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Entrevista especial

- Publicada em 24 de Fevereiro de 2019 às 21:42

Em 2018, Carris reduz prejuízo pela metade, afirma diretora-presidente

Presidente da Carris, Helen Machado

Presidente da Carris, Helen Machado


/CLAITON DORNELLES /JC
Quando foi indicada por uma agência de caça talentos para assumir um cargo na Companhia Carris Porto-Alegrense, a primeira pergunta que a administradora de empresas Helen Machado ouviu na entrevista para a vaga, com integrantes da prefeitura da Capital, foi como se sentia em atuar em uma empresa majoritariamente masculina. "Como nunca observei isso - trabalhei com cervejaria e ramo financeiro, áreas dominadas por homens, nunca levei isso em consideração. O que olho são os desafios", pondera. E a empreitada na Carris não seria para qualquer um, seja homem ou mulher. Ela aceitou, em fevereiro de 2017, abortando férias recém-iniciadas. Dois meses depois de assumir a diretoria administrativa-financeira da estatal, Helen passou à diretora-presidente, com a saída prematura de Luis Fernando Ferreira, também oriundo do setor privado.
Quando foi indicada por uma agência de caça talentos para assumir um cargo na Companhia Carris Porto-Alegrense, a primeira pergunta que a administradora de empresas Helen Machado ouviu na entrevista para a vaga, com integrantes da prefeitura da Capital, foi como se sentia em atuar em uma empresa majoritariamente masculina. "Como nunca observei isso - trabalhei com cervejaria e ramo financeiro, áreas dominadas por homens, nunca levei isso em consideração. O que olho são os desafios", pondera. E a empreitada na Carris não seria para qualquer um, seja homem ou mulher. Ela aceitou, em fevereiro de 2017, abortando férias recém-iniciadas. Dois meses depois de assumir a diretoria administrativa-financeira da estatal, Helen passou à diretora-presidente, com a saída prematura de Luis Fernando Ferreira, também oriundo do setor privado.
Depois de quase dois anos no posto, a executiva define a situação financeira da companhia como ainda "grave", dificultando, por exemplo, a obtenção de crédito para renovação da frota, vital na operação. Mesmo alegando restrições para abrir os números do ano passado - que serão revelados após o exame de uma auditoria externa -, a diretora-presidente adiantou, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, que o prejuízo foi a metade do registrado em 2017 - cerca de R$ 21 milhões. Além disso, a estatal pegou bem menos dinheiro do que previa do Tesouro do município. Agora, a Carris encara o momento mais crucial. Uma consultoria contratada pela prefeitura deve indicar saídas para o futuro, como se manter pública ou ser vendida. Helen evita se posicionar, mas demarca uma convicção: "o que a gente precisa aqui dentro é entender que a Carris tem de se pagar, o que não significa gerar lucro".    
Jornal do Comércio - Qual era a situação da empresa quando a senhora assumiu em 2017? 
Helen Machado - Era muito difícil por ser uma empresa pública e com forte perfil político. Não se conseguia o entendimento que eu estava no papel de executiva e a equipe também, o que gerava um desconforto muito grande, sofremos boicote. Descobrimos que o responsável pelo caixa da empresa fraudava processos judiciais, criando demandas cíveis. Quando o servidor sentiu que algo ia acontecer, tentou esconder informação. E ele era o cara que cuidava do caixa, do tesouro da empresa. O grande desafio da Carris é a mudança de comportamento. Há o problema financeiro, mas, se as pessoas continuarem achando que tem de ter um salvador que vai chegar e resolver as coisas, isso não vai acontecer.
JC - Quanto o fator financeiro ameaça o futuro da Carris?
