Carlos Mödinger é professor de teatro, em atividade na Uergs. Realiza seu curso de Doutorado em Artes Cênicas no Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, sob orientação de Mirna Spritzer. Como parte desta atividade, idealizou o espetáculo Boca no mundo, de que criou parte da dramaturgia, criação repartida com a diretora do trabalho, Patrícia Fagundes. Mödinger é o intérprete do espetáculo. Terminada sua temporada, neste fim de semana em que circula esta coluna, ele inicia outra etapa: escrever a respeito da experiência. Refletir sobre a dramaturgia, a transformação do texto em uma encenação, a relação do ator com a palavra dramática, o encontro do intérprete com o público, etc. Imagino que, ao apresentar a defesa de sua tese, ela deva incluir o próprio espetáculo, que tem a duração de cerca de uma hora e, como o título indica, é uma reflexão teórica, mas bem humorada, a respeito da importância da palavra.
Não quero me repetir, pois já escrevi isso na semana passada, a respeito desta mesma diretora, Patrícia Fagundes, ainda que sobre outro espetáculo, mas um dos méritos da direção, mais uma vez, é conseguir transformar a dramaturgia em uma cena teatral viva, dinâmica e interessante que, por isso mesmo, prende a atenção do público. A segurança deste trabalho de produção é tão grande que permite ao ator improvisar na sua relação com a plateia, se necessário, sem sair de seu rumo e sem se perder.
Mödinger mistura elementos teóricos com passagens de possível autobiografia e memória, constituindo uma narrativa interessante e bem concatenada. Ele começa relembrando uma resposta da mãe, quando ele era pequeno e lhe indagava a respeito das coisas que desconhecia: "Especula!". É evidente que este verbo, talvez caseiro, simples e prático, por ser uma palavra de certo modo "ultrapassada", porque pouco ou nada usada nos dias de hoje, provoca risos, mas depois produzirá um efeito poético muito bonito e tocante. Esta foi a lição de vida que o menino guardou da mãe e que, segundo ele, tem procurado aplicar ao longo dos anos. Outra passagem curiosa, mais ao final do espetáculo, é a referência à perda dos dentes. Oriundo da antiga colônia alemã da atual Ivoti, Mödinger recorda o pseudo-tratamento recebido do dentista que era candidato a prefeito municipal e a consequência de tal situação. Mas aproveita, liricamente, para metaforizar o "morder a palavra", provocada fisicamente pela falta dos dentes, aproximando a expressão de outra, que dá título à encenação, "boca no mundo", o que é também concretizado através da palavra. Aliás, há, igualmente, uma bela reflexão a respeito da função da palavra para o ser humano em sua relação com a realidade, que todos nós, espectadores, deveríamos levar para casa como lição a ser guardada.
Apesar de todas essas "lições" teóricas, estamos diante de um espetáculo de teatro, irrecusavelmente. Por isso, a cenarização tem relevo na encenação: os blocos de livros, primeiro na mesa, depois espalhados pelo chão do palco permitem jogos variados, tanto verbais - como quando o ator cita autores e faz referências textuais - quanto ao brincar com os livros, colocando-os em pé e depois derrubando-os sucessivamente, para ainda reuni-los novamente.
O figurino, simples e cotidiano, condiz com o personagem, assim como a iluminação, também sem grandes complexidades, serve para marcar espaços e tempos ou sublinhar algum determinado momento. É provável que muitos pensem que Carlos Mödinger não é um grande ator. Sua voz tem pouco volume, ele tem sotaque germânico, mas é justamente tudo isso que o torna personagem. Ao menos, para este texto, convencendo a cada um dos espectadores sobre si. Não me interessa se o intérprete Carlos Mödinger coincide com o personagem Carlos Mödinger. Mas é certo que o personagem Carlos Mödinger tem verossimilhança e convence enquanto um ser dramático. Por isso o trabalho é singelo, tocante, intimista mas, ao mesmo tempo, universal. Ele fala com todos e isso é seu grande mérito.