Apenas 58% das empresas afirmaram possuir mecanismos de gestão de riscos, enquanto 42% informaram desconhecê-los por completo. Os dados são da pesquisa da Amcham sobre Maturidade do Compliance no Brasil. O programa, que ainda é novo no País, oferece ferramentas para evitar atos de corrupção dentro da empresa ou nas relações comerciais que estabelece. Em entrevista ao Jornal da Lei o advogado Gustavo Vicente Sander, especialista em programas de compliance, explica quais os principais focos de risco de corrupção nas empresas e como é possível se proteger através do programa.
Jornal da Lei - O que foi determinante para o surgimento do compliance no Brasil?
Gustavo Vicente Sander - Embora seja um assunto novo no Brasil, não é novo em outros países do mundo. O primeiro país a adotar uma legislação anticorrupção prevendo punições para as empresas foram os Estados Unidos, nos anos 1970. Inclusive, foi essa legislação que serviu de modelo para tantas outras. Foram as multinacionais que tiveram de se adaptar às exigências de compliance de seus países de origem, trazendo essa realidade para o Brasil há uns 10, 15 anos. Os eventos dos últimos anos na área da política, envolvendo casos visíveis de corrupção, também foram importantes, o que gerou a Lei Anticorrupção, em 2013, que colocou o tema na pauta das empresas brasileiras, que, de acordo com seu perfil de risco, precisaram se adequar às novas exigências. No mesmo ano, houve uma reforma importante na lei contra a lavagem de dinheiro, que gerou diversas alterações, como definir que uma porcentagem dos valores recuperados a partir de investigações seja inserida no orçamento dos órgãos envolvidos. A lei ainda não estabelece percentual, mas já houve decisões do Supremo (Tribunal Federal) estabelecendo em 10%. Isso é um incentivo para que esses órgãos melhorem ainda mais suas investigações.
JL - Como é o funcionamento do programa e onde estão os focos de risco de corrupção dentro das empresas?
Sander - Existem cinco grandes pilares que determinam um programa de compliance. O primeiro é a avaliação de riscos dentro das várias áreas operacionais da empresa, que determina quais os setores que necessitam de maior atenção. Na fase de concepção e implementação, temos o segundo fundamento, que é o do comprometimento da alta direção da empresa. A falta de integridade e coerência entre o que se fala e se exige, e o que se faz destrói um programa de compliance, por isso é importante essa posição da diretoria. O terceiro pilar envolve normas e políticas internas - a mais conhecida delas é o código de ética. Para empresas que dependem do setor público ou participam de licitações, criar uma política específica de relacionamento com o poder público. O quarto fundamento é um mecanismo contínuo de apuração e investigação do compliance dentro da empresa. É através dessa ferramenta que se deve disponibilizar aos funcionários, colaboradores e ao público externo canais para recebimento de informações e denúncias de práticas ilícitas. São necessárias a garantia de anonimato e a organização de uma estrutura que apure essas condutas. O quinto elemento-chave é a questão de estrutura institucional. Uma das primeiras mudanças estruturais é a implementação do comitê de ética, mas outras seguem sendo feitas durante o processo. Os riscos variam de acordo com o tamanho e o setor de atuação. Empresas que atuam junto ao setor público têm nessa atuação uma exposição grande ao risco de corrupção. Um segundo foco de risco é com empresas que estão sujeitas a uma regulamentação rígida do setor público, sua atividade está sujeita a um ambiente regulatório que está em contato constante com órgãos do governo. Na iniciativa privada, o programa funciona para evitar fraudes dentro da empresa ou na relação com fornecedores.
JL - Que tipo de empresa pode participar, e qual o investimento que deve fazer?
Sander - O programa pode ser pensado para todo tipo de organização. A legislação brasileira prevê programa de compliance simplificado para empresas de pequeno e médio porte, por exemplo. Mesmo numa empresa maior, que exija um programa mais complexo, o custo é baixo, e muito baixo quando comparado a eventuais punições ou danos de reputação que a corrupção pode acarretar. Esses danos ocorrem não somente na imagem para o público, mas nas relações comerciais, afastando parceiros. O investimento maior não é financeiro, e sim de tempo, principalmente para fazer o mapeamento de riscos. Um setor com interesse crescente é o das empresas que trabalham próximas a parceiros estrangeiros, pois estes começam a exigir a implementação desse programa. Em 2017, o Departamento de Justiça dos EUA abriu 107 investigações por violação à lei anticorrupção norte-americana, e 36 envolviam empresas brasileiras, por isso o programa se mostra tão necessário.