Quem passa pela Rua dos Andradas, a popular Rua da Praia, no Centro Histórico de Porto Alegre, logo percebe que alguma coisa está diferente por ali. São lojas grandes, forradas de bolsas, acessórios e bijuterias, com um atrativo que, de cara, chama a atenção: o baixo preço. Ao adentrar, outra surpresa. Chineses que arriscam poucas palavras em português, mas que, de algum jeito, garantem a venda. E como vendem.
Espalhadas pelo Centro, os comércios chineses do ramo são sete lojas ao todo. Cinco delas de um único proprietário, que chegou a Porto Alegre há pouco mais de um ano: Mirelle Presentes, Mirelle Folheados, La Bella, Bella Dona e Flávia. Ding Weng - ou simplesmente Luciano, como escolheu ser chamado no Brasil – saiu de uma localidade próxima à Xangai para arriscar os negócios em solo brasileiro. Já instalado aqui, trouxe outros 10 chineses, entre amigos e parentes, para ajudarem na empreitada.
Dentre todos, Luciano, ou Weng, é o que melhor fala português. Embora de poucas palavras, o empresário garante que aprendeu tudo do idioma em Porto Alegre mesmo. Entre uma resposta curta e outra, Luciano conta que o convite para vir ao Brasil partiu de um familiar instalado em São Paulo já há 12 anos, e que apesar do passo arriscado, a vida mudou para melhor com a mudança de país.
A mais recente das suas cinco lojas tem apenas um mês, e, mesmo com o momento fraco da economia, o entra e sai de consumidores não para. Os artigos vão de anéis a R$ 6,00 até bolsas de R$ 240,00. Há produtos para todos os bolsos. Cada loja emprega de três a quatro funcionários brasileiros, responsáveis pelas vendas e que ajudam na comunicação entre clientes e os chineses.
Nas imediações da rua Voluntários da Pátria, as lojas K8 e K9 Atacado e Varejo imprimem a marca chinesa numa das regiões mais movimentadas do comércio do Centro. Ambas são da rede de Jinde Lin, que comanda os negócios a partir de São Paulo, onde possui mais uma loja. Dividido entre Brasil e China, Lin tem como braço direito Rosemari Pereira, gerente das lojas na Capital. Rosemari saiu de Salvador, na Bahia, onde já trabalhava com chineses, para levar a rede de Lin a outras regiões.
Porto Alegre foi escolhida, conta a gerente, por ser um grande centro econômico. Além do comércio forte, a capital abastece lojistas do Interior. Lin abriu a primeira loja há seis anos e a última há seis meses. Outra que foi aberta em Pelotas acabou não vingando e fechou. A gerente adianta que está nos planos do chinês abrir mais lojas, ainda sem local definido. Junto com Rosemari, funcionários chineses e brasileiros dividem funções nos estabelecimentos.
Umas abrem, outras fecham
Loja Mirelle com chineses na Rua da Praia em Porto Alegre
Patrícia Comunello/Especial/JC
A chegada com força dos chineses, no entanto, não foi suficiente para alavancar o movimento no comércio da Capital, em queda há meses. Dados da Junta Comercial do Rio Grande do Sul (Jucergs) mostram que, no segundo semestre de 2015, foram fechados 1.081 estabelecimentos varejistas na Capital, enquanto 949 foram abertos. O segmento de vestuário e acessórios lidera o ranking, com 191 pontos fechados, seguido pelo de suvenires, bijuterias e artesanato, que teve encerramento de 77 negócios.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse, há uma reacomodação do mercado recessivo. Enquanto lojas estão abrindo, o número de fechamentos ainda é mais acentuado, exigindo dos empresários que se reinventem. “Quem não inovar, está fadado ao fracasso”, avisa Kruse. Neste sentido, o presidente destaca que o Sindilojas busca capacitar lojistas e auxiliá-los a superar a crise. Uma das estratégias repassadas é como lidar com a concorrência.
