Se há um segmento do agronegócio que anda animado e otimista, e que tem motivos para tanto, é o setor de carnes, seja de frango, de suíno ou de bovino. Apesar de o mercado doméstico seguir aquém do esperado, já que a crise e o desemprego persistente e ainda afetam o consumo interno, as exportações atuais e as perspectivas futuras estão movimentando aviários, criatórios de suínos e pastagens Estado afora.
Uma das razões, claro, vem do maior parceiro comercial do Brasil, a China, que segue uma batalha para conter a peste suína africana abatendo milhares de animais, o que está abrindo espaço para a compra de carne de porco do Brasil, mas também incrementando a demanda por outras proteínas, como frango e cortes de gado.
Apenas nos primeiros sete meses do ano, o faturamento das exportações de carne suína aumentou 23,5%, alcançando 414,5 mil toneladas, volume 19,62% maior que entre janeiro e julho de 2018. Foram US$ 847,7 milhões obtidos nos sete primeiros meses de 2019, contra US$ 686,5 milhões no mesmo período de 2018, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Ou seja, os preços pagos estão melhores, acompanhando a demanda.
A necessidade chinesa por carne, por sinal, seguirá alta por entre três e cinco anos, pelo menos, explica o diretor-executivo da ABPA, Ricardo Santini. Neste ano, por sinal, a China continental já se tornou o maior comprador de carne de porco do Brasil, posição antes ocupada por Hong Kong (que, nas classificações internacionais, entra como território separado do restante do país para efeitos de contabilidade das vendas, por ter regras diferenciadas).
"A China já teve que abater cerca de 200 milhões de animais, dos 400 milhões de suínos que tinha. Até que isso seja recomposto, já que inclui matrizes também, leva tempo. Parte do mercado avalia que pode levar até sete anos", diz Santini.
Os grandes abates recentes e precoces, afirma Santini, elevaram os estoques resfriados do país, que o executivo diz já estarem consideravelmente reduzidos, o que deve levar a nova alta nas compras internacionais entre setembro e outubro.
Além do apetite pela carne suína, a demanda por frango também aumentou. De acordo com Santini, o gigante asiático ultrapassou o mercado árabe e o Japão como maiores compradores de aves brasileiras entre 2018 e 2019, o que certamente foi um diferencial para que as exportações de carne de frango (considerando todos os produtos, entre in natura e processados) tenham totalizado 2,433 milhões de toneladas entre janeiro e julho deste ano, um volume 5,8% superior ao mesmo período de 2018.
Toda essa demanda, que poderia elevar o custo dos insumos para o produtor, como no caso da ração (à base de milho e farelo de soja), não ocorreu graças à boa safra brasileira. E também pela retração da demanda chinesa, que, sem seu gigante plantel para alimentar, está comprando menos grãos.
Ainda que a China não tenha como tradição colocar no prato cortes bovinos, Leonardo Lamachia, presidente da Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), espera por incrementos nas vendas para esse destino em breve. Tanto que a China está em tratativas para habilitar novos frigoríficos brasileiros para exportações, inclusive fazendo inspeções virtuais em alguns para acelerar o processo. "Já está crescendo o consumo de cortes bovinos por lá, o que nos dá um panorama muito bom para a carne brasileira", diz o presidente da Febrac.
Negócios internos e exportações de gado em pé desaceleram no Rio Grande do Sul
Depois de alcançar cerca de 170 mil animais embarcados pelo porto do Rio Grande, especialmente para a Turquia, o volume de exportação de gado em pé a partir do Estado encolheu significativamente neste ano. No primeiro semestre, de acordo com a secretaria de Agricultura, saíram do Estado rumo ao exterior apenas 46 mil animais vivos entre janeiro e junho deste ano. Com isso, a expectativa é de que as vendas, em 2019, não devem superar as 110 mil cabeças. E é justamente esse mercado que paga acima da média nacional, em torno de 15%. De acordo com o presidente da Farsul, Gedeão Pereira, a demanda arrefecida é reflexo direto da crise econômica turca.
No mercado brasileiro, o cenário não é muito diferente, também causado pela crise e pelo elevado número de desempregados. Ainda assim, no Rio Grande do Sul, o consumo segue praticamente estável, o que tem ajudado o setor ao menos a não ter perdas de valor. Mas, segundo Zilmar Moussalle, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado (Sicadergs), com a necessidade de os produtores rurais abrirem espaço de pastagens para lavouras e precisarem vender os animais, os valores pagos aos pecuaristas tendem a cair. "É um movimento sazonal normal. Como aumenta muito a oferta nesse período que antecipa o plantio de verão, os preços costumam cair um pouco", diz Moussalle.
Ainda segundo o diretor-executivo do Sicadergs, investir em um possível e futuro mercado europeu, a partir do acordo com o Mercosul, ou com os Estados Unidos, que pode vir a retomar as compras, nem sempre é um atrativo seguro. Além de precisar direcionar para fora do Brasil o produto que tem venda assegurada no mercado interno - especialmente nos casos dos frigoríficos gaúchos -, há uma outra incerteza constante nessas vendas, além do câmbio.
"As barreiras sanitárias, ou falsas barreiras criadas externamente, podem, de uma hora para a outra, fechar as portas à carne brasileira. E aí quem se desligou ou deixou de investir no mercado interno tem dificuldade de voltar a esse porto mais seguro", avalia o executivo do Sicadergs.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Angus, Nivaldo Dzyekanski, um caminho para a pecuária gaúcha agregar valor seriam as exportações de carnes nobres. A Angus, uma das principais raças nobres nos campos do Estado, por exemplo, investe em certificações de qualidade que têm aberto portas no mercado externo, mas enfrenta um limite físico para crescer. "O consumo interno é alto, e não temos como aumentar muito os embarques devido à falta de produto mesmo", explica Dzyekanski.
Além disso, ressalta o criador, o brasileiro tem comprado e valorizado cortes gourmets de carnes nobres. Tanto que, além do programa de certificação de qualidade Angus, outras raças, como Devon, também passaram a investir em ações semelhantes.