Helen - Se a gente ficasse olhando para isso, as coisas não iriam acontecer. E não é porque é a Carris. Em qualquer empresa, quando se fica olhando muito para o que está ruim, não se consegue promover mudanças para encontrar o que é bom. Estamos fazendo hoje coisas básicas na gestão, como elevar os treinamentos dos quase 1,7 mil funcionários de 5 mil horas para 35 mil horas. Sem recursos, a Carris teve de se reinventar. Assumimos com R$ 74 milhões de prejuízo de 2016, que baixou a R$ 43 milhões em 2017 e, em 2018, atingimos o objetivo de reduzir o resultado negativo, mas continuamos deficitários. A Carris continua com uma situação financeira grave, o que causa dificuldade para renovação de frota. A saúde financeira é um grande obstáculo ainda. 
JC - Qual era o objetivo para 2018?
Helen - Reduzir em 50% o prejuízo em relação a 2017.
JC - Então ficou em R$ 21 milhões?
Helen - (Silêncio e sorriso indicando que o valor está correto). Vamos divulgar esse dado em abril, após uma auditoria externa concluir os exames das contas, por uma questão de credibilidade. A Carris nunca fez auditoria externa. Desde que a gestão assumiu, a auditoria valida os números, o que ocorreu sobre os dados de 2016 e 2017. Só que este ano o escopo será um pouco maior, vamos montar uma matriz de risco operacional, de controle interno e financeiro da companhia. 
JC - O que acontece a partir dessa auditoria?
Helen - Os auditores podem identificar situações de risco ou indicar que o caminho que se traçou está adequado. Isso tudo para dar garantia de que a empresa é séria. Uma certificação de uma auditoria externa dá transparência à administração municipal e à população. Entre os benefícios está conseguir financiamento. Os bancos, quando negociam com uma empresa que tem a chancela de uma auditoria, têm a segurança de que as informações são verdadeiras, de que a Carris é uma boa pagadora, reduzindo até o custo da operação de crédito. Estamos com um edital pronto para a compra de 87 ônibus. Projetamos investimento de R$ 40 milhões, mas o aporte será maior devido à despesa com financiamento. Haverá uma diferença nessa aquisição em relação a de 2006, pois agora todos os carros têm de ter ar condicionado e acessibilidade. Nossa frota tem 347 veículos (30 da reserva técnica), sendo que 190 tem dez a 12 anos de vida.
JC - Quanto o prejuízo pode dificultar o empréstimo?
Helen - Desde 2017, estamos falando com os bancos para obter crédito. Mas quem empresta dinheiro para quem está devendo ou acumula mais de R$ 300 milhões de prejuízos nos últimos anos? Ou quando se olha que o P/L (preço das ações da Carris sobre o lucro) está invertido há de três anos? Estamos fazendo um esforço descomunal para mostrar credibilidade e que estamos aqui com um projeto realmente sustentável. Quem vai emprestar o recurso vai olhar o caminho que a empresa está adotando. Não adianta nada dizer que estamos fazendo um trabalho lindo e maravilhoso, mas continuar no prejuízo. 
JC - O fato de o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) já ter falado que a empresa pode ser privatizada ou até fechada afeta as negociações? Quem vai emprestar para uma empresa que não se sabe se vai continuar aberta ou se pode mudar de dono?
Helen - Tudo depende de como se trata isso. No cenário privado, vemos todo dia empresas sendo vendidas, fazendo fusão com outra. Esta é uma realidade do mundo dos negócios. Se coloca no lugar dele: há dez anos a empresa tem prejuízos. Por isso, tem de separar a gestão do negócio. Olhando friamente temos um negócio deficitário e falido, ponto. Portanto, não é o comentário do prefeito que impede isso (o empréstimo), mas um P/L negativo há três anos. (A declaração do prefeito) Até pode ter influência, mas não é direta. Quem vai financiar quer saber se a Carris vai honrar os compromissos financeiros de longo prazo. O que agrava é que a situação do município, que poderia dar as garantias, é a mesma.
