Ricardo Gruner
Tradutora, poeta, amiga atenciosa, amante da leitura, portuguesa. Qualquer um desses atributos pode ser usado para responder à pergunta Quem é Primavera das Neves?, mas nenhum deles seria, sozinho, capaz de descrever essa personagem com justiça.
Documentário dirigido por Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, o filme homônimo começa movido pela curiosidade - para então se transformar em uma mistura de investigação e ensaio. São aqueles que conviveram com a personagem-título que a descrevem e auxiliam a contar sua história, em um relato capaz de reforçar uma máxima comum a trabalhos de não ficção: a trajetória de desconhecidos também pode ser inspiradora.
Em 2010, encantado com a poesia deste nome - presente em edição de Alice no País das Maravilhas -, Jorge Furtado postou em seu blog a pergunta que batiza o longa-metragem. Anos depois, uma antiga e saudosa amiga de Primavera entra em contato e enriquece as pesquisas já realizadas na hemeroteca da Biblioteca Nacional. Poliglota e tradutora de mais de 80 livros, Primavera faleceu aos 48 anos, em 1981, mas segue no pensamento daqueles que deixou - no Brasil e em Portugal.
A partir de apenas três relatos principais, além de cartas e escritos, os diretores compõem um panorama o qual abrange desde as ditaduras de Franco e Salazar até os laços sensíveis e afetivos da amizade e da arte.
E caso alguém considere que há um tom romanceado ou prejudicado pela proximidade dos entrevistados, isso também não é problema: mesmo uma eventual idealização traz uma verdade emocional. Assim como existe recriação na tarefa de traduzir, basta que se mantenha a essência para prestar uma homenagem fiel e respeitosa.