A chegada dos chineses a Porto Alegre vai ao encontro do que Kruse chama de economia de escala, na qual empresários se reúnem em grupos para fazer compra de maior volume. “Trata-se de um movimento natural e mundial da economia e que tem vantagens sobre o comércio local”, pontua. O papel do sindicato é “mostrar caminhos de como os varejistas locais podem se associar e criar redes de compras para garantir preços mais baratos”.
Entre os lojistas locais, o clima é de preocupação com a queda nas vendas e o baixo movimento. Gerente da Shan Biju há 13 anos, Angelita Zeferino diz que este é o pior momento em todo o tempo em que atua no comércio. Desde agosto do ano passado, as vendas na loja, situada na rua Voluntários da Pátria, caíram 60%. Ainda sem vislumbrar a retomada, a lojista diz que é preciso aprender a lidar com a situação, antes de ficar buscando culpados. “Crise e concorrência fazem parte. Tem de saber trabalhar”, diz Angelita.
Mesmo os chineses, que ostentam lojas sempre cheias de clientes e filas nos caixas, admitem sentir o efeito da queda nas vendas. Para Luciano, o movimento nos últimos meses está abaixo do esperado, o que coloca em dúvida a abertura de novas lojas.
Imigrantes movimentam o atacado
Loja Mirelle com chineses na Rua da Praia em Porto Alegre
Patrícia Comunello/Especial/JC
Enquanto os gastos dos consumidores diretos nas lojas enfraquecem, a compra por atacado a baixo custo vira alternativa para outros. Por concentrarem uma grande variedade de produto e preços acessíveis, as lojas chinesas também se tornam fornecedoras de outras lojas menores. “Comprar mercadorias diretamente do centro de Porto Alegre é mais econômico do que ir a São Paulo ou ao Paraguai”, comenta uma lojista da Capital, que não quis se identificar.
Quem também aquece os atacados são os imigrantes africanos. Eles compram luvas de inverno, toucas, mantas e guarda-chuvas que depois são revendidos na rua. As vendedoras brasileiras que tentam intermediar a troca contam que a procura pelos ambulantes é grande. Sem encontrar um idioma comum, a comunicação entre as duas etnias imigrantes fica por conta das mímicas. De algum jeito, tudo se vende.
Clientes são seduzidas pela variedade de itens
Loja Mirelle com chineses na Rua da Praia em Porto Alegre
Patrícia Comunello/Especial/JC
A desculpa quase sempre é a mesma. "Passo sempre aqui em frente e sempre entro", diz Daniela Salton, que virou cliente assídua de uma das lojas dos chineses na Rua dos Andradas. "Acho que vou levar um anelzinho. Fui seduzida", conta a administradora Vanessa Silveira, que fica encantada com o brilho do ambiente e da decoração do ponto.
Na entrada do estabelecimento, mostruários repletos de anéis, dos mais variados brilhos, materiais e, claro, tamanhos e estilos - dos mais extravagantes aos mais discretos - provocam a clientela feminina. E ainda tem colares, bolsas, acessórios, tocas, maquiagens populares e básicas. Vanessa conta que já foi a outras filiais e que os preços são muito bons. Também percebeu logo que os proprietários e atendentes são chineses autênticos. "Eles quase não falam português. Senti isso ao tentar conversar e não deu muito certo", lembra Vanessa, aos risos. "Aqui tem variedade e preço acessível."
Daniela Salton entrou, olhou e escolheu dois brincos. Suficiente para um sábado. "Não consigo não entrar sem levar. Passo toda a semana aqui, é muito bom." Ela gastou R$ 20,00. A professora estadual Regina Marques entrou na loja de Ding Weng pela primeira vez, gostou do ambiente e na entrada pediu para ver toucas de lã. Um dos atendentes, um chinês que se identificou como Jon, apresentou as opções e cores. A professora disse que ia experimentar para ver se é bom o produto. "Produto chinês tem fama de ser ruim. Como tem produto no Brasil que não é bom", observou Regina. Jon reforçou: "Produto chinês é bom, é bom".