Um estudo publicado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre possíveis impactos do acordo entre o Mercosul e a União Europeia aponta onde pode haver ganhos para o agronegócio, onde há riscos e onde poderá haver equilíbrio nas transações entre os blocos
PRODUTOS COM ELIMINAÇÃO DE TARIFAS
Por parte da União Europeia, o acordo prevê a eliminação de tarifas em alguns produtos de interesse do agronegócio do Mercosul, como café torrado e solúvel (desgravação tarifária em quatro anos); fumo manufaturado (sete anos) e não manufaturado (quatro anos); abacates (quatro anos); limões e limas (sete anos); melões e melancias (sete anos); uvas de mesa (desgravação imediata); maçãs (10 anos); peixes (maioria com desgravação na entrada em vigor); crustáceos (camarões em zero e quatro anos); e óleos vegetais (desgravação imediata).
Suco de laranja terá um sistema misto, com desgravação a zero de sucos com preço acima de 30/100 kg e, para os demais, preferência de 50% sobre a alíquota ad valorem acrescida de uma tarifa específica. A cachaça também terá um sistema misto, com tarifa zero em quatro anos para garrafas até dois litros e cota de 2,4 mil toneladas com tarifa zero para cachaça a granel.
Já o Mercosul facilitará o acesso em bens de interesse dos europeus, como vinho, outras bebidas alcoólicas, azeite, frutas, malte, chocolates, refrigerantes, biscoitos etc.
COM REGIMES DE COTAS (COM E SEM TARIFAS)
Alguns produtos de exportação do Mercosul incluídos nesse regime, e com interesse para o Rio Grande do Sul, são os seguintes:
- Carne bovina: 99 mil toneladas poderão ser exportadas pelo Mercosul com tarifa intracota de 7,5%, aplicada crescentemente ao longo de seis anos. Atualmente, há uma tarifa intracota de 12,8% e uma tarifa específica de 1.760 por tonelada sobre o excedente. Além disso, não haverá mais a imposição de uma tarifa intracota de 20% sobre a chamada cota Hilton, destinada ao Mercosul (atualmente, o Brasil possui uma cota Hilton de 10 mil toneladas). No período 2016-2018, o Mercosul exportou cerca de 125 mil toneladas ao ano de carne bovina para a UE (somando fresca, resfriada e congelada).
- Carne de frango: o Mercosul terá cota de 180 mil toneladas sem aplicação de tarifa, aplicada crescentemente ao longo de seis anos. Atualmente, a UE impõe tarifas específicas que variam de 262 a 325 por tonelada, dependendo das características do produto. Vale notar que, recentemente, o Brasil teve problemas de acesso ao mercado da UE por conta de restrições sanitárias no frango salgado. No período 2016-2018, o Mercosul exportou cerca de 120 mil toneladas ao ano para a UE.
- Carne suína: cota de 25 mil toneladas com tarifa específica de 83 por tonelada, aplicada crescentemente ao longo de seis anos. Atualmente, a UE aplica tarifa específica de 536 por tonelada. No período 2016-2018, o Mercosul exportou somente cerca de 6 mil toneladas ao ano para a UE.
- Etanol: cota de 450 mil toneladas para uso na indústria química, sem tarifa, e mais 200 mil toneladas para usos diversos (inclusive como combustível) com tarifa de um terço da atual tarifa (que é de 19,20 por hectolitro ou 10,2 por hectolitro, dependendo do tipo de produto). As cotas serão implantadas gradativamente ao longo de seis anos. No período 2016-2018, o Mercosul exportou cerca de 375 mil toneladas ao ano para a UE.
- Arroz: cota de 60 mil toneladas sem tarifa, aplicada crescentemente ao longo de seis anos. Atualmente, a UE impõe tarifa específica de 211 por tonelada, variando de acordo com o tipo de arroz, havendo uma cota geral (todos os países) de 7 mil toneladas com tarifa de 15%. No período 2016-2018, o Mercosul exportou quase 100 mil toneladas ao ano para a UE.
- Mel: cota de 45 mil toneladas sem tarifa, aplicada crescentemente ao longo de seis anos. Atualmente, a UE aplica tarifa de 17,3% sobre o produto. No período 2016-2018, o Mercosul exportou cerca de 13 mil toneladas ao ano para a UE.
- Milho: cota de 1 milhão de toneladas sem tarifa, aplicada crescentemente ao longo de seis anos. Em 2016-2018, o Mercosul exportou 2,5 milhões de toneladas.
AS CONCESSÕES DO MERCOSUL PARA COMPRAR DA UE, EM COTAS
- Lácteos: queijos (30 mil toneladas, com implantação da cota e redução da tarifa intracota feitas gradualmente ao longo de 10 anos); leite em pó (10 mil toneladas, com implantação da cota e redução da tarifa intracota feitas gradualmente ao longo de 10 anos); fórmulas infantis (5 mil toneladas, com implantação da cota e redução da tarifa intracota feitas gradualmente ao longo de 10 anos).
- Vinhos: apesar de incluído no acordo, o setor de vinhos é apenas citado no relatório. Mas o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), apesar de destacar que o acordo é bom para o Brasil, avalia que a eliminação total das tarifas de importação para os vinhos europeus impõe ao setor vitivinícola brasileiro uma série de riscos. O anúncio da criação de um fundo de apoio à vitivinicultura brasileira é uma medida importante para aumentar a competitividade do vinho brasileiro perante os produtos importados, afirma o instituto. A atividade envolve, no Brasil, 200 mil pessoas, com mais de 1,1 mil vinícolas.
QUATRO PONTOS PARA ENTENDER MELHOR O ACORDO
- As condições negociadas no acordo e os volumes atualmente exportados pelo Mercosul para a União Europeia sugerem que haverá um aumento efetivo de acesso a mercado em carne de frango, carne suína, etanol e mel, pois as cotas concedidas são bem maiores que as exportações atuais.
- Nos demais produtos, o benefício será em termos de menores tarifas incidentes sobre volumes que já são exportados hoje. É provável que parte desse ganho se reverta em redução de preço para o consumidor europeu e parte seja revertida aos exportadores do Mercosul na forma de aumento da margem de lucro. Há que se notar, contudo, que os ganhos serão limitados, no curto prazo, pelo fato de que a maior parte das cotas será implantada gradualmente (exceto no açúcar); e, no longo prazo, pelo fato de que as cotas estabelecidas serão atingidas em algum momento no futuro, limitando ganhos adicionais em função do eventual aumento da demanda europeia.
- No caso específico do comércio, ainda que as reduções tarifárias obtidas pelos países do Mercosul sejam inferiores às obtidas pelos países europeus, principalmente do ponto de vista dos produtos agropecuários, deve-se lembrar que acordos comerciais não constituem arranjos de soma zero. A liberalização comercial daí resultante representa ganhos para todas as partes envolvidas. Do ponto de vista do Brasil, por exemplo, o acordo permitirá substancial redução de preços de produtos manufaturados, especialmente bens de capital, químicos e produtos farmacêuticos. Tal redução tem grande potencial de contribuir para o aumento da produtividade da economia brasileira e mesmo para inserir melhor o País nas cadeias globais de valor.
- A liberalização do comércio, com redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, representa ganhos para todos, na medida em que permite aos países aproveitarem as suas vantagens comparativas, exportando os produtos em que são mais competitivos e importando a um preço menor os bens em que são menos competitivos. Dessa maneira, o acordo possibilitará que os países do Mercosul adquiram bens de capital e bens intermediários a preços menores, gerando redução de custos de produção, com benefícios generalizados por todas as economias e aumento geral da competitividade.
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)