Uma alteração aparentemente simples na legislação estadual sobre o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul está mobilizando entidades contrárias à mudança das regras, ao menos da forma como encaminhado pelo Palácio Piratini para aprovação dos deputados estaduais, em regime de urgência.
Previsto para ir à votação nesta quarta-feira (16), o
Projeto de Lei 260/2020 propõe que seja possível liberar para uso no Estado químicos proibidos ou de uso restrito em seus países de origem, por exemplo. Mesmo autorizados para importação pelo Brasil, há um lista de princípios ativos que não podem ser usados no Rio Grande do Sul, que tem legislação própria para uso de agrotóxicos desde a década de 1980.
Na manhã desta terça-feira (15), a Frente Cidadã Contra os Agrotóxicos realizou protestos na frente do Palácio Piratini e da Assembleia Legislativa para chamar a atenção da sociedade, dos deputados e do governador Eduardo Leite sobre os riscos trazidos pelo PL caso seja aprovado sem um debate mais amplo nas comissões de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa.
Em frente ao Piratini, manifestantes se vestiram com macacões, máscaras cartazes e levaram até a sede do poder Executivo um tonel representando produtos químicos. O PL 260/2020 pretende flexibilizar o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul e, de acordo com os manifestantes, liberar inúmeros compostos banidos desde há anos no Estado. A proposta deve ir à votação na quarta-feira (16) por conta de seu pedido de urgência.
A PL modifica a Lei Estadual nº 7.747, de dezembro de 1982, que dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas em nível estadual. Ao todo, mais de 200 entidades de diversas áreas de atuação já assinaram a carta aberta Mais Vida, Menos Veneno, endereçada ao governo, e na segunda-feira (14) à Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MP-RS) contra a votação em regime de urgência do PL 260/2020.
O documento destaca que a proposta do Executivo vai permitiria no Estado o uso de agrotóxicos não autorizados em seus países de origem. O tema levanta polêmica há anos no Rio Grande do Sul, quem tem legislação própria desde 1982 regulamentando o uso de agrotóxicos, o que diferencia o RS do restante do País ao, por exemplo, não autorizar o uso em seu território de produtos químicos importados que sejam proibidos em seus países de origem. O Brasil, ao contrário, os aceita mesmo com a restrição internacional se for aprovado aqui pela Anvisa.
Isso ocorre, hoje, por exemplo, com o dicloreto de paraquate, produzido no Reino Unido, exportado para diferentes países e com seu uso vedado na própria Grã-Bretanha. O químico é de alta toxidade, de acordo com o Ministério Público do Estado, que em comunicado de 2014 publicou nota alertando para o fato de esse ingrediente ativo poder provocar a falência aguda de órgãos e fibrose pulmonar progressiva, sem tratamento, e por isso proibido desde 2007 em toda a Europa.
Com sua venda e uso proibidos no Rio Grande do Sul, o paraquate poderia passar a set utilizado no Estado se o PL 260 for aprovado, dizem as entidades que organizaram o protesto, assim com outros produtos proibidos nas lavouras gaúchas desde 2008 pelos mesmos motivos.
“O PL quer basicamente alterar a regra que impede o uso local de agrotóxicos que tem princípios ativos sintetizados em alguns países e liberados pela Anvisa, mas que nem os próprios países de origem os aceitam mais. Com a mudança na PL, esses venenos podem voltar para análise e não teremos mais o respaldo legal para impedir”, diz Eduardo Raguse Quadros, coordenador da Associação de Amigos do Meio Ambiente (AMA) de Guaíba e uma das que integra o grupo critico da mudança.
Ainda de acordo com Quadros, a grande inovação da lei de 1982 foi proteger o Estado do uso de químicos altamente danosos ao ser humano ou ao ambiente. O ambientalista explica que com base nos indeferimentos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam) e na lei vigente foram proibido o uso no Estado, de 2008 a 2020, também a sulfluramida (EUA), clomazona não-encapsulada (EUA), nonilfelnol etoxilado (restrito na Comunidade Europeia), trifloxissulfurom e ametrina (ambas com origem na Suíça, e não autorizados para uso na Comunidade Europeia).
Segundo Quadros, todos com risco tóxico elevado e que podem ter seu uso liberado no Estado se aprovada o PL. Procurado pela reportagem na manhã de hoje, o governo do Estado afirmou apenas que irá liberar nota técnica sobre o projeto ao longo do dia.