Porto Alegre, terça-feira, 29 de abril de 2025.
Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Porto Alegre, terça-feira, 29 de abril de 2025.

Entrevista especial

- Publicada em 13 de Fevereiro de 2022 às 11:00

Corsan deve continuar sendo maior prestadora de saneamento no RS, prevê presidente da Agergs

Agergs precisa se expandir para atuar nas novas áreas que serão privatizadas, projeta Luiz Afonso Senna

Agergs precisa se expandir para atuar nas novas áreas que serão privatizadas, projeta Luiz Afonso Senna


fotos: LUIZA PRADO/JC
O presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), Luiz Afonso Senna, acredita que, mesmo após a privatização, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) deve continuar sendo a principal prestadora dos serviços de água e esgoto no Rio Grande do Sul. Na avaliação de Senna, a empresa possui capacidade para seguir prestando o serviço de saneamento para mais de 300 municípios gaúchos.
O presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), Luiz Afonso Senna, acredita que, mesmo após a privatização, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) deve continuar sendo a principal prestadora dos serviços de água e esgoto no Rio Grande do Sul. Na avaliação de Senna, a empresa possui capacidade para seguir prestando o serviço de saneamento para mais de 300 municípios gaúchos.
"Hoje, a maioria dos municípios é atendida pela Corsan, e eles vão continuar sendo atendidos por ela, seja pública ou privada", avalia. E complementa: "Tem muito prefeito iludido, achando que vai fazer uma licitação, cobrar a outorga (do serviço de saneamento) e vai colocar dinheiro no caixa. Não é assim".
Como estudioso dos transportes, Senna projeta melhorias nas rodovias gaúchas após a série de concessões previstas pelo governo Eduardo Leite (PSDB). Além disso, defende uma reforma nos sistemas de transporte intermunicipal e municipal. "A grande dificuldade hoje é fazer com que o sistema consiga atender em um bom padrão e a custos razoáveis, sem necessidade de subsídios", resume.
Além disso, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente da Agergs considera necessária a regulamentação dos serviços de aplicativo em Porto Alegre e em outras cidades, para evitar a concorrência desleal entre o transporte sem regulação (dos aplicativos) e o regulado (como ônibus, taxis, lotações etc). Senna diz ainda que a agência reguladora do RS deve passar por uma expansão, uma vez que, após a privatização de várias estatais, terá de fiscalizar novos setores.
Jornal do Comércio - Com o anúncio da venda do controle acionário da Corsan, o senhor acredita que será uma tendência os municípios contratarem uma empresa privada para os serviços de água e esgoto? Ou a Corsan seguirá como a principal prestadora nessa área?
Luiz Afonso Senna - É pouco provável que todos os municípios tenham uma empresa privada. A empresa prestadora precisa ter escala em serviços como esse. Dificilmente, uma empresa vai se sustentar prestando serviço só em um município pequeno de 10 mil habitantes, 20 mil habitantes. A empresa precisa de um alcance maior, porque, quanto mais produz, menor é o custo unitário de produção. Então, o risco de ter uma empresa operando em um município pequeno é aumentar o valor da tarifa. Por outro lado, quando falamos de uma empresa grande, como a Corsan, os custos fixos são diluídos por mais de 300 municípios. Tem muito prefeito iludido, achando que vai fazer uma licitação, cobrar a outorga (do serviço de saneamento) e vai colocar dinheiro no caixa. Não é assim, não vai acontecer, vai ter muito município quebrando a cara. Além disso, teriam que indenizar os ativos da Corsan no município. São raros os municípios aqui no RS que têm dimensão para terem uma empresa própria.
JC - O governo Leite pretende conceder mais de 1.100 quilômetros de 21 rodovias no RS. É o melhor caminho para garantir investimentos em estradas?
Senna - As concessões de rodovias são uma forma de atrair capital privado para auxiliar na manutenção e melhoria da infraestrutura. O quadro das rodovias no Brasil é incompatível com a situação econômica que o País almeja. Hoje temos 1,7 milhão de quilômetros de rodovias no País. Desse total, apenas 12% possuem asfalto, os outros 88% são rodovias sem pavimento. Desses 12% de rodovias pavimentadas, apenas 6% estão em boas condições. Então, estamos ainda muito distantes do que é razoável. No RS, temos 10% de rodovias com pavimento. Então, a ideia de chamar o setor privado para contribuir com aporte de capital e de gestão é absolutamente fundamental, principalmente nas rodovias que são os principais eixos frontais na circulação das mercadorias. No caso gaúcho, a primeira (concessão) desse novo ciclo foi a da (RSC) 287. Faz seis meses que iniciou a concessão, com a previsão de investimentos, expectativa de obras, expansão da capacidade, duplicações etc. Então, o governo está cumprindo com a parte dele, ao colocar os editais na rua. Há uma retomada da participação privada nos investimentos em infraestrutura.
JC - O modelo de concessão adotado na RSC-287 foi o de livre concorrência. Em outras rodovias, chegou a ser cogitado o modelo de outorga, mas o governo acabou voltando atrás, por conta do debate que isso suscitou na Assembleia Legislativa e junto à sociedade. Qual a diferença entre os modelos? Quando se usa um, quando se usa outro?
Senna - Os modelos têm finalidades distintas. Por exemplo, São Paulo tem usado o modelo de outorga há muitas décadas. Lá, o volume de tráfego é muito alto. E a receita da concessionária é calculada a partir do valor tarifa, multiplicado pela quantidade de veículos que passam (pelo pedágio). Só que, quando a gente compara o potencial de receita com a quantidade de obras necessárias naquela rodovia, percebemos que a receita é muito maior. Ou seja, dá para financiar um bom nível de serviço e a qualidade da estrada, e ainda sobra dinheiro. Nesse caso, o governo de São Paulo cobra uma outorga (relativo à parte desse valor excedente) e coloca no caixa único do Estado ou dá uma finalidade específica a esses recursos.
JC - E o modelo de livre concorrência?
Senna - Esse outro caso ocorre quando só há uma disputa por tarifa, não tem outorga. Esse modelo é adequado quando o volume (de tráfego na estrada) é menor. A conta (entre quanto a concessionária vai arrecadar no pedágio e quanto vai desembolsar para melhorias na estrada) fica mais justa. Não sobra receita. Então, o governo analisa quais as obras necessárias naquela rodovia e calcula qual a tarifa (máxima) que pode ser cobrada para aquele fluxo de veículos. Mas não cobra uma outorga. Esse foi o modelo adotado na RSC-287.
