Foram necessários mais de 20 anos para que Juliette Binoche voltasse a pisar no pantanoso terreno do luto profundo de A liberdade é azul (1993), um dos primeiros trabalhos que deram projeção internacional à atriz francesa. Como no filme do polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996), a dor da perda é o sentimento que move A espera, do estreante Piero Messina, em exibição no circuito de cinemas.
No drama do jovem diretor italiano, ex-assistente de Paolo Sorrentino (de A grande beleza), ela interpreta uma mulher madura com dificuldades para processar a morte inesperada de seu único filho. "Fazer A liberdade é azul foi uma experiência muito forte e intensa. Eu não quis voltar ao tema imediatamente depois daquele filme", justifica a estrela de 52 anos, ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante por seu desempenho em O paciente inglês (1999) e um dos destaques do Festival de Veneza, onde A espera foi exibido na competição pelo Leão de Ouro, em setembro. "Mas não foi por medo de encarar sentimentos sombrios, até porque é no obscuro que encontramos a luz real, a verdade. Acho que o que demorou a acontecer foi encontrar um projeto que me fizesse descobrir coisas novas sobre esse território, que me desafiasse a andar na escuridão novamente."
Na produção ítalo-francesa de 2016, Juliette mergulha na fragilidade física e emocional de Anna, que vaga inconsolável por sua "villa" na Sicília, incapaz de aceitar o recente desaparecimento do filho, Giuseppe (Giovanni Anzaldo). O isolamento que se impõe é quebrado pela inesperada chegada de Jeanne (Lou de Laâge), namorada do rapaz, que ele havia convidado para passar o feriado de Páscoa na propriedade da família. Incapaz de revelar a verdade até para si mesma, Anna, que desconhecia a existência da jovem, avisa que ele logo chegará, e as duas vão criando laços enquanto esperam pelas festas.
Há momentos em que, pressionada pelas muitas dúvidas de Jeanne, que não entende a falta de notícias de Giuseppe, Anna chega ao limiar de contar o que aconteceu. Mas recua e cria novas desculpas para a ausência do filho, cujos objetos pessoais ainda estão em seu quarto, como estivesse prestes a chegar a qualquer momento. "É uma forma de se proteger, de não aceitar o insuportável, que é a pior e mais assustadora dor para uma mãe: a perda de um filho. Ela cria todo um sistema de defesa e se coloca em um lugar melhor para conseguir sobreviver àquela situação", explica a atriz, mãe de Raphael, de 23 anos, e Hana, de 17.
Juliette vai além na caracterização de sua personagem: "O que eu gosto na Anna é dessa ambiguidade. O que ela faz não é manipulação. Tive muito cuidado a esse respeito. Ela não mente por maldade, o que poderia ser perigoso, o que ela faz é criar um pensamento mágico, no qual tudo pode dar certo. Podemos dizer que, de certa forma, trata-se de um thriller emocional, que te segura até o fim".
Cobiçada por grandes realizadores, como Michael Haneke (Código desconhecido), Lasse Hallström (Chocolate), Abbas Kiarostami (Cópia fiel) e David Cronenberg (Cosmópolis), a atriz se viu instigada a trabalhar com um jovem cineasta praticamente desconhecido. O crédito mais vistoso no currículo de Piero Messina é ter servido como assistente do cineasta italiano Paolo Sorrentino em Aqui é o meu lugar (2011) e A grande beleza (2013), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Juliette disse que se obrigou a assistir a alguns curtas de Messina, nos quais enxergou certa "intensidade dramática e estética". Mas, no fim das contas, acabou seduzida também pela ideia de trabalhar com uma história inspirada na relação entre o realizador e sua própria mãe. "O amor que Piero sente por ela é muito forte e ambivalente, e há muita ambivalência nesse filme, que é uma coisa de que gosto muito. Ele ama e odeia a mãe na mesma medida, e o contraditório é sempre muito interessante para o trabalho do ator porque, na vida pessoal, tentamos resistir ao desespero, aos traumas, criando mecanismos que nos permitem funcionar direito no mundo real", observa a atriz. "Percebi que A espera é uma espécie de exercício de devoção por esse amor entre mãe e filho que, no filme, é reforçado pelo simbolismo das imagens da Virgem Maria e de Cristo nas festas sicilianas que celebram a Páscoa." Em Porto Alegre, o filme está em cartaz somente no Guion Center.