Trazer um novo olhar para o vinho brasileiro é bem mais do que um incentivo ao consumo de um produto ou ao fortalecimento de uma indústria; é repensar a valorização da produção de alimentos e bebidas locais e das riquezas do terroir, hábito que coloca outros países, como França e Itália, entre as referências mundiais em gastronomia e vinhos.
Nesta entrevista, o sommelier Vinicius Miranda Santiago pontua o momento do vinho brasileiro, estabelecendo comparativos de evolução com outras regiões. Relaciona, ainda, a evolução dos rótulos locais, o desenvolvimento da cultura gastronômica, a produção, os hábitos de consumo e o mercado.
Antes de abrir uma garrafa, o que o consumidor de vinho brasileiro deve saber?
Deve saber que os vinhos brasileiros são tão bons quanto quaisquer outros vinhos do mundo nas mesmas faixas de preço. Existem bons e ruins, e isso vale para os vinhos do mundo todo. Também deve saber que a indústria de vinho do Brasil tem investido cada vez mais em vinhos de qualidade e em suas principais forças: brancos e tintos frutados, com madeira moderada, e espumantes frescos de alta qualidade nas mais diversas faixas de preço e estilos.
Como avalias a atual produção de vinhos no Brasil? Em que ponto estamos?
Quando o assunto é quantidade de vinhos, o Brasil é um pequeno produtor. Isso se dá por uma série de fatores (impostos, falta de incentivo, indústria nova). Quando o assunto é qualidade, a produção é muito bem avaliada nos mais importantes concursos internacionais. Isso faz com que os vinhos brasileiros sejam altamente competitivos no quesito qualitativo; mas, quando o assunto o preço, os vinhos do Brasil ficam um pouco menos competitivos.
Pinto Bandeira, por exemplo, encontrou sua vocação para o espumante; e produtos produzidos ali têm conquistado reconhecimentos mundiais. Outras regiões ainda estão em busca do seu melhor produto?
O Brasil ainda é palco de muitas experimentações. Mas existem tendências qualitativas e de tipicidade em diversas regiões. Na campanha gaúcha, existem excelentes vinhos de Tannat, Cabernet Sauvignon e Chardonnay com madeira. Em Farroupilha, uma grande gama de vinhos elaborados a partir da família das uvas Moscato. Nos Campos de Cima da Serra, o destaque vai para vinhos frescos de Pinot Noir e Sauvignon Blanc. E no planalto catarinense, Sauvignon Blancs com diversos estilos e de alta qualidade. Na região de Urussanga, em Santa Catarina, existem os Vales da Uva Goethe, que muitos desconhecem, mas onde se elaboram vinhos bastante perfumados e agradáveis. E em São Paulo, Minas Gerais e no Vale do São Francisco, o destaque é para os vinhos elaborados com a Syrah.
Países referências, como França, Itália, Chile e Argentina, já tiveram seu período de "maturação" até encontrarem seu melhor produto?
Essa maturidade não é apenas dos vinhos, mas é uma maturidade gastronômica, que se reflete em produtos de terroir: uma gastronomia valorizada, forte e com identidade bem definida, uma cultura gastronômica que divulga e reforça os produtos locai,s e tem políticas públicas e de legislação que são suporte a tudo isso. Nesse sentido, a França e a Itália são países maduros, não porque têm melhores produtos, mas porque seus produtos têm identidade e tipicidade reconhecidas e valorizadas. Também nesse sentido, a Argentina (que tem o vinho como bebida nacional) é um país a caminho dessa maturidade. Chile e Brasil ainda têm muito a percorrer.
E outros expoentes do novo mundo - Austrália, Califórnia, África do Sul - como estão nessa busca?
A Austrália, os Estados Unidos e a África do Sul têm produtos de alta qualidade com boa tipicidade. Desses, o provavelmente mais próximo de uma maturidade e reconhecimento de seus vinhos são os Estados Unidos, e isso se dá pela alta demanda e consumo dos produtos locais. Isso ajuda a organizar e valorizar cada vez mais o mercado e a cultura dos vinhos.
A produção de Cabernet Sauvignon é bastante importante no Rio Grande do Sul em termos de volume, mas há quem diga que não é a uva ideal para as terras daqui. Como o mercado influencia a produção de vinhos?
O mercado influencia o consumo de vinhos. A Cabernet Sauvignon é a casta fina tinta mais cultivada, porque seus vinhos se vendem com facilidade. E o consumidor, de maneira geral, não se sente confiante o bastante para escolher um vinho por suas características e qualidade, mas escolhe por sua imagem no mercado. O filme Sideways - Entre Umas e Outras retrata uma viagem de dois amigos pelas vinícolas da Califórnia (EUA) e mostra a paixão do protagonista por Pinot Noir, o que provocou um boom real de vendas da variedade, e é um ótimo exemplo dessa relação no mercado norte-americano.
Quais as variedades que podem surpreender ainda em 'terras brasilis'?
As castas que têm tido destaque, com volume representativo, são a Marselan e a Syrah. Existe uma tentativa de resgate e experimentações em castas novas (Barbera, Tempranillo, Sangiovese), mas, de maneira geral, são tentativas bastante isoladas, sem representatividade no mercado ainda.
Quais rótulos brasileiros que te chamaram a atenção nos últimos tempos?
Os vinhos Altivos Merlot e Altivos Moscato, da vinícola Galiotto, de Flores da Cunha, são frutados, fáceis, baratos e bem-elaborados. O Merlot Vigna d'Oro, da vinícola Larentis, do Vale dos Vinhedos, é um excelente Merlot de bag in box para consumir todos os dias. O Sauvignon Blanc da vinícola Villaggio Bassetti, de São Joaquim (SC), é fresco, com notas cítricas e de ervas. E o Merlot Rosé da vinícola Fazenda Santa Rita, da região dos Campos de Cima da Serra, é muito agradável e versátil em harmonizações.
Qual pode ser a estratégia para colocar mais o vinho na mesa do brasileiro?
Existem diversas ações de vinícolas, do Ibravin, de importadoras. Acredito que a melhor estratégia é fazer com que as pessoas provem vinhos sem frescuras. E, para isso, os diversos eventos de vinhos que estão rolando pelo País são excelentes: feiras com venda de vinho em taças, com comida de rua. Existe vinícola colocando espumante em lata, torneira de chope com espumante, restaurantes servindo vinhos em taça e coquetéis com vinhos. Tudo isso aproxima o brasileiro que ainda não consome dos excelentes vinhos disponíveis no mercado.