JC - O principal argumento dos deputados estaduais para defender o modelo de livre concorrência era que ele tende a baixar o valor da tarifa...
Senna - A tarifa da 287 é a mais baixa, a livre concorrência é o modelo que o governo adotou lá. Qual é o risco desse modelo? Atrair aventureiros. Por exemplo, uma empresa que apresenta uma proposta (de tarifa) extremamente baixa, que é incompatível com a quantidade de obras que precisam ser realizadas na rodovia. Se jogar a tarifa excessivamente para baixo, o resultado é que não vai ter dinheiro para fazer as obras. Então, é necessário ter alguns cuidados nas licitações desse modelo. Então, hoje há mecanismos que estão sendo incluídos nas concessões, exatamente para evitar que haja aventureiros jogando a tarifa para baixo de forma irresponsável. O Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que têm ajudado nos estudos sobre concessões nos municípios, estados e até União, têm tido esse cuidado.
JC - Qual o modelo mais adequado aqui no Rio Grande do Sul?
Senna - O caso da outorga não se aplica aqui no Estado. O modelo de livre concorrência, que foi o adotado no RS, talvez seja o mais adequado, pelo fato de que, ao contrário das rodovias paulistas, não há um fluxo de veículos tão grande. Mesmo a Freeway ou a BR-116, que são rodovias de maior fluxo aqui no Estado, têm frações da demanda das estradas no estado de São Paulo. Então, são realidade distintas, que refletem modelos diferentes.
JC - Um tema relacionado às estradas é o transporte intermunicipal, que sofreu um forte impacto com a pandemia. Tanto que, em muitos lugares, há um debate profundo sobre a necessidade de reformar esse tipo de transporte. O que pensa sobre isso?
Senna - Hoje, os itens mais relevantes no custo do transporte intermunicipal de passageiros são o combustível, que está em um momento de alta, as tripulações e as despesas com os veículos. O sistema de transporte de passageiros no Brasil precisa ser revisto. A demanda por ônibus vem caindo tanto em nível urbano, como em nível interurbano. No caso intermunicipal, ele vem caindo ao longo das décadas por vários motivos. Por exemplo, as pessoas têm trabalhado mais perto de casa, o carro ficou mais acessível, há alternativas como os aplicativos, a própria telefonia e internet (têm permitido o teletrabalho). Ao mesmo tempo, há um problema na própria lógica do sistema, na medida em que as empresas calculam os custos e dividem pelo número de passageiros pagantes. Ou seja, não é a lógica mais tradicional em que a empresa analisa a capacidade de pagamento das pessoas e, a partir disso, estuda os custos. Então, o setor de transporte dos passageiros precisa passar por uma reformulação, tanto no meio público quanto no próprio núcleo empresarial. A pandemia foi muito grave, afetou dramaticamente a demanda, mas foi mais um fator em algo que já estava em crise.
JC - Há quem defenda subsídios para o transporte coletivo...
Senna - A grande dificuldade hoje é fazer com que o sistema consiga atender em um bom padrão e a custos razoáveis, sem necessidade de subsídios. Até porque, em um país que mal consegue pagar o salário dos funcionários, que tem gente morrendo de fome, gente catando lixo, subsídio é uma palavra muito difícil de se utilizar. Além disso, há outros setores que também passam dificuldade, mas conseguem viver sem subsídio.
JC - Existe algum modelo de outro estado ou país que o senhor ache interessante? Em que modelo o Brasil poderia se inspirar?
Senna - O modelo ferroviário acopla outros negócios, como a própria exploração dos terminais. Por exemplo, no Japão, boa parte dos recursos que bancam o transporte ferroviário, que é muito mais caro que os ônibus, vem de negócios imobiliários (explorados pela concessionária). Então, a saída do transporte é buscar outros recursos também. No Brasil, temos uma limitação, mais no transporte urbano do que no intermunicipal, da capacidade de pagamento das pessoas. Só repassar o custo para os usuários talvez fique muito cara (a tarifa). (O sistema de transporte) tem que ter outra renda, em vez de subsídios.
JC - Na Capital, alguns membros do governo Sebastião Melo (MDB) têm falado em regular os aplicativos. Como avalia isso?
Senna - Vou dar um exemplo do que aconteceu em Londres quando surgiram os aplicativos por lá. Foi muito simples, a autoridade de transporte de Londres disse: "Vocês, aplicativos, podem entrar no mercado de transporte, sim; mas a fatia de mercado de vocês vai ser um percentual, porque não quero que vocês quebrem o sistema de ônibus, taxis etc. Além disso, vocês terão que seguir uma série de regras, entre as quais, os motoristas precisarão ter a carteira profissional". Por isso, quando esses aplicativos surgiram lá, eles realmente se somaram aos modais que já existiam. Não aconteceu nada de mais.
JC - O senhor acredita que é necessária uma regulamentação...
Senna - No Brasil, consequentemente em Porto Alegre também, as autoridades foram absolutamente frouxas em relação a estabelecer regras mínimas para os aplicativos. Como os aplicativos não têm regras, se instalou uma competição entre um transporte que é regulado e um que não é. Isso não tem nenhum sentido econômico. Ou o transporte é regulado, ou não é. Como o transporte depende de uma infraestrutura compartilhada (por outros veículos), ele tem algumas regras, é uma rede, precisa ter algum nível de controle e planejamento. Só que para ter planejamento, precisa ter algum nível de regulação.
JC - Com as desestatizações que estão acontecendo no RS - que envolve privatizar CEEE, Sulgás, Corsan, CRM -, a Agergs está preparada para assumir mais atribuições, uma vez que terá de fiscalizar setores que até então não estavam sob o seu guarda-chuva?
Senna - A Agergs é uma das agências mais qualificadas do País, com um corpo técnico invejável. Mas, ao mesmo tempo, é uma das menores agências do País, do ponto de vista de pessoal. As agencias não têm que ser muito grandes. Há agências federais com 3 mil funcionários. Entretanto, existe uma quantidade mínima de pessoas para realizar a fiscalização. Existe a possibilidade de contratar apoio operacional para as funções da Agergs, mas também precisamos de técnicos altamente qualificados. Então, precisamos expandir um pouquinho, sim. Inclusive, agora, com esse arranjo do governo do RS junto ao governo federal (no Regime de Recuperação Fiscal), muito provavelmente a agência precisará até ser excepcionalizada em algumas questões (como a restrição à contratação de pessoal), para que possamos expandir nas novas áreas reguladas. Estamos nos preparando para isso. A expectativa é de que o governo nos dará todas as condições para esse crescimento.

