Ricardo Gruner
Responsável por livros como O homem amoroso, Concerto campestre e Música perdida, Luiz Antonio de Assis Brasil volta a abordar o universo musical em O inverno e depois (L&PM, 352 págs., R$ 39,90). Assim como o autor, que integrou a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, o protagonista é um violoncelista: Julius, enfim, se dedicará a uma composição que o fascina desde os tempos em que estudou na Alemanha, há 30 anos. No enredo, o personagem reencontra o passado ao retornar à estância onde nasceu - um retiro autoimposto a fim de estudar a obra. O lançamento acontece hoje, na nova livraria Saraiva do Iguatemi (João Wallig, 1.800). Com entrada franca, o evento ocorre a partir das 18h.
JC - Panorama - O livro se passa na contemporaneidade, algo não muito comum em sua obra. Como você achou o tom para narrar no presente?
Luiz Antonio de Assis Brasil - Para mim, escrever sobre o passado é o mesmo do que escrever sobre o presente. Ademais, quando as minhas ações estão situadas no passado, eu faço um olhar do presente. É o escritor de hoje, integrado no seu tempo, que vê o passado e traz ele à luz do pensamento de hoje, do modo de ser de hoje. Pode ser que os leitores sintam alguma coisa diferente, mas acho bem natural.
Panorama - Julius também tem uma visão deslocada a respeito do que está ao seu redor. O que lhe interessa tanto nesse conflito?
Assis Brasil - Sou bastante obcecado com esse tema. Nos últimos tempos, tenho voltado a ele com muita frequência. É um provocador de tensões. Pode revelar a verdadeira pessoa - no momento em que ela sai fora do seu plano geográfico, cultural e emocional. Nesse caso, é uma realidade já conhecida do protagonista, mas que é outra: deixou de ser aquela da infância e passou a ser algo estranho. Acho que digo, em certo momento, que ele se sente um invasor da própria memória - voltando depois de tanto tempo e reencontrando aquilo que ele era, que foi, mas não é mais.
Panorama - O senhor também fez parte de uma orquestra e viveu um período na Alemanha.
Assis Brasil - Não sei escrever sobre o que eu não conheço. Würzburg é uma cidade que conheço muito bem. A escola de música de Würzburg também. Até fiz nova viagem para conferir algumas coisas. Essas cidades europeias não mudam muito, nem as instituições. Então encontrei mais ou menos o ambiente da época. As relações entre músicos, professores, estudantes e a cidade, tudo isso ainda está preservado.
Panorama - A música é muito associada a memórias e sentimentos. Essa é uma das razões pelas quais esse universo aparece com frequência em seus livros?
Assis Brasil - Simplesmente não posso viver sem ela. Não estou falando de uma realidade que acontece atualmente, do excesso da música, que está presente desde que o sujeito acorda até dormir. Para mim, não existe música de fundo. Ponho, sento e ouço. Mas, de fato, ela é muito forte para mim no sentido do despertar de emoções e despertar de percepções do real e de entender o real.
Panorama - O modo como o músico enxerga seu próprio desempenho também aparece no livro.
Assis Brasil - É algo permanente em qualquer músico consciente. Já estive com solistas importantes, e são pessoas que sempre me dizem: "olha, toda vez que vou para o concerto, estou nervoso, preocupado, tenho medo de errar". Não se aprende música para sempre, se aprende a cada dia. Isso gera muitas neuroses no plano individual.
Panorama - Muitos produtores e compositores dizem que não se termina um disco, se desiste dele. Como é na sua literatura?
Assis Brasil - A obra perfeita não existe. Estou bastante amargurado por um equívoco meu no livro, uma repetição de palavras. Isso está me preocupando um monte. Passou por inúmeras revisões e nenhuma viu. Então o neurótico sou eu.
Panorama - Julius diz que todos os livros são histórias de amor. É só uma frase de efeito do personagem?
Assis Brasil - Não é, não. Penso nisso fazendo hipérbole, hipertrofiando, mas todos os livros no fundo encerram alguma história de amor. Parece que o amor continua sendo o grande motivo literário e artístico de um modo geral.