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Direitos Humanos

- Publicada em 21 de Novembro de 2017 às 08:40

Há 28 anos em vigor, Lei do Racismo é pouco executada no País

Conforme a Susepe, não há presos por racismo no Rio Grande do Sul

Conforme a Susepe, não há presos por racismo no Rio Grande do Sul


TÂNIA RÊGO/ABR/JC
Estabelecido em 2003, o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) passou a ser uma data de reflexão sobre a inserção do negro na sociedade. Considerando que relatos de discriminação e de preconceito são encontrados facilmente nas redes sociais, é possível concluir que, embora haja normas que prevejam punição para crimes de racismo, pouco são aplicadas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, não há nenhum preso por esse crime, de acordo com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Estabelecido em 2003, o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) passou a ser uma data de reflexão sobre a inserção do negro na sociedade. Considerando que relatos de discriminação e de preconceito são encontrados facilmente nas redes sociais, é possível concluir que, embora haja normas que prevejam punição para crimes de racismo, pouco são aplicadas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, não há nenhum preso por esse crime, de acordo com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Criada em 1989, a Lei nº 7.716 define os crimes de preconceito racial, determinando pena de reclusão a quem tenha cometido atos de discriminação ou de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. No entanto a prisão por racismo é tão rara que nem mesmo consta no mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional, de 2014. Os dados só mostram as sentenças por "grandes categorias" - crimes contra o patrimônio, a pessoa, a dignidade sexual etc. Contraditoriamente, a maioria dos detentos é negra, preta ou parda (53,63%), de um total de 61,67% de brasileiros.
Os motivos pelos quais praticamente não há prisões por esse motivo não é, obviamente, a inexistência do problema. Casos de racismo ocorrem diariamente, mas acabam ganhando maior notoriedade quando envolvem figuras públicas. Para o procurador do Estado e presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da seccional gaúcha da OAB-RS, Jorge Luís Terra da Silva, o motivo pelo qual a Lei nº 7.716 não funciona é simples: a lei é ruim. "Essa lei de combate ao racismo se refere a lugares - por exemplo, discriminar alguém no salão de beleza ou em um restaurante, exigir boa aparência nesses locais. São fatos que exigem provas que, muitas vezes, os vitimados não conseguem produzir, o que leva a um grande número de absolvições", explica.
Silva argumenta que também existem contradições internas. Compara a situação em que um líder empresarial, em uma reunião, proíbe seus funcionários de contratar negros ou índios, com a situação de alguém que faz suásticas e as distribui de graça. "O líder vai ser punido com um a três anos. Já quem fez a suástica vai receber pena de dois a cinco anos. Mas qual é o ato mais danoso, é de quem entrega esse símbolo, ou de quem impede as pessoas de trabalhar?", argumenta.

Estado falha ao descumprir normas de combate ao racismo

A negligência no cumprimento às leis de combate ao racismo não passa somente pela punição ao crime. O Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 2010) e o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96), que prevê que o ensino da história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente as indígenas, africanas e europeias, tampouco são respeitados no País.
O procurador Jorge Luís Terra da Silva argumenta que a Lei de Diretrizes e Bases não é cumprida em nenhum município do Rio Grande do Sul. "De certa forma, também é descumprida pelo Ministério da Educação, porque não altera as graduações. Os alunos saem da faculdade sem capacidade técnica de ensinar isso", argumenta. Para ele, essas leis, que serviriam para combater os crimes raciais, e que são negligenciadas tanto pelo Estado como pela sociedade, compõem o chamado racismo institucional.

Representação do Ministério Público passou a ser obrigatória

Além da Lei do Racismo, o artigo 140 do Código Penal prevê pena de detenção, de um a seis meses, ou multa, em casos de injúria que ofenda a dignidade ou o decoro do indivíduo. No caso de a injúria consistir na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena de reclusão é de um a três anos e multa. No entanto um limitador por parte das vítimas de racismo é a Lei nº 12.033, de 2009, que altera a redação do parágrafo único do artigo 145 do Código Penal, tornando pública condicionada a ação penal.
Na prática, isso significa que a representação da vítima, antes uma ação penal privada, agora é condicionada à manifestação do Ministério Público (MP). "Mediante ocorrência de um caso, se a parte insistir e o delegado encaminhar, no prazo de seis meses, para o Judiciário, vai para o MP, que escolhe oferecer denúncia ou não", explica o advogado e ativista do movimento negro Antônio Carlos Côrtes. "E, mesmo que o MP ofereça a denúncia, cabe ao juiz aceitá-la ou não. A parte não pode fazer nada, porque o dono da ação é o MP", explica. Para Côrtes, a mudança foi um retrocesso, levando as vítimas a perderam o estímulo para denunciar casos de racismo.
Antes da Lei nº 12.033, quem se sentisse vitimado poderia procurar a delegacia e registrar um boletim de ocorrência de discriminação racial ou de preconceito. A partir dele, o advogado, como é o caso de Côrtes, poderia ajuizar uma ação de queixa-crime em juízo e entrar com representação. "Eu buscava testemunhas e tentava apresentar alguma prova material. Usava o artigo 140 e, dessa forma, consegui muitas condenações. Depois do trânsito em julgado do recurso, era possível entrar com ação de dano moral, pedindo conversão em pecúnia, a título de indenização.
Além de tudo, para Silva, o artigo 140 do Código Penal também apresenta um erro técnico, uma vez que o termo injúria denota a intenção de querer causar mácula ou mágoa em alguém por meio de expressões. "Quando utilizo uma expressão de cunho racista contra alguém, quero demonstrar uma superioridade, por questões históricas e socioeconômicas. Esse tipo penal da injúria racial é um desserviço à intenção da sociedade de não ver mais atos desse tipo. Acaba não gerando o efeito concreto", explica o procurador.
Para os juristas, o problema não é a falta de leis. Tanto Côrtes como Silva acreditam que há leis suficientes sobre o assunto. "O que precisamos fazer é modificar o texto. Primeiro, afastar a figura da injúria racial e, segundo, alterar o texto com relação ao crime de racismo", explica Silva. Ele também critica o fato de que a reforma do Código Penal esteja sendo feita longe dos olhos da sociedade. "A pena (para esse crime) vai ser diminuída - de um a três anos, sem multa. É uma situação de quase não punição", lamenta. Cortês acredita que, para tal crime, a pena de reclusão não é a mais indicada. "A questão é consciência e educação. Tem que mexer no bolso. É o órgão mais sensível do corpo humano. Na própria ação penal condenatória, já é possível embutir indenização. A parte tem direito de buscar, no cível, a indenização pelo dano moral", lembra o ativista.