Perfil

Fotos de Luiz Afonso Senna, conselheiro presidente da Agergs para a entrevista especial

Fotos de Luiz Afonso Senna, conselheiro presidente da Agergs para a entrevista especial


/fotos: LUIZA PRADO/JC
Luiz Afonso dos Santos Senna tem 64 anos e é natural de Porto Alegre. Graduou-se em Engenharia Civil pela Universidade Federal do RS (Ufrgs) em 1980. Entre 1984 e 1988, concluiu o mestrado em Engenharia de Transportes, pelo Programa de Engenharia de Transportes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1989, iniciou o curso de PhD pelo Institute of Transport Studies, da University of Leeds, no Reino Unido, concluído em 1994. Completou o pós-doutorado pela University of Oxford em 2004, tendo sido professor visitante do Transport Studies Unit e do Centre for Brazilian Studies da instituição. Possui formação executiva pela Kennedy School of Government, da Harvard University. É professor titular da Ufrgs desde 1989. Foi professor visitante da Grenoble Graduate School of Business, na França. No setor público, foi diretor na primeira gestão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entre 2002 e 2004. De 2005 a 2010, na gestão José Fogaça (MDB), acumulou os cargos de secretário municipal de Transportes de Porto Alegre e presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Assumiu o comando da Agergs em 2020.