JC - A prefeitura colocou dinheiro na Carris em 2018?
Helen - No ano passado, a empresa tinha para receber R$ 30 milhões do Tesouro e só usamos R$ 19 milhões. Isso nunca aconteceu, pois, desde que a Carris pede aporte, pega integralmente o valor pedido. Foram R$ 52 milhões em 2016 e R$ 48 milhões em 2017. Dos quase R$ 19 milhões de 2018, R$ 13 milhões foram para quitar financiamentos contratados em gestões passadas, R$ 3,5 milhões de refinanciamento de dívidas com o INSS antes de 2016 e R$ 2 milhões para a Câmara de Compensação Tarifária (CCT), por não cumprirmos a rodagem prevista no sistema de transporte. Se não tivesse esse passivo, talvez não tivesse sido necessário pedir dinheiro. Para 2019, a projeção é de R$ 14 milhões, sendo que metade desse valor será usada para renovar a frota. Mas estamos trabalhando para não precisar recorrer ao Tesouro. Muito do nosso prejuízo foi para pagar custo operacional. Nem para colocar ônibus na rua a Carris pagava a conta. Tivemos faturamento bruto de R$ 167 milhões em 2018, ante R$ 153 milhões em 2017, que foi menor que os R$ 155 milhões em 2016. A queda teve a ver com a perda de passageiros.
JC - Este ano fecha com prejuízo, zero a zero ou lucro?
Helen - Não posso falar. O que posso te dizer é que a nossa obstinação, nosso acordar e dormir dentro dessa empresa é para zerar o déficit. Por isso, em todas as salas temos o cartaz com a meta “zerar o déficit”.
JC - Há condições para isso?
Helen - Independentemente do que a consultoria contratada pela prefeitura for indicar de cenário, a empresa tem de estar financeiramente bem. A nossa meta é zerar. Temos ainda 2019 e 2020 para isso. A renovação da frota é um fator para isso, pois cairá o custo da manutenção. Precisamos fazer a compra até outubro. Cada etapa do processo de licitação é de 90 dias. Portanto, temos de lançar o edital com a licitação para a compra até abril.
JC - Há ônibus parados por falta de manutenção?
Helen - Este é o maior equívoco que se cometeu desde que assumimos. Esta administração nunca restringiu investimento em manutenção. A Carris não tinha manutenção preventiva havia dez anos. Em vez de a gente definir quando um carro ia parar, era o veículo que fazia isso. Hoje a gente sofre com esse passivo, limitando a eficiência. Capacitar as pessoas também ajuda nesse processo. Passamos a trabalhar no desperdício. Descobrimos um vazamento que fazia a conta de água ficar em R$ 200 mil mensais, que caiu a R$ 12 mil após o conserto. A Carris recolhia mais INSS sobre a venda de passagens do que devia. Desde dezembro de 2015, a alíquota passou de 3% para 2%, mas a empresa continuava a pagar com base na antiga. Entre 2017 e 2018, reduzimos a conta em R$ 4 milhões. Por ano, a despesa é de R$ 3,3 milhões.
JC - Com o resultado da consultoria, a prefeitura bate o martelo sobre venda ou decide se continuará pública?
Helen - Com certeza, pois o investimento é alto nessa consultoria e o papel dela é apontar a melhor oportunidade para a cidade de Porto Alegre. A decisão vai ser tomada com um olhar técnico. A consultoria vai analisar o passado e o negócio, o que pode trazer de benefícios e onde estão as oportunidades. Não tem como uma empresa continuar viva da forma como a Carris está, com prejuízo. É preciso ter visão de longo prazo e do impacto para o sistema de transporte. 
JC - Como enfrentar problemas como aplicativos de transporte que disputam passageiros, violência, crise econômica e ainda ter de gerar resultado?
