Gramado é um caso bem sucedido das medidas de distanciamento social desde que a pandemia do novo coronavírus se espalhou pelo Rio Grande do Sul. O município não registrou nenhum caso confirmado de Covid-19 até agora e descartou esta semana um óbito considerado suspeito. Das 35 pessoas testadas, 31 tiveram resultado negativo e dois casos seguem em análise, conforme balanço divulgado pela prefeitura até a manhã dessa terça-feira (5).
O reflexo da pandemia nas contas do município, porém, é "catastrófico", segundo o prefeito Fedoca Bertolucci, já que 86% da economia de Gramado vem do turismo. Para dar um respiro ao setor, o município prepara uma reabertura parcial da rede hoteleira até o fim da semana. Um decreto que será publicado nesta quarta-feira (5) prevê a retomada de até 50% da capacidade já na sexta-feira. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Bertolucci explicou como serão as novas medidas:
Jornal do Comércio - Gramado, que até agora é um exemplo positivo comparado a outros municípios gaúchos, prepara uma reabertura gradual esta semana. Como será isto?
Bertolucci - Estamos em contato permanente com a área médica e com a hotelaria. Precisamos achar um ponto razoável. Nem tanto, nem tão pouco. Estamos debruçados e colhendo informações para o decreto que será publicado nesta quarta-feira.
JC - O que define o novo decreto?
Bertolucci - O decreto prevê a reabertura dos parques e dos meios de hospedagem, em que provavelmente sejam excluídos os alugueis por temporada porque se tratam de uma atividade que eu chamo até de "clandestina", na medida em que elas não aparecem. (Nesta semana, Gramado ingressou com uma ação contra o Airbnb, por conta de ofertas durante a pandemia). Não que eu seja contra, inclusive acho que são lícitas, mas é de impossível fiscalização neste momento. Será um reabertura parcial, com até 50% da capacidade a partir do dia 8 de maio. Os hotéis precisam de tempo para chamarem as suas equipes e para cuidarem da higienização dos locais. Será proibido café em salão e as refeições serão somente a la carte, como já prevê o decreto que regulamenta o setor da gastronomia.
JC - Por que reabrir agora?
Bertolucci - Gramado é uma das cidades que mais sofre porque nós trabalhamos com visitantes, nossa economia tem 86% do segmento turístico. Não podemos fazer com que o setor hoteleiro simplesmente feche as portas e quebre. Gramado é uma cidade de 36 mil habitantes que emprega mais de 11,5 mil pessoas de fora do município. O que nós vimos é que a reabertura do setor de alimentação, há duas semanas, não causou o incremento de mais casos suspeitos do novo coronavírus porque os empresários estão caprichando na obediência das medidas preventivas cautelatórias.
JC - Considerando a situação ainda "confortável" em relação a outras regiões, já que ainda não há casos de Covid-19, como a flexibilização pode impactar a cidade? Um relaxamento não abre para o risco?
Bertolucci - Gramado padece de uma circunstância que eu chamo de especialíssima. O Hospital São Miguel, embora não seja público, acabou se tornando um hospital regional por conta da deficiência dos municípios vizinhos, e isso nos assusta. Estamos assumindo pessoas de outros municípios. Isso faz com que redobremos as nossas cautelas. Pelo número de atendimentos, Gramado talvez seja recordista em êxito na questão da Covid-19. O óbito que ocorreu aqui e que foi descartado pelo laboratório do Estado, e os dois casos confirmados eram de pessoas que vieram de São Paulo já contaminadas.
JC - Mas e quanto aos turistas que irão para a cidade? Haverá alguma medida de controle?
Bertolucci - A recomendação é de que a hotelaria faça testes preliminares, mas eu não tenho como obrigar porque gera despesa para os hotéis, então vai ser a nível de recomendação. É muito difícil ter controle sobre quem vem de fora. As pessoas que vierem, eventualmente contaminadas, estarão neste ambiente e neste aparato total de esterilização para evitar contaminações
JC - Em caso de mudança de quadro, como o surgimento de casos a partir da flexibilização, pode haver nova orientação para fechamentos?
Bertolucci - Não sei o que eu te diria se esta entrevista fosse em outro horário. Esta doença é, sabidamente, invencível. Nós temos que desviá-la porque o mundo está sofrendo uma derrota atrás da outra. Estamos nos protegendo e nos blindando.
JC - Qual a situação do comércio?
Bertolucci - O comércio está aberto de forma controlada, com recomendação de uso de máscaras, que iremos tornar obrigatória no interior das lojas. O comerciante terá de ser sensível a essa nova ordem porque inclui a sobrevivência dele também. Queremos que no interior dos prédios haja proteção absoluta. Eu considero inconstitucional a obrigação de uso de máscaras na rua. Não posso obrigar uma pessoa a não fumar na rua, a vestir amarelo, por exemplo...
JC - Mesmo em meio a uma pandemia?
Bertolucci - Mesmo. A pessoa tem direito de circular como ela quer. Claro, no momento que causar algum dano ou suspeita, ela vai assumir o risco e ser detida.
JC - O que já se pode sentir da pandemia nas contas do município?
Bertolucci - É terrível. Catastrófico. A queda de arrecadação é na casa de 80% a 90% em relação a abril do ano passado.
JC - Neste meio tempo, tivemos a Páscoa, data muito importante para Gramado. Quais foram as perdas?
Bertolucci - São duas considerações a se fazer. A primeira é que a Páscoa é um evento onde se reúnem muitos turistas. A segunda é a questão da indústria de chocolates, que concentra 80% dos seus investimentos nesta data. Houve muito investimento e a data foi cancelada por força da pandemia. Estamos buscando uma compensação para esses produtores em outros eventos ao longo do segundo semestre do ano, como o Festival da Colônia, o Festival da Gastronomia, o Festival de Cinema e o Natal Luz.
JC - Esses eventos seguem mantidos?
Bertolucci - Sim, mas sem uma fixação definitiva. Temos datas previstas, que já estão sendo divulgadas, mas que podem ser modificadas.
JC - O que se espera para a economia de Gramado com a reabertura parcial da rede hoteleira?
Bertolucci - Gramado está mais linda do que nunca. Queremos retomar o quanto antes, mas sempre com responsabilidade. Os nossos decretos foram os mais rigorosos possíveis e isso resultou neste ambiente não de tranquilidade, mas em que não se viu uma tragédia de óbitos e de contaminações. Os empresários não vão buscar os prejuízos, mas, pelo menos, vão mitigá-los.