Crescer em meio à violência e ao tráfico de drogas é comum para um número gigantesco de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Existem 200 mil favelas no planeta. Numa dessas regiões periféricas, na Zona Sul de Porto Alegre, Rodrigo dos Santos Ramos, hoje com 33 anos, vive. Conhecido como Sabiah, ele tem uma história cheia de reviravoltas e é um exemplo de como é possível empreender num cenário controverso. (Aliás, o que é um cenário ideal para empreender?)
Criados apenas pela mãe, Sabiah e o irmão, Felipe Ramos, 31 anos, faziam suas próprias escolhas enquanto ela saía para trabalhar. Entre 2006 e 2011, Sabiah ficou preso devido a um assalto. Em 2009, enquanto cumpria a pena na Penitenciária Estadual do Jacuí, conheceu o projeto MCs Para a Paz - Multiplicadores de Cidadania Para a Paz. A assistência recebida no grupo foi determinante para a mudança que necessitava - e ansiava. "Eu sempre digo: tu quer mudar de vida? Tem que mudar de vida lá, no momento que tu está, no momento presente - não adianta dizer que vai mudar quando sair", ressalta.
Numa ocasião, assistindo ao futebol entre detentos, recebeu um exemplar de Somos todos inocentes, da autora Zibia Gasparetto, com o pedido para que cuidasse por um instante. Cuidou por um período maior. "Em uma semana, li o livro. E para quem nunca leu um livro, aquilo foi uma vitória." Dali em diante, buscou mais e mais livros, com diferentes temas e histórias. Terminou o Ensino Médio, buscou ajuda psicológica e se conectou com a leitura e a escrita.
Dentro da prisão, reencontrou o irmão, também encarcerado. Quando saiu, tudo que havia planejado precisava ser posto em prática. Arrumar um emprego era primordial, e a primeira oferta foi em uma usina de reciclagem. "Por dois dias, fiquei pensando, matutando (sobre aceitar ou não). Tudo o que eu queria era uma oportunidade. E por que não?", lembra Sabiah, contando que o preconceito dos outros e dele próprio com a profissão o deixou ressabiado - mas aceitou o trabalho.
Agora, ele e o irmão são donos de uma usina de reciclagem na Zona Leste de Porto Alegre. "Tomei gosto pela coisa", sintetiza. O início, claro, não foi fácil. "Quando a gente ia vender nosso material, íamos e voltávamos de ônibus, com sacolas pesadas para o depósito, porque não tínhamos meio de transporte próprio", descreve. Pagavam R$ 500,00 por semana de aluguel num galpão de 20 metros de comprimento por 15 metros de largura. "Hoje, nós compramos o galpão (por R$ 50 mil), reformamos e compramos mais um terreno na frente para depósito (por R$ 100 mil, ainda não quitados). E ainda compramos uma casa para nossa mãe", orgulha-se. "Tudo fruto desse trabalho. Suamos muito para conseguir tudo isso."
Através do empreendedorismo, Sabiah tenta transformar outras pessoas. "Eu trago para trabalhar comigo ex-detentos, com tornozeleiras, garotos de abrigo, da Fase, ex-morador de rua", comenta. Prova viva de uma mudança possível, ele dá inclusive palestras. Já conversou com alunos de Direito do IPA e, em 2016, falou no TEDxLaçador.
Leia mais sobre o especial Empreendedorismo na Favela: