (2007). Trama fantasma é um filme menos rocambolesco do que a maior parte de sua produção, mas nem por isso fácil de ser digerido. O casal de personagens principais pouco a pouco revela-se como o retrato de um relacionamento tóxico, mas longe das simplificações.
A obsessão pode virar opressão conforme o poder dos envolvidos. No filme, é possível acusar o estilista de machismo, por exemplo, embora isso não baste para definir a complexidade perturbadora da dinâmica entre o casal. Em meio ao desenrolar das cenas, o combustível para manter a relação funcional - na concepção dos protagonistas, pelo menos - vem de fontes improváveis que salientam o transtorno com o qual vivem.
Também é verdade que o longa-metragem pode exigir paciência demais dos espectadores mais apressados. Rotina e detalhes são elementos que marcam os personagens e a narrativa. Woodcock tem a organização como prioridade, e sua intolerância com intervenções a seus hábitos alimenta a trama. Tudo é costurado de forma lenta, mas conduzido com um charme que vai além dos trajes de alta costura. Há um certo magnetismo que leva o drama ao thriller psicológico.
Além de disputar os Oscar de melhor filme e ator, Trama fantasma concorre às estatuetas dedicadas a direção, atriz coadjuvante (Lesley Manville), figurino e trilha sonora (assinada por Johnny Greenwood, conhecido como um dos integrantes da banda Radiohead). Já consagrado por Meu pé esquerdo (1989), Sangue negro e Lincoln (2013), Day-Lewis tem missão difícil neste ano: o favoritismo está com Gary Oldman, que tem conquistado os principais prêmios da temporada por sua interpretação de Churchill em O destino de uma nação.