A pandemia incentivou famílias e empresas brasileiras a poupar como nunca. Foram acumulados mais de R$ 756 bilhões em 2020, segundo levantamento realizado pelo pesquisador Carlos Antonio Rocca, que coordena o Cemec-Fipe (Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). O número corresponde a cerca de 15% do PIB do período.
As empresas responderam pela maior parte dos recursos, R$ 491 bilhões. As famílias, por sua vez, reuniram R$ 265,3 bilhões. Segundo Rocca, trata-se de um valor inédito e que pode contribuir para a recuperação da economia nacional neste ano.
O levantamento divulgado mostra, por exemplo, como as famílias rebalancearam os investimentos financeiros. De um lado, é possível ver que colocaram R$ 133,9 bilhões em depósitos a prazo, como CDBs, R$ 120,7 bilhões na caderneta de poupança e R$ 56,4 bilhões em ações. No entanto, de outro lado, sacaram R$ 63,7 bilhões de fundos de investimentos, por exemplo.
O Cemac tem um modelo que permite contabilizar e analisar os dados de várias fontes, como Banco Central, B3 e Anbima, entidade do mercado de capitais, sem que ocorra dupla contagem, que é o desafio nesse tipo de pesquisa.
O levantamento considera dados de janeiro a setembro de 2020, que estavam disponíveis no período de coleta para o cruzamento de informações. Nos próximos meses, será possível fazer nova rodada de coleta nas diferentes fontes, reunindo números anuais consolidados.
Dado o cenário econômico neste início de ano, Rocca tem a avaliação de que nem todos os R$ 756 bilhões devem se converter imediatamente em consumo e investimento.
No primeiro semestre de 2021, afirma o economista, as incertezas associadas ao novo ciclo de contágio da pandemia, a adoção de novas ações de afastamento social e o avanço relativamente lento da vacinação devem manter os fatores que têm inibido o consumo, especialmente na área de serviços, e estimulado a poupança.
"A expectativa no primeiro trimestre é uma certa estagnação. Na medida em que você tenha um comportamento melhor do lado da pandemia, que a gente supere esse ciclo de agravamento e a que vacinação comece a ter algum efeito, você começa a reduzir os dois componentes que explicam essa acumulação de poupança financeira."
Segundo Rocca, a retenção de recursos, no caso das famílias, é uma reação financeira ao afastamento social, que reduz gastos em alguns estratos sociais, e à crise econômica, que afeta especialmente o mercado de trabalho, reduzindo a oferta de vagas em vários segmentos.
Por precaução, nesse ambiente, a escolha é gastar o mínimo possível. "Na medida em que a gente veja a flexibilização do afastamento social, é muito provável que as famílias passem a ter um padrão de consumo mais normal."
Segundo Rocca, o fim do auxílio ou sua renovação em bases menores também não devem levar a um desembolso significativo dessa poupança.
Embora uma parcela dos R$ 265,3 bilhões acumulados pelas famílias tenha vindo do auxílio, Rocca afirma que a maior parte do dinheiro pertence a famílias com maior poder aquisitivo e que gastaram menos em razão do fechamento de vários serviços ou que fizeram uma poupança precaucional.
"A maior parte dessa poupança financeira é da classe média, classe média alta. Acho pouco provável que esse pessoal já comece a desmontar isso para reforçar o consumo."
No caso das empresas, a maior parte da poupança acumulada de R$ 491 bilhões veio da tomada de crédito para reforço de caixa e do desinvestimento em estoques. Portanto, um volume significativo deve ser destinado ao vencimento de débitos.
De acordo com o levantamento, do Cemec-Fipe, o aumento do saldo de recursos de dívida tomados no mercado doméstico foi de R$ 236,2 bilhões. As emissões primárias de ações somam R$ 34,9 bilhões até setembro, e os desinvestimentos em estoques são estimados R$ 43 bilhões.