Helen - Nos últimos anos, a queda de usuários foi tão impactante que os aumentos da tarifa serviram só para cobrir a perda com passageiros. Em janeiro, a queda foi de 11%. Em 2018, tivemos 1% de aumento de pagantes, que foi efeito da volta da cobrança da segunda passagem. O setor demorou muito para tomar algumas decisões a partir de um olhar sobre os novos entrantes, que é vital para qualquer negócio. Não nos preparamos para a chegada da bicicleta, nem do patinete, último a entrar, e muito menos para os aplicativos de transporte. Agora temos de entender que esses meios fazem parte do cenário moderno e ver como nos reinventarmos. É um grande desafio. A eficiência operacional para não deixar o passageiro aguardando em parada e a maior qualidade farão com que tragamos mais usuários. A inovação tecnológica trará resultados para a recuperação de passageiros. Não consigo imaginar terra arrasada, pois o mundo trabalha com transporte coletivo. Mas precisamos entender como ter eficiência operacional, com um valor de tarifa que cubra os custos. Hoje se trabalha com 30% de gratuidade, o que é um alto índice.
JC - Mas se aumentar muito o valor, o usuário não vai poder pagar. O transporte de ônibus precisa de subsídios?
Helen - Ainda acho que podemos trabalhar outras coisas antes, como a eficiência energética. O poder público está saturado para investir. A ideia de que melhorar a qualidade resolve o problema continua, mas isso gera dúvidas. Não sabemos quanto ainda teremos de queda nos usuários, mas isso tem de parar. Temos linhas que transportam cinco passageiros por viagem. Como sustentar isso? As tecnologias podem ajudar a melhorar a densidade por viagem, se o usuário souber o horário que o ônibus vai passar. Em março, vamos começar os testes com GPS em 50 ônibus, para podermos avaliar o investimento e resultados para o sistema. A segurança? Conseguimos reduzir em 50% o índice de assalto em nossos ônibus. Quando assumimos, eram duas a três ocorrências por dia, hoje esse é o número por semana.
JC - O que a senhora diria aos usuários sobre o futuro da Carris: é público ou é privado?
Helen - O que posso dizer é que uma empresa independentemente de ser pública ou privada tem de ser saudável. Então, qualquer futuro precisa passar por uma condição financeira que permita ter recurso para investir, para não chegar ao ponto de não conseguir renovar a frota por não ter se cuidado ou por não feito a sua parte. Quem paga a conta acaba sendo a população. O que a gente precisa aqui dentro é entender que a Carris tem de se pagar, o que não significa gerar lucro, e tem de ser uma empresa independente para poder fazer as suas ações com um olhar para o negócio e ter dinheiro para investir. Não existe continuidade em um negócio sem saúde, e não importa se é público ou privado. Se estamos dentro de um ambiente que é concorrencial, temos de dar a resposta. O grande desafio dessa administração é entender que essa empresa, como qualquer outra, tem de estar aqui para trazer resultado para a população. 

Perfil

Helen Machado nasceu em Porto Alegre, tem 44 anos, é casada com o administrador de empresas Fernando Oglioso e mãe de João Vitor, de seis anos. Formada no curso de Técnico em Contabilidade, é graduada em Administração de Empresas pela Unisinos e pós-graduada em Finanças Empresariais pela ESPM-Sul. Tem uma carreira de mais de 20 anos em empresas e mercados do setor privado. De 1997 a 2005, foi coordenadora administrativa e financeira da Unidade Regional de Sapucaia do Sul da Ambev, do ramo de cervejaria. Entre 2009 e 2013, Helen ocupou funções de superintendente de Operações e de Produtos do Grupo Sabemi e de gerente Operacional da Sabemi Seguradora. Depois, atuou em consultoria no setor privado entre 2014 e 2017 com foco em projetos de gestão por processos, com criação de indicadores de desempenho, pesquisas para avaliar negócios potenciais, planos de viabilidade econômica financeira e planejamento estratégico. Entrou na Carris em fevereiro de 2017, após ser selecionada em banco de talentos, como diretora administrativa-financeira, e assumiu o cargo de diretora-presidente em abril de 2017.