Ricardo Gruner
Dois atores em alta, direção estilizada e um drama misterioso com jeitão de filme para o grande público: dá para entender por que Neve negra é o título nacional de maior bilheteria na Argentina em 2017. Estrelado por Ricardo Darín (O segredo dos seus olhos, Um conto chinês) e Leonardo Sbaraglia (Relatos selvagens, O crítico), o longa-metragem estreia nesta quinta-feira com o desafio de alcançar bom desempenho no Brasil.
Darín já se tornou uma marca própria, um selo de qualidade ou, no mínimo, um chamariz para os filmes em que vem atuando nas últimas décadas. Devido a esse status, o espectador que for assistir Neve negra pode se surpreender: é de Sbaraglia o papel de maior destaque na narrativa.
Ele interpreta Marcos, que chega com a esposa Laura (Laia Costa) da Espanha para enterrar as cinzas do pai. De volta à Patagônia, o personagem também vislumbra a possibilidade de vender o terreno onde o falecido vivia. Como um dos seus irmãos morreu ainda criança e outra irmã sofre de distúrbios psicológicos, resta a Marcos lidar com Salvador (Darín), o mais velho dos quatro - com quem não convive há décadas. A partir deste reencontro delicado, o fato do primogênito ainda estar habitando o local se torna uma questão menor na medida em que nenhum deles esqueceu de antigos segredos.
A direção do filme é de Martin Hodara, codiretor de O sinal (2007) e presente nos créditos de filmes como Nove rainhas (2000). Para abordar essa história, o cineasta vale-se principalmente de dois recursos: a exploração da natureza local e a relação entre passado e presente. Salvador é um homem carrancudo, que vive de forma isolada e, por razões próprias, não gosta nada da visita do irmão. O frio e a neve, tão valorizados no roteiro e nos enquadramentos, funcionam como uma espécie de espelho para a resistência do personagem - a qual beira um comportamento hostil. Já as ações decorridas no reencontro e as lembranças da infância são colocadas lado a lado, na mesma cena, através de movimentos de câmera. De início, o recurso chama atenção, mas o diretor peca pela repetitividade ao não perceber que alguns fatos independem de esclarecimentos.
Uma das questões vendidas pela narrativa como um mistério, por exemplo, é dedutível antes - muito antes - de sua confirmação. Enquanto o espectador já pegou um atalho para a resposta desejada, o enredo se arrasta entre flashbacks e confrontos em uma curva que parece falta de confiança no que já foi apresentado. Felizmente, Neve negra não se sustenta apenas a partir de um pilar: a família de Marcos e Salvador tem mais questões dúbias do que aparenta. Nesse contexto, cabe a Laura, que, por vezes, serve como olhos do público, entender o que está escrito nas entrelinhas. Enfraquecido a partir da segunda metade, o filme até reserva aos espectadores um momento a la Sherlock Holmes - em resolução forçada para uma trama digna de mais dedicação.
Percalços à parte, é nas doses de suspense que o filme encontra seus melhores momentos. Hodara tem sensibilidade suficiente para apenas sugerir a tensão e deixar ao espectador imaginar desdobramentos - bem como manda a cartilha dos bons exemplos do gênero. Em uma simples cena de jantar, por exemplo, o cineasta consegue passar uma mensagem de conflito velado mais poderosa do que ao explicitar eventuais motivações.
Também não se pode falar do elenco. Se são de Sbaraglia as sequências que exigem maiores alterações de ânimo ou emoção, Darín também não faz feio - com uma frieza que denota rancor acumulado, mesmo que de teor discreto em comparação ao parceiro de cena. Primeiro filme do diretor em uma década, Neve negra passa a sensação de ter um potencial inalcançado - sobretudo por apresentar uma espiral formada por personagens críveis. Não à toa, ao invés de explanações ou viradas de enredo, é o jogo psicológico que merece elogios.