A luta pelo direito de existir segue impactando gerações de mulheres no mundo inteiro, incluindo as gaúchas. Em apenas dois meses deste ano, janeiro e fevereiro, o Rio Grande do Sul contabilizou 19 vítimas fatais da violência de gênero e 40 tentativas de feminicídio. De forma preventiva e com a meta de aperfeiçoar a rede de acompanhamento dos casos de violência doméstica no RS, o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (EmFrente, Mulher) implantará, ainda em 2022, em quatro municípios, o projeto-piloto Monitoramento do Agressor.
O termo de referência para contratação do serviço já foi finalizado e o processo para preparação de abertura da licitação está em andamento, conforme a Secretaria de Segurança Pública (SSP). De acordo com o secretário-executivo do RS Seguro, Antônio Padilha, o objetivo é criar zonas de exclusão, com o uso de uma pulseira ou tornozeleira. Assim, a vítima será avisada com antecedência de espaço e tempo da proximidade do agressor.
Com investimento de R$ 4,2 milhões, destinados pelo Avançar na Segurança, o Monitoramento do Agressor "é um projeto que não será usado somente em Porto Alegre, a ideia é que o estudo seja implantado em nível estadual", explica a major Karine Pires Soares Brum, coordenadora estadual das Patrulhas Maria da Penha.
O projeto faz parte das 11 iniciativas do EmFrente, Mulher apresentadas em 2020. Na busca por abordar a temática da violência de gênero, além do dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher) e manter o funcionamento do comitê independente dos resultados eleitorais deste ano, cinco dos 11 tópicos já estão em funcionamento.
Embora existam programas de combate à violência de gênero, somente no ano passado, 96 mulheres foram assassinadas no Estado. Desse total, 89,6% não tinham amparo de Medidas Protetivas de Urgência (MPU), conforme mostrou a primeira reportagem da série sobre o combate à violência de gênero, publicada no dia 24 de março, pelo Jornal do Comércio. No dia 7 de abril, a última reportagem irá abordar o serviço de acolhimento a mulheres vítimas de violência no RS.
O aumento de 21% no número de feminicídios no ano passado em relação a 2020, quando 80 mulheres foram assassinadas, evidencia que o problema se trata de algo estrutural, cultural e histórico. Por isso, o combate à violência contra a mulher precisa começar desde cedo, ainda com as crianças e adolescentes. "Em plena pandemia, com todo o agravamento dos casos de violência, não é possível que se tenha como estratégia exclusivamente ações de canais de denúncia", observa a coordenadora da área de violência da ONG Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Renata Jardim.
No Estado, são vários os projetos de combate à violência doméstica. Com um olhar de que o jovem será o futuro da sociedade, o projeto Ações nas Escolas, liderado pela juíza da Vara da Violência Doméstica da Comarca de Canoas, Fabiana Pagel da Silva, busca introduzir em crianças e adolescentes a temática do combate à violência contra a mulher. "Se nós conseguirmos incutir na cabeça das crianças e dos jovens o quanto é equivocado o tema da violência doméstica, vamos fazer uma grande diferença", comenta o secretário-executivo do RS Seguro.
Na mesma linha educativa, por meio de Grupos Reflexivos de Gênero, o poder Judiciário identifica homens ligados a situações de violência doméstica e impõe que eles frequentem cursos que provoquem reflexão. O programa é liderado pela juíza Madgéli Frantz Machado, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Porto Alegre.
Comitê fecha parceria com rede de hotéis para abrigar vítimas de violência doméstica
Para reduzir os índices de criminalidade de gênero e garantir direitos básicos como andar na rua e permanecer em casa com segurança, está nos planos do comitê a criação de um espaço voltado para a mulher trabalhadora e a criação de centros de atendimento e referência em atendimentos socioeducativos. Além disso, parcerias com iniciativas privadas irão auxiliar na contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e a garantir vagas na educação infantil. Essas parcerias também ocorrem em projetos paralelos às iniciativas específicas do comitê.
Na última terça-feira (29), o comitê firmou uma parceria com o programa Acolhe, idealizado pelo Instituto Avon e Accor, com apoio técnico do Instituto para Desenvolvimento Sustentável (Indes). A iniciativa oferece abrigo temporário em hotéis da rede Accor para mulheres em situação de violência e seus filhos.
"A mulher foi agredida pelo marido, não quer mais conviver com ele, mas, muitas vezes, é ela quem sai de casa e não tem para onde ir. Nessa parceria, a rede Accor tem 1.500 vagas disponíveis no Rio Grande do Sul para acolher mulheres que sofrem violência doméstica, por até 15 dias", comenta Padilha.
Já no ramo da ciência de dados, o EmFrente, Mulher desenvolveu um acordo de cooperação técnica com a London School of Economics. A ideia é "desenvolver um modelo, a partir do que já existe no Reino Unido, mas de acordo com nossa realidade, sobre quais as variáveis que levam uma mulher a ser vítima de violência doméstica, especialmente feminicídio, e quais as variáveis que levam um homem a ser autor de violência doméstica, especialmente feminicídio", explica o delegado Padilha.
Oficializado pelo ex-governador Eduardo Leite em agosto de 2020, a criação do comitê EmFrente, Mulher foi o primeiro dos 11 projetos voltados ao combate da violência de gênero a ser colocado em prática. Coordenado, em sua maioria, por mulheres, o projeto reúne os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), além de 16 instituições municipais e estaduais e nove secretarias de proteção da mulher.